Tenho enorme receio de ocasiões propícias para conversas indesejadas. Muito embora o mutismo a me caracterizar quase sempre afaste as pretensões tagarelas de desconhecidos em lugares públicos, sempre haverá os tolos mais tenazes e necessitados de expansão.
A fila no supermercado é, talvez, o local mais arriscado para quem tem estes receios de contatos aleatórios com desconhecidos. Geralmente, iniciam-se com alguma reclamação. Isso é mesmo curioso, porque leva a crer que a reclamação é algo conducente ao ponto em comum.
O interlocutor crê – e na maioria das vezes está certo – que terá a confirmação no outro daquela sua insatisfação, que pode ser a respeito de qualquer coisa, até da maior insignificância.
Outro dia desses, estava eu na fila do mercado e aproxima-se um fulano, com ares de pequeno-burguês na altura dos 50 anos, com uns papéis na mão. Percebi imediato o risco. Chegou-se próximo e, depois de poucos instantes, começou a reclamar das dificuldades de se pagarem as contas tais ou quais. Anui com um aceno de cabeça.
Se estas pessoas não fossem tolas nem impelidas por uma força invencível de comunicar-se por nada, perceberiam o aceno de cabeça como sinal do obstáculo à conversa. Todavia, a tolice é muito afirmativa, pois as maiores parvoíces e, no âmbito político, as maiores barbaridades fascistas precisam ser ditas.
Após não ter compreendido o aceno de cabeça, o fulano emendou a seguinte frase, que nada tinha a ver com a reclamação anterior sobre as dificuldades de se pagarem contas: aquela mulher acha que tem direito a ser reeleita…
Se escrevesse para pessoas semelhantes ao que proferiu a frase acima, não seriam necessárias explicações, porque compreenderiam imediatamente. Todavia, não é este o público visado, então convém explicar.
Essa mulher, a que se refere o sábio, é a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff. O sábio não se digna a chamá-la pelo nome, nem a referir-lhe o cargo ocupado. O dizer aquela mulher é muito revelador, tanto de um machismo anacrônico, quanto de um desprezo pequeno-burguês muito próprio do fascista inculto seguro de si e de suas pequenas verdades.
Habitualmente, permaneço calado ante tais derramamentos caudalosos de mesquinheza e burrice, mesmo se a insistência for demasiada. Porém, nesta ocasião, estava com algum humor e resolvi verificar se o interlocutor ainda tinha algum traço de pensamento próprio.
Disse-lhe: isso não é questão de direito, é de votos. O fulano ficou um pouquinho desconcertado, mas ainda insistiu na histeria: mas, não tem o direito de querer reeleger-se…
Redargui: claro que tem. Esse direito foi criado pelo sábio Fernando Henrique Cardoso, a um custo e a partir de métodos de convencimento nada ortodoxos…