Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: janeiro 2010 (Page 3 of 3)

Retrato do Brasil. O que é saúde pública para pobres.

A fotografia acima quer dizer que durante um mês, o de janeiro, não se realizarão exames médicos na rede pública de saúde, em Campina Grande, Paraíba.

Suponhamos, para alerta de quantos julgarem isso banal, a seguinte situação. Alguém tem um câncer diagnosticado. Precisa urgentemente de exames para a determinação dos parâmetros do tratamento. Sabe-se que nessas doenças o tempo é um fator essencial. Ou seja, este paciente perderia preciosos dias de tratamento por conta dessa incúria.

Isso é, sem eufemismos suavizantes, um retrato de como funcionam serviços públicos cujos usuários são as camadas mais pobres da população brasileira. Um serviço essencial é interrompido como se fosse a coisa mais trivial do mundo, que não acarretasse problema algum. E, realmente, é revelador de certa mentalidade dominante. Quer dizer, para os mais pobres os serviços públicos são prestados como se fossem um favor, não uma obrigação constitucionalmente prevista.

Convém lembrar que a Constituição brasileira prescreve a universalidade da saúde pública e a continuidade dos serviços e que, portanto, tal conduta é frontalmente contrária à lei mais importante desse país. Convém lembrar também que os recursos financeiros para os serviços de saúde – administrados pelos Estados Federados e pelos Municípios – são eminentemente repasses federais. Ou seja, o governo central repassa os dinheiros e os outros entes sentem-se à vontade para condutas deste tipo.

Às vezes é interessante recorrer à exageração para propor alguma comparação. Suponhamos, por exemplo, que a companhia de fornecimento de energia elétrica informasse ao secretário de saúde que interromperia o fornecimento por um mês, para sua residência. Ora, seria o escândalo público, repercutido diariamente nos meios de comunicação institucionais.

A ignorância afirmativa. Ortega y Gasset profetizando.

O que é característico deste momento é que a alma vulgar, sabendo-se vulgar, tem o denodo de afirmar o direito à vulgaridade e impõe-no onde quer que seja. Como se diz na América do Norte: ser diferente é indecente. A massa arrasa tudo o que é diferente, egrégio, individual, qualificado e selecto. Quem não for como toda a a gente, quem não pensar como toda a gente, corre o risco de ser eliminado.

Esse trecho, retirei-o da Rebelião das Massas, de José Ortega y Gasset, a mente mais clara do século XX. O momento de que ele fala é o final dos anos vinte do século passado, mas tem se tornado todos os momentos. Uma advertência sempre necessária para evitarem-se mal entendidos é que massa  não é um conceito econômico – como o próprio esclarece no livro – ou seja, não é sinônimo de pobres.

Essa força uniformizante pelos padrões mais baixos, intelectuais e de comportamento, é a mais intensa de quantas agem na sociedade. A uniformização acrítica está para as massas como a muralha estava para um burgo europeu medieval. Ela está para as massas como a claudicante noção de merecimento está para as classes médias brasileiras. Ou seja, é um elemento de conservação.

E Ortega foi muito agudo na observação do que é a diferença específica. Ela não se encontra na vulgaridade, que sempre houve em altas proporções. Encontra-se na sua afirmação como regra, na sua proclamação como um direito, na sua elevação a padrão cuja infração acarreta eliminação. A superficialidade do técnico detentor de um cabedal de conhecimentos e que se aventura a opinar em tudo não é o novo. O sapateiro que pretendeu imiscuir-se na fazedura da escultura toda é exemplo antigo.

Mais novo é ser isso a regra e estar à vontade a superficialidade para impor-se de rosto descoberto, declarando-se o normal, o que todos acham, o padrão fora de que nada pode haver. Todos têm idéias de tudo e não desconfiam minimamente que essas idéias podem ser uma tremenda coleção de bobagens, irrelevências. Ao contrário, a vulgaridade comporta-se com uma segurança enorme, está muito à vontade, certa de sua predominância social, mas incapaz de compreender que predomínio e exclusividade são coisas diferentes.

Encontramo-nos, pois, com a mesma diferença que existe eternamente entre o estúpido e o perspicaz. Este surpreende-se a si mesmo sempre a dois dedos de ser estúpido; por isso faz um esforço para escapar à estupidez iminente, e a inteligência consiste nesse esforço. O estúpido, pelo contrário, não suspeita de si mesmo: julga-se discretíssimo, e dai a invejável tranquilidade com que o néscio se alicerça e instala na sua própria necedade.

