Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Precisamos do Grande Juliano. Ou, não precisamos de ativismo religioso na política.

Minha única fonte é eruditíssima e bem escrevente: Gore Vidal. Inclusive, aproveito a oportunidade para sugerir a quantos gostem de boa literatura esse magnífico romance histórico: Juliano.

O Imperador cresceu em meio a padres e monges ortodoxos e teve grande ocasião de observar-lhes as intrigas e, inclusive os constantes assassinatos a que se entregavam mutuamente as correntes divergentes do cristianismo triunfante. Foi educado no cristianismo que, a partir de Constatino, não viu mais restrições para conquistar as almas das pessoas e os postos da burocracia imperial.

Juliano voltou-se ao paganismo, até de forma mística, ele que era um iniciado nos mistérios greco-egípcios. Tentou defender o paganismo da extinção e das perseguições violentas dos cristão, que, quando não tornavam templos em igrejas, simplesmente punham-nos abaixo.

Pelos cristão – a quem chamava galileus – nutria algo como um desprezo estóico, mas não tomou atitudes contra eles, não os perseguiu. Parece que sentia repugnância por perseguições e dogmatismos mesquinhos. Trabalhou na reconstrução de vários templos, alguns deles jóias arquitetônicas então em ruínas.

Cercou-se de filósofos e místicos o que foi até motivo de chacota, com relação a místicos como Máximo. Não laborou para impor o paganismo, nem para destruir o cristianismo, apenas para que fosse possível a alguém cultivar suas crenças e não apenas uma só crença autorizada.

Ou seja, Juliano não instilou a religião na administração do Estado, embora não escondesse a sua própria. Nesse sentido, foi um exemplo de magnanimidade e laicismo raríssimo, notadamente em contraste à intolerância cristã que se percebia por toda parte e em todas as inúmeras intrigas que permeavam a igreja e a burocracia.

Claro que isso daria errado e que esse filósofo, estóico, místico e grande soldado iria perecer. O preconceito, a mesquinhez e o dogmatismo reunem as melhores condições para triunfar, quase sempre. Juliano foi assassinado em combate, ao que tudo indica lancetado no abdome por um soldado galileu ressentido, de suas próprias legiões.

Recentemente, a grande jogada eleitoral que foi a candidatura de Marina Silva, a partir de uma plataforma vazia, de suposto ecologismo, revelou um aspecto perturbador, subjacente à enorme votação que ela teve. Marina é cristã reformada neo-pentecostal. E ela obteve, evidentemente, uma expressiva votação de motivação religiosa, na esteira daquela lógica que se explica muito bem pelo lugar-comum crente vota em crente.

É claro que nas condições temporais, espaciais, sociais, econômicas, políticas e institucionais que temos, isso é uma tremenda estupidez. Porque a fanatização religiosa não cumpre nenhum grande papel histórico, não é elemento catalisador de forças para uma cruzada contra infiéis que estejam a ameaçar-nos do outro lado de alguma fronteira.

Na verdade, é a perda da ocasião de aumentar-se o nível de politização da sociedade, o que é desejável porque política é opção pública. Sendo o Estado laico, não é de mínima importância que um candidato seja crente ou descrente e é a consagração da falta de critérios votar-se porque alguém segue ou afirma seguir as mesmas regras que supostamente devem dirigir as relações humanas com alguma divindade.

Importante é que se discuta para onde irão os dinheiros públicos, o que fará o poder público, o que ele permitirá, incentivará ou proibirá. Quanto ele se endividará e para quê. Como ele assegurará a subsistência das pessoas na velhice. Como ele cumprirá suas obrigações constitucionais de prover saúde e educação.

Ora, a inserção da identidade religiosa no debate político é um risco que estão a assumir para lograr efeitos imediatos. Uma estratégia de despolitização e imbecilização perigosíssima a longo prazo.

A UDN tinge-se de verde, mas não é suficiente para provocar segundo turno.

Uma mistificação política antiga, porém de razoável eficácia prática, são os candidatos auto-anunciados de terceira via. Em eleições majoritárias, com dois turnos de votação, caso seja necessário o segundo, evidencia-se que não há o terceiro alternativo. Não apenas porque evidentemente só disputam dois, mas porque o terceiro alinhar-se-a a um desses dois. No fundo ele era menos terceiro que dizia.

Claro que não se trata de afirmar a impossibilidade de três candidaturas competitivas, que podem existir. Todavia, quando uma terceira via é sabidamente incapaz de êxito final, ele serve a uma das duas viáveis. Pode servir voluntária ou involuntariamente, mas é pouco razoável acreditar em movimentos eleitorais involuntários, vindos dos jogadores.

