Um texto de Alcides Moreira da Gama.
Existe algo de fascinante nas músicas, mesmo naquelas que pessoalmente não apreciamos, porque, sem explicação, ela consegue mexer conosco. Mais fascinante ainda são as pessoas cujos dons musicais comovem. Não tenho dúvida de que já nasceram com esses dons.
Um instrumento musical que consegue me impressionar é o baixo. Normalmente ele é utilizado para dar base às músicas. É como um alicerce cujas paredes e teto são construídos sobre ele. Previsivelmente, é isso que se espera de um baixo: a música é montada tendo-o como base. Quando são medianamente tocados, suas notas são previsíveis. Supõe-se que, quando é tocado sem muita expressividade, ao ouvirmos uma música qualquer, já deduzimos em qual tempo e tom a nota será emitida. Mentalmente e quase inconscientemente já antevemos e aguarmos aquela nota que será tocada, até que ela é emitida, confirmando o que já era esperado.
Mas há casos que extrapolam a normalidade, e a surpresa de cada nota milimetricamente tocada no devido tempo musical é um espetáculo à parte. O que era uma previsibilidade quase monótona – o que se espera de um baixo tocado sem muita expressão – é um espanto e sobressalto a cada nota musical lançada. O ouvinte fica pasmado, quase congelado. A imprevisibilidade e eloquência das notas do baixo assim tocado tomam conta de todo o enredo musical. É um prazer inesperado para o ouvinte, que tem a sensação de que, embora cada nota seja temporalmente calculada, a imprevisibilidade impera.
É o que se pode dizer de revolução na construção: é quando o alicerce deixa de ser alicerce, e as paredes e teto passam a ser a base; é quando o baixo deixa de ser a base da música, e a música se torna a base para o baixo; é quando a música serve de autopista para o baixo desfilar sobre ela. Aí está a demonstração: