Vendem-se, por aqui, uns filetes de porco interessantes. Sim, interessantes porque são relativamente grandes e permitem imaginar que se criam porcos imensos, a julgar pelos meus conhecimentos de anatomia porcina. Os filetes têm vantagens e desvantagens, como quase tudo. Eles são muito macios e não há como fazê-los ficarem duros. São facílimos de se fazerem, sejam fritos, sejam guisados – estufados – sejam grelhados.

Por outro lado, não é uma peça muito saborosa, como são a perna e o lombo. Acho, mas não tenho certeza, que os rojões minhotos são feitos da perna do porco, de onde vem a carne mais saborosa que existe, como bem apontavam os astecas. Faço aqui um pequeno parêntesis para lembrar essa maravilhosa constatação dos mexicanos astecas, a propósito da carne do porco, que não conheciam e passaram a apreciar depois que os espanhóis introduziram-na no México.

Eles diziam que a única coisa boa que os espanhóis haviam trazido era o porco que, depois da carne humana, era a melhor que havia! Hoje, uma tentativa de comprová-lo cientificamente seria crime, tempos terríveis esses presentes…

Bem, tomei um filete de porco de aproximadamente um quilo. Cortei-o em escalopes, ou seja, transversalmente, e depois dividi os escalopes ao meio: eis os rojões. Em uma assadeira, pus os rojões com bastante alho espremido, folhas de louro, sal, pimenta do reino e, claro, vinho. O porquinho passa um dia inteiro a banhar-se nessa vinha d´alhos.

Além da inovação do corte do porco, atrevi-me a outra: pus umas rodelas de linguiça fumada, também a descansar no banho de vinho e alhos e sal e pimentas e louro.

Hoje, pelas onze e meia, espremi mais alho – essa liliácea nunca é demais na cozinha – em uma caçarola com azeite e coloquei no fogo alto. Três minutinhos depois, os rojões e as rodelas de linguiça. O caldo da vinha reserva-se, para entrar depois.

Passados uns dez minutos, virando-se os rojões, acrescentei o caldo de vinho, sangue e alho, baixei o fogo, tampei a caçarola e esperei uns vinte minutos. Pronto, estava no ponto a carne dos deuses.

Entretenho-me a cortar verduras. É uma coisa repetitiva e que requer atenção, é como rezar um mantra indiano. Então, tomei dois maços pequenos de cebolinhas e fatiei-os em rodelinhas. Cebolas, cortei-as em pedaços médios, quase simétricos. Tomates foram cortados com uma diligência monástica, quase todos do mesmo tamanho. Coentro – essa dádiva cheirosa – lava-se e corta-se apressadamente.

Tudo isso foi colocado em uma peneira, lavado em água corrente e posto em uma panela, com vinagre branco. Os feijões, simples feijões brancos, grandes, cozinhados em água e sal.

Simplesmente, misturam-se os feijões escorridos com a cebola, a cebolinha, o tomate e o coentro, em uma panela média. Põe-se um pouco de vinagre e de azeite e está pronta a salada!

Há uma semana o tempo está chuvoso e estamos meio próximos ao inverno, o que significa temperaturas razoáveis, agradáveis 22º, coisa rara nesta terra que é a fornalha do mundo. Então, podemos dedicarmos-nos à extravagância das carnes – ainda que matizadas pela suavidade da salada – e a um honesto vinhozinho do Dão.

Honesto, sim, e até barato, mesmo em reais. Um Dão de Touriga Nacional e Tinta-Roriz, razoavelmente encorpado, razoavelmente persistente e pouco alcoólico. Depois, bem, depois foi escrever essas bobagens e dar um cochilo!