Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Tentarão um golpe judiciário caso Dilma Roussef vença as presidenciais.

Kleroterion, dispositivo para o democrático sorteio ateniense

Um texto de Andrei Barros Correia.

Convém chamar as coisas por seus nomes e buscar a clareza. O direito, ou é a vontade do príncipe, ou é a vontade do povo. Não pode ser a vontade do juiz, excepto se o juiz dispuser-se a ser representante do povo ou do príncipe.

O que se chama cotidianamente de interpretação é a própria criação de normas. Se ela é menos drástica em causas entre pessoas, porque produzirá uma lei a interferir apenas nos litigantes, ela é bastante grave se estão em causa interesses amplos. Uma decisão judicial que envolva direitos públicos subjetivos aproxima-se deveras da lei em sentido formal e material, ou seja, da lei como a entendemos comumente, votada pelo parlamento e sancionada pelo chefe de Estado.

Existem legisladores e aplicadores da lei para que casos semelhantes tenham desfechos semelhantes, apenas fazendo-se os ajustes pontuais que as peculiaridades de cada qual requeiram. Ou seja, para que lei seja algo abstrato e genérico, molde vazio em que se verifica a continência de alguns fatos.

Se casos semelhantes merecem decisões diferentes, duas alternativas apresentam-se: ou não se trata de aplicação da lei; ou trata-se do juiz criando lei instantaneamente, o que é possível, mas implica a inexistência de separação de poderes e, no caso brasileiro, uma inconstitucionalidade evidente.

Não é preciso sentir o chão tremer e a claridade aumentar na estrada de Damasco para perceber os chamados ao golpe judiciário. Caso Dilma Roussef vença as eleições presidenciais de outubro, o grupo do seu oponente tentará um golpe judiciário. Se terá êxito, já é outra estória.

Há um dado de realidade interessantíssimo a ser considerado. Tornou-se comum o discurso segundo o qual os dois lados proeminentes do espectro político são basicamente a mesma coisa. E tornou-se comum a partir da difusão dessa idéia pelos oponentes ao grupo do Presidente Lula. É perfeitamente racional essa estratégia, pois não convém contrapor-se ao êxito e sim tentar dizer que todos se aproximam e fazem as mesmas coisas e têm, portanto, as mesmas condições de êxito.

Todavia, em alguns aspectos, todos agem semelhantemente mesmo. Trata-se das práticas de campanha eleitoral. A legislação eleitoral brasileira é uma farsa, elaborada sob medida para ser infringida e para permitir os maiores absurdos, que são os financiamentos ilegais das campanhas. Ela oscila entre o detalhismo excessivo, a obscuridade e, por vezes, a vacuidade. Ou seja, é um molde em que ou tudo cabe, ou nada cabe.

Como não quero alongar-me demais, nem reescrever as teorias política e do Estado, vou supor situações limites para evidenciar até onde pode o supostamente jurídico meter-se no político.  Se a candidata Dilma Roussef vence as eleições e tem a vitória impugnada por algum tribunal, o que ocorrerá se o seu oponente tiver praticado as mesmas infrações e o caso for levado a este tribunal? Dará soluções diversas e tornar-se-á personagem política ativamente parcial, este tribunal?

Anulará a eleição e convocará outra, com ambos os candidatos anteriores impedidos de participar? Provavelmente ignorará que as supostas infrações de uma candidata foram cometidas, quantitativamente e qualitativamente, pelo outro candidato e assumirá o poder real sem ter base para tanto. Será isso uma atuação democrática? No fundo, é melhor decidir no sorteio, como democraticamente fazia a Assembléia Ateniense para muitas magistraturas.

Essa tentativa golpista que se anuncia pode ser uma auspiciosa oportunidade de testarem-se os limites do jurídico e do político na prática brasileira de assunção dos comandos do Estado.

3 Comments

  1. Julinho da Adelaide

    Você colocou o caso muito bem Andrei. Gostaria de acrescentar que caso alguma autoridade do Judiciário deseja algum tipo de protagonismo político, deveria deixar de lado os concursos e disputar eleições, que são coisas diferentes e legitimam a atuações diferentes. Nossa tradição de conchavos preocupa, nossa tradição udenista assusta. Mas não sei se agora vão a tanto. As condições não são favoráveis a golpes. As classes médias são as mesmas de sempre, mas o povo esta se sentindo progredir e as elites não foram, objetivamente, desprestigiadas no governo do PT, muito menos as franjas mais adesistas do Congresso. É claro que à falta de sobressaltos, a mídia pode criá-los. Mas aí quem sabe nosso líder não fala às massas, e quem sabe não teremos, como gostariam alguns, a catarse de um banho de sangue que não tivemos em quinhentos anos de “homens cordiais”. A conferir.

  2. andrei barros correia

    Julinho,

    Tenho muitas dúvidas quanto ao êxito da empreitada, mas quase nenhuma quanto à tentativa.

    Claro que não há como estimar as possibilidades de êxito, nem de saber-se o roteiro da brincadeira. Todavia, se se observar o período que vai do suicídio de Getúlio até a posse de Juscelino, colhem-se interessantes indicativos.

  3. Julinho da Adelaide

    Serra aparentemente desistiu do “pós-Lula”. Sua campanha deu uma visível guinada à direita com direito a diversas declarações odiosas contra nações e povos amigos e parceiros comerciais e condenando a Bolívia(e esquecendo da Colômbia) pelo consumo de drogas. Por intuição considero estas manobras fadadas ao fracasso. Acho que a escalada à direita só vai criar mais antipatia ao candidato e torná-lo a cada dia mais nú perante ao eleitorado. Por outro lado penso que resta pouca margem de manobra ao candidato que provavelmente disputa sua última chance de eleição presidencial, visto que Aécio é a bola de vez pra 2014 contra Dilma. Aécio que completou hoje sua vingança negando participar da chapa como vice. O problema é que Serra está sempre na contra-mão. Em 2002 ele acenou com a continuidade quando o povo queria mudança. Agora, acena com a mudança quando o povo quer continuidade. Não sei se estou demasiado otimista, mas, embora com medo das conchambranças da nossa mídia e de parte das nossas elites, acho que Serra pegou o ônibus errado de novo.

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