Não desconfiar de si próprio, instalar-se dentro de si, com o acervo de lugares-comuns possuídos, enfim, ser-se hermético. Eis uma inclinação pessoal que dá inércia ao comportamento social da afirmação da vulgaridade do todos  pensam assim. Elas se retroalimentam.

Ainda lembro de um episódio acontecido comigo numa conversa com um colega de trabalho, há vários anos. Pelas tantas, meu interlocutor saiu-se com essa: Olha, Andrei, só tu pensas assim. E abriu um sorriso irônico, triunfante e malicioso, como de quem põe o outro em xeque.

Impressionante era o fulano usar a variante do todo mundo pensa assim – pela excludente, eu era o infrator, porque era o único a não pensar como todo o mundo – como argumento. Isso é uma assertiva, mas não é um argumento, falando-se propriamente. Quer dizer, a própria situação em que o fulano está imerso tornou-se argumento de autoridade! E argumento triunfante, devastador, o último e mais forte, que já não admite réplica. Mas, insisto, isso não é um argumento, é no máximo uma proposição a ser verificada. Na ocasião, eu calei-me, e hoje faria o mesmo.

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto.

O maior poeta em língua portuguesa que já li. Advirto que li poucos e que a poesia para mim é difícil. O poeta e a poesia são coisas diferentes, embora evidentemente relacionadas. A obra tem uma dramaticidade objetiva, ou seja, não retirada de alguma dramaticidade subjetiva do autor, projetada na criação. Neste poeta, isso fica muito claro.

João Cabral de Mello é formalmente perfeito e não é só forma. Segue um trecho de uma das partes do grande poema Morte e Vida Severina. Pelas tantas, o retirante do poema depara-se com o enterro de um trabalhador do eito e ouve o que dizem do morto os amigos que o levaram ao cemitério. Ponho apenas um trecho, pois como já dito, o poema é grande.

Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.

é de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe

neste latifúndio.

Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.

é uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.

é uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.

é uma cova grande
para tua carne pouca,
mas à terra dada
não se abre a boca.

Mário Cesariny e a cidade e os pintores e os escritores e os mortos.

Tantos pintores

A realidade comovida agradece
mas fica no mesmo sítio
(daqui ninguém me tira)
chamado paisagem

Tantos escritores

A realidade comovida agradece
E continua a fazer o seu frio
Sobre bairros inteiros, na cidade, e algures

Tantos mortos no rio

A realidade comovida agradece
porque sabe que foi por ela o sacrifício
mas não agradece muito

Ela sabe que os pintores
os escritores
e quem morre
não gosta da realidade
querem-na para um bocado
não se lhe chegam muito __pode sufocar

Só o velho moinho do acordeon da esquina
rodado a manivela de trabuqueta
sem mesura sem fim e sem verdade
dá voltas à solidão da realidade

Manipulações existem. Por dinheiro e poder faz-se quase tudo, inclusive uma gripe suína maior que a real.

Há um mito – parente próximo do fetichismo técnico e tecnológico – consistente na crença de que certas entidades são incorruptíveis e que certos assuntos são sérios demais para permitirem manipulações. Ou seja, algo que poderia ser enunciado, em linguagem comum, como acreditar que com certas coisas não se brinca. É sumamente falso, pois esses limites não existem.

A recente gripe suína – que ia dizimar as populações – fornece um belo exemplo. Indubitavelmente, insere-se no rol dos assuntos sérios, por razões evidentes. E assim foi tratada por entidades internacionais, governos nacionais e imprensa. Ninguém queria ser acusado de irresponsável ou leviano, diante das potencialidades destrutivas anunciadas, mas muitos o foram. No Brasil, por exemplo, o governo foi incessantemente acusado pela imprensa institucional de abordar o assunto levianamente.

Há pouco, passada a histeria inicial, duas abordagens mais sensatas vieram à tona. Os governos da França e da Alemanha tornaram público que não comprariam mais as tais milagrosas e absolutamente necessárias vacinas e antivirais contra a gripe. Agora, mais recentemente, cientistas dizem abertamente que o alarma não correspondia aos riscos efetivos e levantam-se suspeitas de corrupção na OMS – Organização Mundial de Saúde.

