A picanha é um corte bovino ótimo para a brasa; sua grande e regular camada de gordura dá-lhe imenso sabor à medida que derrete sob o calor de um braseiro forte e distante. Sua dificuldade principal é retirar a camada de pele encontrada na face de baixo da peça, aquela contrária à camada superior de gordura. Se essa pele não for retirada, resulta mal até no melhor braseiro.
A picanha na panela não é novidade e talvez seja perda das potencialidades dessa peça tão boa de carne bovina. Sim, porque a famosa capa de gordura, se a carne é estufada, resulta numa consistência que sabe mal e fica dura. Porém, essa godura dá sabor ao estufado e basta retirá-la depois.
Comprei um peça de um quilo de picanha, relativamente magra, de gado zebuíno, certamente. Essa raça, muito adaptada ao clima brasileiro, de origens indianas ou africanas, não sei, é magra e de carnes menos tenras que as raças de origens européias, tão bem adaptadas ao Uruguai e à Argentina. Aqui, um parêntesis: a melhor carne do mundo come-se no Uruguai.
A picanha, em termos planos, é um triângulo-retângulo. Em termos espaciais é forma que ganha altura à medida que se afasta do vértice da hipotenusa com o cateto maior. Por isso, convém fatiá-la perpendicularmente a uma linha imaginária que sai da metade desse ângulo entre a hipotenusa e o maior cateto.
Pois bem, fatiei a peça assim e a pus a descansar imersa em molho de soja. Essa, talvez seja a melhor maneira de salgar uma carne para panela, sem usar sal e com a vantagem do leve sabor ao referido molho. Uma horita será suficiente.
Entretanto, piquei em pedaços bem pequenos duas cabeças de alho. Sim, é bastante alho, mas não resultará mal, que alho demais faz parte. Cortei em fatias bem fininhas um molho de cebolinha, também. Nada de cebolas, portanto.
Na caçarola, qualquer coisa de azeite, que isso vai de olho e não de peso, ou colheres. Quente o azeite, põe-se dentro o alho e a cebolinha, baixa-se o fogo e tampa-se a panela. Melhor que abrí-la para mexer é sacudí-la fechada.
A panela fechada hidrata o refogado com seus próprios vapores, mas convém ficar atento ao momento em que os alhos e cebolinhas començam a pregar-se ao fundo da panela. Nessa altura, sobe-se o fogo e despejam-se os cortes de picanha, sem o molho. Os pedaços já entrarão suficientemente molhados em seu próprio sangue e no molho de soja.
Os primeiros minutos são de panela aberta e fogo alto, que carne tem que tomar calor e soltar seus sucos e receber a invasão do alho desfeito em azeite fervente. Principalmente, a godura da picanha tem que tomar o choque do refogado quente.
Logo ao depois, baixa-se o fogo e tampa-se a panela, depois de virar os pedaços e mexer bem, para que alhos e cebolinhas impregnem tudo.
Isto não dura vinte e cinco minutos e serve-se com arroz e abacaxi em rodelas. No caso de hoje, como o tempo estava adequado, com um tinto alentejano barato por aqui, o que significa um tinto alentejano qualquer, vulgar, mas de seus 13º. Depois a certeza de que para cada inclinação um deus e para cada sono uma só coisa: a rede.