Resposta honrada de Goering à farsa.

A vingança não precisa fantasiar-se de jurídico para atuar plenamente e o direito do vencedor só é direito se valer para o futuro. Os vencedores das guerras não têm compromissos jurídicos, evidentemente, pois a guerra essencialmente é diferente deste âmbito. Claro que há normas costumeiras e compromissárias que podem vincular países que venham a entrar em conflito, mas sua real observação é raríssima.

Admitindo-se a existência prévia de tratados sobre vedações na guerra, está-se a admitir acordos celebrados por Estados soberanos. Daí, seu descumprimento, posteriormente verificado, é conduta a impor responsabilidades aos Estados descumpridores das regras que aceitaram. Esse ponto deve ser fixado, para estabelecer a diferença entre responsabilização de Estados e culpa de pessoas naturais.

Esse direito de guerra não é penal, a toda obviedade, porque não trata da responsabilização pessoal de indivíduos, até porque as regras tratadísticas estabeleceram obrigações para os Estados. A partir do segundo pós-guerra do século XX, todavia, criou-se um direito penal de guerra, na ONU, com previsões de responsabilizações individuais. A obra é falha, como se vê adiante.

Há sessenta e cinco anos encenava-se o julgamento de vinte e dois acusados no Tribunal de Nurembergue. Destes, três foram absolvidos, nove condenados à prisão perpétua e dez condenados à pena capital, executada imediatamente. Aquilo que se chamou de julgamento não tinha precedentes históricos, nem normativos. Realmente, a anterior Liga das Nações não oferecia qualquer substrato de direito tratadista que se pudesse aplicar.

O aspecto mais evidente – tão evidente que sugere a desnecessidade de falar a respeito – é que não se tratou de aplicar regra penal. Não se tratou porque essa espécie jurídica obedece, ao menos nos países envolvidos, ao já longevo princípio da anterioridade das leis. Ou seja, não há crimes, nem penas, sem lei anterior que as definam e prevejam.

Essa é uma garantia presente em muitos sistemas legais, para evitar que alguém seja perseguido judicialmente por alguma conduta que não era ilegal e reconhecidamente reprovada. Ou seja, tudo aquilo que pode ensejar uma privação de liberdade, ou mesmo da vida, por sanção do Estado, deve estar anteriormente previsto, senão é apenas punição fora do direito.

No caso dos acusados em Nuremberg, civis e militares alemães que atuaram na Segunda Grande Guerra, não havia qualquer direito a incriminar suas condutas. E, caso houvesse, incriminaria também àquelas dos vencedores, que foram essencialmente as mesmas. O direito que se dizia aplicar era o dos vencedores ou, melhor dizendo, era a vontade deles, os vencedores.

Nurembergue foi a vingança envergonhada, que recorre ao teatro e à simulação. Os crimes que supostamente seriam julgados foram definidos no próprio estatuto do Tribunal, depois de praticadas as ações que se iriam julgar. Ora, nenhum dos países componentes do Tribunal admitia a retroatividade das normas penais, exatamente o que estava a ocorrer naquele julgamento.

A natureza de vingança com tintas de direito fica clara nas observações e comentários feitos mais tarde por gente que esteve naquela guerra. Recentemente, Robert McNamara, o secretário de defesa norte-americano que conduziu grande parte da guerra do Vietnam e que esteve nos planejamentos dos bombardeios do Japão, na segunda guerra, fez as pazes com a sinceridade, de maneira cortante.

No filme documentário As névoas da guerra, indagado sobre a utilidade estratégica dos bombardeios incendiários no Japão e, mais precisamente, sobre as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, McNamara não deixa qualquer traço de hipocrisia: se tivéssemos perdido a guerra seríamos julgados como criminosos de guerra.

Não conheço quem tenha sido mais direto e preciso sobre o tema que o ex-secretário de defesa. Os vencedores julgaram os perdedores por ações que eles também praticaram, donde conclui-se que não julgaram a partir de qualquer direito, mas da vitória. Todavia, a partir de Nurembergue, a idéia da responsabilização criminal individual por condutas em guerras projetou-se na ONU.

Aparentemente, depois desse começo extra-jurídico, parecia que as coisas caminhavam para uma conformação mais sistemática. Ou seja, seriam estabelecidas normas penais internacionais, por meio de acordos, tratados e protocolos entre nações e a ONU, por algum seu órgão, julgaria as condutas que se inserissem nas hipóteses legais.

Todavia, a ONU nasce com uma mácula original a impedir que se tome a sério a própria instituição e seus declarados desígnios de ser uma grande instância jurídica supranacional. Essa mácula é o poder de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, que não precisam abster-se de votações que envolvam suas próprias condutas.

A fórmula implica – sem quaisquer eufemismos – impunidade total dos cinco integrantes permanentes: EUA, Rússia, França, Inglaterra e China. Ou seja, a instituição tem na sua gênese o direito do vencedor!

Se, por exemplo, tropas norte-americanas cometem barbaridades imensas, como as praticadas na Sérvia, os EUA podem votar na reunião que eventualmente discuta as infrações e podem vetar qualquer sanção! É uma piada? É mais que isso, é uma imensa farsa em que muitos acreditam piedosamente, inspirados por massiva propaganda do absurdo.