Uma característica marcante das candidaturas terceira via é parecerem opção intelectualmente mais sofisticada e, por isso mesmo, menos abrangentes e aptas a seduzirem menos pessoas. Isso dá conforto ao eleitor que acha a real marca por trás da terceira via muito truculenta ou estigmatizada. E um conforto duplo, porque ele sabe que não trai os objetivos reais, no fundo.

Uma comparação possível – e precária como todas as comparações – é com a prática relativamente comum de montadoras de automóveis terem marcas de prestígio, em que carros feitos sobre as mesmas plataformas da marca mais popular têm um destaque, maiores preços e menores vendas. Um automóvel Lexus é e não é um Toyota, ao mesmo tempo.

As eleições presidenciais brasileiras, do próximo dia 03 de outubro, têm uma candidadura muito festejada de terceira via. Trata-se de Marina Silva, ex-ministra do meio ambiente do governo do Presidente Lula. Quando ainda ministra, ela era constantemente acossada e até ridicularizada pelos media dominantes, jornais e TVs e revistas semanais pseudo-informativas.

Após deixar o ministério e anunciar sua candidatura verde, passou a merecer uma abordagem mediática suave, quase ingênua. Criou-se a figura da candidata idealista, lutadora quixotesca pelo valor ecológico supremo. Passou a ser cortejada pelos mesmos media que a atacavam, convidada a entrevistas em que as opiniões propriamente políticas eram favoráveis à candidatura udenisto-ornitóloga e as opiniões programáticas eram quase o vazio.

O meio ambiente é parte de qualquer programa político governativo, seja em um sentido, seja em outro. Além de ser algo sumamente importante, os tempos não permitem deixar o assunto de lado. Contudo, não se sustenta uma postulação cuja única matéria tratada é o meio ambiente, como não se sustentaria uma que girasse exclusivamente em torno às comunicações, ou à educação, ou à justiça.

Uma parte não se confunde com o todo que integra e as pessoas percebem isso e os próprios candidatos também. A candidata sabe, que não é tola, que é preciso mais que um discurso ecológico para vencer eleições presidenciais. E sabe que não pode acusar o eleitorado de ser tolo por não se preocupar com a ecologia.

O eleitorado preocupa-se cada vez mais com a ecologia, embora de forma difusa e superficial, a partir das informações distorcidas que recebe dos meios de comunicação, que alternam desde a ecologia de plantação de alfaces até a de endeusamento de plantas geneticamente modificadas.

Resulta que a oferta de informações superficiais, cambiantes e, às vezes, claramente compradas por algum interesse leva o público a perceber que há uma questão, mas também a percebê-la como um detalhe imerso em muitas outras coisas mais imediatas. O discurso restringe-se e torna-se sedutor ao cidadão que, embora ignorando quantos litros de água descem numa descarga sanitária, acha sofisticado e up to date votar verde e só verde. Mas, o verde está no azul, no vermelho, no amarelo, basta um prisma para constatá-lo.

Hoje, a candidata Dilma Roussef tem 10% de vantagem sobre os outros somados, em três dos quatro grandes institutos de sondagens eleitorais. Em um deles, que parece ajustar seus resultados obedecendo a uma lógica astrológica, ela tem 04% de vantagem. Em qualquer deles, portanto, com ou sem astrologia, ela venceria as eleições na primeira volta.

Por isso a aposta neo-udenista – a variante que acresce os pássaros aos mamíferos – no crescimento da terceira via, porque seria a única forma de levar a decisão para a segunda volta, sem a terceira via na disputa, é claro. Assim, e em política não há o assado, está claro a quem interessa falar de crescimento da candidatura verde e tentar aumentar esse crescimento.

Curioso seria se desse certo e a embalagem verde acarretasse a segunda volta e passasse a ela. Não sei realmente como se comportaria a congregação neo-udenista. Imagino que se esforçariam para superar a estupefação e tomar o controle da surpresa eleitotoral, como donos dela que são.

Imagino, contudo, que seria pior que se conseguissem ir à segunda volta com seu próprio Toyota. Porque a decisão entre Dilma Roussef e Marina Silva permitiria apostar em resultado francamente favorável à primeira. Uma decisão entre Dilma e José Serra seria mais imprevisível e por margem mais apertada, porque a nitidez é mais vantajosa no jogo sem empate.

O segundo turno é muito remoto, mas convém lembrar que tipo de estratégia utilizou-se para tentar fazer com que ocorresse. E lembrar que a estória de terceira via não passa de estratégia eleitoral de um dos lados, considerando quem serviu a quem.