Mas, o senso comum permanecerá bem obediente aos ditames da mitologia do assunto sério, em que não se admitem leviandades, nem chantagens. Todavia, quem buscar evidências de que esses limites não existem vai encontra-las. Ao que tudo indica, laboratórios farmacêuticos estavam muito mais preocupados em vender seus produtos, pondo sob chantagem quase o mundo inteiro, que desempenhar seus papéis de produtores de remédios e só. Afinal, tanto remédios, quanto armamentos são vendidos!

Técnica e tecnologia como fetiches.

Não se trata aqui de falar da elevação dos meios a fins, nem de ser contra o fascínio com a técnica, que eu, por exemplo, sou fascinado pela mecânica. Mas, de uma variante da sempre renovada crença nos efeitos salvadores das evoluções técnicas e tecnológicas. Claro que essa tendência é parente próxima do imediatismo e do pensamento anti-histórico. Ou, pelo menos, da concepção da história marchadora sempre sem sentido único, sem involuções.

Atualmente, é o culto das tecnologias como panacéias, sejam dos problemas individuais, sejam dos coletivos. É curioso notar que a tecnologia em sí é inerte, ou seja, não é finalística, nem boa, nem ruim. Claro que pode ser alçada a discurso ideológico, mas sua gênese não se insere em qualquer categoria axiológica.

O culto esquece que ele mesmo replica-se historicamente. No início da revolução industrial, a máquina a vapor ia ser a redenção da humanidade ávida por força produtiva mecânica. Não foi redenção nem maldição, foi o surgimento de uma técnica, inserida em algum momento histórico.

Na primeira metade do século XX, a física do átomo assumiu o posto de deidade a ser cultuada. Seu domínio seria o fim dos males, a energia sem limites, a potência destruidora. Enfim, a nova e última fronteira. Instalou-se e as coisas seguiram seu rumo, assimilando a nova deidade no seu imenso panteão.

As comunicações e os meios eletrônicos apresentaram suas candidaturas ao panteão, logo aceitas. São o remédio de todos os males, o motor da aproximação irreversível de todas as gentes, a possibilidade de acumular enormes quantidades de informações. Esse deus é tão poderoso que traz em si a potência de ter mais potência. Seria auto gerador de mais possibilidades, continuamente. Não há dúvidas de quanto de ridículo há nisso, mas acredita-se!

Geraria novas formas de relacionamentos pessoais e de grupos, relegando ao lixo tudo quanto antes se falou sobre economia, poder, comunicações, educação e sociologia. Paradigmas quebrados, teses obsoletas, futuro auspicioso para todos. Curiosamente, em alguns locais a mágica parece-se mais com farsa.

Vejo, nesta porção do Brasil, muitas pessoas munidas dos telefones mais modernos que existem, coisas como i-fones e semelhantes. Na maioria dos casos, todavia, os aparelhos, além de aumentarem os pesos suportados pelos bolsos dos usuários, servem para pouco mais que falar. Estranha contradição: os meios necessários para que esses super-telefones desempenhem todas as suas potencialidades salvíficas são precários. Quer dizer, as conexões são péssimas e os telefones são telefones!

Gente que maltrata bichos.

Fui a um bar, ontem ao final da tarde, com meu amigo Severiano. Depois de termos o trabalho de por no ar este blogue, novamente, era tempo de relaxar um pouco e tomar uma garrafa de vinho. Vai conversa e vem conversa e, pelas tantas, reparo embaixo da minha cadeira. Estava lá um gato, pequenino, que devia ter um mês de vida. Minúsculo, sujíssimo, malcheiroso e com uma pata quebrada. Tão reduzido de tamanho e de forças era o felino, que não conseguia comer os pedaços de carne que cortei bem pequenos.

Os garçons que passavam faziam menção de enxotá-lo, com os pés. Não, disse-lhes eu, deixa o gato aí, ele parece até que está morrendo. Ficaram desconcertados. O dono do bar, que passava, fez a mesma coisa. Deixa o bicho aí, rapaz, não está fazendo mal algum e o coitado está todo quebrado. É, disse ele, andou levando uns bicudos. Quer dizer, levou uns pontapés! Percebi – tenho pouquíssimo receio de estar errado – que o autor da obra tinha sido o próprio dono. É curioso como essas coisas se revelam. Muitas vezes, por contraste. O fulano, incapaz de compreender que alguém não se incomodasse com o bicho e mesmo se preocupasse com ele, quase reivindicava o comportamento oposto.

