Se há qualquer coisa que se aproxima de oposição ao natural, ela é o discurso, ou seja, alguma proposição estruturada a partir de linguagem. Ainda assim, é oposição no limite do paradoxo, porque a linguagem, ela também, é natural à espécie humana, ao menos potencialmente.

O natural pode definir-se como ontologia total da matéria, excluindo-se as formas, pelo menos se as considerarmos no sentido platônico de protótipos da criação. A natureza é o que se encontra dado em termos materiais, o que inclui espécies animais e vegetais, terra, atmosfera e etc.

É comum a várias civilizações ligar o natural a um criador divino, o que não representa grandes problemas lógicos. Todavia, derivar da criação divina do natural a naturalidade de inclinações e comportamentos humanos é logicamente insustentável, na medida em que representa uma deslocação calculada de dois planos, para que artificialmente coincidam.

Se tudo ficasse no mesmo plano, o da natureza, seria impossível conceber o anti-natural, porque equivaleria ao não criado divinamente e, portanto, a contradição interna ao discurso. Assim, percebe-se que o anti-natural define-se com relação a critérios externos aos de definição do próprio natural. Ele define-se com relação a critérios jurídicos e morais, porque não seria concebível por oposição a si mesmo.

Em palavras mais breves, trata-se da evidência de que se tudo foi criado, forçosamente tudo é natural. Se ficássemos por aqui, teríamos a possibilidade de apropriação intelectual do fenômeno, tanto por epistemologia, quanto por religiosidade, porque o campo da criação seria total e sem descontinuidade ou fragmentação ou exceções, porque nada haveria fora da criação.

Cientes disso, os pensadores das grandes corporações religiosas monoteístas deslocaram o âmbito de formulação para o moral e para o jurídico, embora continuando a insistir que se mantinha a discussão no âmbito do natural. A partir de então, teoriza-se a dogmática dos atos contra natureza, como se isso fosse possível.

Ora, se o natural traz em si potencialidades para tais ou quais atos e se ele foi criado, é inescapável concluir-se que as potâncias e os atos decorrentes delas são também criados e, por consequência, não são anti-naturais, antes são tão naturais como quaisquer outras coisas.

Uma conduta pode ser contrária a uma norma, nunca contrária à natureza, porque neste caso simplesmente seria impossível, por externa à realidade. Atenho-me, aqui, ao discurso moral-jurídico contra a homossexualidade, formatado a partir da noção de ato anti-natural. É contradição em termos que serve apenas a finalidades de controle social, ora repressivo e excludente, ora positivo e fiscalizador, conforme o momento histórico.

São exemplos desses modelos – como aponta Michel Foucault, nas suas aulas no College de France, em 1973 – o banimento dos leprosos e depois a fiscalização das cidades em risco de peste. O que se vê, hoje, com relação à prática de atos homossexuais é o funcionamento de modelo repressivo com perversa mistura dos modelos apontados.

Inicialmente, o controle tende a ser positivo e opera a partir da lógica da opção pela autocorreção, o que necessariamente deve ser antecido pela aceitação pelo sujeito a ser corrigido de que pratica atos contra a natureza. Isso implica conceber a inclinação homossexual como espécie de libertinagem e excesso libidinoso e, consequentemente, como tipo de anomalia psíquica.

O segundo momento passa à repressão e exclusão dos que não aderiram voluntariamente ao passo antecedente, aquele da inclusão para autocorreção. A sucessão quase invariável desses dois momentos deveria levar os adeptos da teoria dos atos contra natureza a perceberem que a falta de êxito da inclusão autocorretiva é a prova da inexistência do elemento volitivo e, portanto, da perfeita naturalidade da inclinação em causa.

E deveriam lembrar-se, os perseguidores, que visar a corrigir a natureza é pretender-se também criador, o que redunda em heresia oceânica.