O desprezo por coisas e bichos é bastante variável. Em níveis muito elevados, o desprezo por bichos está a indicar o que se tem por pessoas. Claro que ninguém deve sentir-se obrigado a pautar a vida pelo acolhimento de bichos, mas pautá-la ativamente pela agressão é mentalmente rasteiro. Sobretudo se essa agressão não é o revide objetivo de alguma outra. Na maioria dos casos, não é. As maiores vítimas de crueldades são exatamente os bichos menos perigosos e agressivos: os cães e gatos vadios, de rua.

Confesso que ainda pensei em sugerir ao valeroso dono do bar que fosse distribuir pontapés em cavalos adultos e experimentar o risco de levar uns coices de quebrar a coluna. Mas, não resultaria coisa alguma. A impermeabilidade da alma é muito grande e seletiva. Só passa o que é conveniente. Melhor – ou pior, não sei -foi recolher o gato e agora ir atrás de um veterinário que atenda urgências aos domingos.

A segunda queda da Poção. O que são serviços como os do UOLHost.

O blogue foi retirado do ar pelo hospedeiro e perdeu-se todo o conteúdo, novamente. O terceiro início já é uma tarefa quixotesca que empreendo. Tive, ontem, muita raiva e as consequências habituais disso: insônia e dor de cabeça. Claro que aconteceram equívocos informáticos. Mas, principalmente, aconteceu uma enorme ineficiência e mesmo uma patifaria do mantenedor do domínio, o UOLHost.

Vou explicar o mais brevemente possível. Precisamente em 11/08/2009 pedi o registro, no tal UOLHost, de dois domínios: apocaodepanoramix.com e apocaodepanoramix.com.br. Ambos os pedidos foram feitos a partir dos mesmos dados cadastrais meus, obviamente. Os dois domínios estavam disponíveis e, portanto, bastava que se fizessem os pagamentos. Eles foram realizados, por meio de cartão de crédito.

Acontece que o UOLHost registrou o domínio .com e não registrou o .com.br. Isso, muito embora tenham sido pagos os dois. Trata-se de erro, de ineficiência, enfim. Posteriormente, à vista do hospedeiro ter os dois domínios, tentei novamente o registro do domínio .com.br. Como o sistema do UOLHost é feito para não funcionar corretamente, fiz novo pedido de registro e paguei novamente.

Todavia, permaneceram no erro e não fizeram o registro do domínio. Inclusive, a página de controle do UOLHost aponta que sou credor de R$ 30,00, ou seja, de dois pagamentos de R$ 15,00, relativos às duas tentativas. Quer dizer, não há dúvidas de que paguei pelos serviço, que não foram prestados.

Entrei em contato com o UOLHost, por meio do chat deles, tentando manter o máximo de paciência. Ninguém ignora o teste de civilidade que são esses contatos com atendimentos aos clientes. O que esperava aconteceu. Mantive uma conversa quase surreal com o atendente. Disse-me o funcionário do UOLHost que o problema era o CEP (código postal) que estava errado!

Ora, o CEP (código postal) informado foi o mesmo para o pedido que deu certo e para o que deu errado! Estava claro que se tratava apenas de uma desculpa sem qualquer fundamento. Corroborando isso, mais adiante na conversa, o atendente disse-me que o problema tinha sido meu CPF (número de contribuinte), que estava errado. Até as nuvens do céu sabem que esses sistemas não aceitam CPFs errados. E, os dados cadastrais são únicos, ou seja, informa-se o CPF uma só vez e ele estava certo para o registro que foi realizado!

Enfim, atendimentos desse tipo preferem tentar enganar o cliente e leva-lo por uma trajetória kafquiana a reconhecer o erro e resolver o problema. Essa é sua estratégia de atuação e o consumidor que se entenda com a sensação de absurdidade e de estar sendo evidentemente lesado e obrigado a escutar desculpas pueris. São maravilhas do capitalismo de serviços sem regras, selvático.

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