Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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O que vi no Peru. Por Ubiratan Câmara.

Um deserto e as surpreendentes linhas de Nazca

Sugestão inicial de Leila: era hora de conhecer as linhas de Nazca. Um passeio deveras cansativo – é verdade – mas definitivamente recomendável àqueles que não nutrem tendências suicidas ou homicidas, ao enfrentar longas viagens de ônibus; bem como aos capazes de suportar manobras bruscas de um pequeno avião.

Pois bem. Embarcamos em um ônibus, às 3 horas da manhã, em Lima. Oito horas depois, estávamos em nosso destino. Embora eu tenha uma absoluta facilidade para dormir em viagens, inclusive quando sou o condutor, despertei aos primeiros raios do sol e não mais repousei.

Quem está a imaginar que a viagem foi a redenção de todas as transgressões terrenas – algo parecido com Recife/Juazeiro do Norte, Expresso Guanabara – esqueça! Além do confortável ônibus, a perfeição da estrada não nos fez títeres de incorreções asfálticas.

O deserto ao sul do Peru é simplesmente impressionante, notadamente pela proximidade do pacífico. As imensas dunas de areia clara, cortadas apenas pelo tapete rodoviário, são muito bonitas. Do nada é possível extrair beleza, afinal.

Chocante são as dispersas, diminutas e pobres aglomerações habitacionais às margens da estrada. Não foi possível desvendar do que aquele povo sobrevivia. Eram conjuntos de quinze, não mais do que vinte, casas próximas; um bar, evidentemente; e muita propaganda de Keiko Fujimori.

Impressionante também é Ica! No meio do deserto, surge uma cidade cheia de contrastes, às margens do rio homônimo. Por um lado, condomínios verdes, condôminos brancos e caríssimos carros; por outro, índios em motonetas que transportam, além do motorista, duas pessoas em um banco traseiro improvisado.

O tempo não permitiu que conhecêssemos, por outro lado, o oásis de Ica, conhecido por Huacachina. Um pequeno povoado surgido às margens de um lago natural ainda no deserto.

Oásis de Huacachina

Chegamos em Nazca. Apesar de termos reservado, por telefone, o voo para o meio dia, esperamos três horas para embarcarmos na pequena aeronave, que, além do piloto e do copiloto, comportava quatro passageiros. Justificaram o descaso sob o argumento de que os outros dois passageiros se atrasaram. Infelizmente, por mais que retrucássemos, não tínhamos poder de barganha. Em favor deles, existiam 16 horas de viagem para um único propósito. Restava esperar…

Chegaram os outros dois passageiros. Dois garotos asiáticos, não mais de 24 anos de idade, aparentemente um casal, ambos com camisa de Michael Jackson. Nada simpáticos. Na verdade, qualquer gesto de cortesia dificilmente seria por nós interpretado, em virtude da espera que motivaram.

Hora do passeio. Devo confessar que hesitei, de imediato, quando observei o tamanho dos pneus do avião. Lembraram-me as rodas plásticas do meu triciclo da infância. Tive duas certezas: a gravidade triunfaria e a máxima popular “Pra descer todo Santo ajuda” não se aplicaria na situação.

Meios de transporte assemelhados na memória, segundo o autor

Diante do receio, Leila retrucou: “Se respeite, homem!” Era o momento ideal de demonstrar a estirpe viril de um implacável homem paraibano. “Me respeita, mulher! E eu sou menino?! Vamo simbora!”.

Decolamos, finalmente.

O piloto fazia questão de apresentar as linhas para os dois lados de janelas, para tanto manobrando bruscamente o teco-teco, enquanto o copiloto auxiliava na identificação dos geoglifos.

Cada identificação entusiasmava, notadamente a dos animais. Eu, particularmente, me surpreendi ainda mais com as imensas e perfeitas figuras geométricas rasgadas no solo, em regra, triângulos, trapézios e retângulos.

Ao pousarmos, conversamos sobre a origem das linhas. Acabamos por não nos convencer se foi obra do povo Nazca, de extraterrestres ou empreendimento turístico do governo peruano. Não importava. Tínhamos uma única certeza… compensou esperar.


O que vi no Peru. Por Ubiratan Câmara.

Um mercado, outra iguaria e a identidade de um povo.

De início, um sincero pedido de desculpas ao editor do blog. Problemas de conexão e algumas turbulências retardaram, em muito, a pontualidade dos textos.

Continuemos…

Ainda em Cusco, dispomos-nos a fazer rafting. Como desconheço algum termo em português que traduza a expressão, chamarei de insanidade, afinal, percorrer um arredio rio, sobre um bote inflável, ao alvedrio de frias correntezas, não me pareceu um sinal de inteligência. Fomos, mesmo assim, e gostamos muito do feito, pois vislumbramos belíssimas paisagens.

Para realizarmos a proeza, viajamos de carro, com mais dois guias, a um povoado próximo – que infelizmente não recordo o nome – onde tomamos café-da-manhã, em um mercado popular.


O mercado era muito parecido com as feiras livres que eu estava acostumado a visitar, geralmente, aos domingos, em Campina Grande. Tinha de tudo! Como fala um querido amigo, só não tinha o que estava faltando, o resto sobrava!

Tecidos, confecções, artesanato, especiarias, carne de variados tipos e curiosas espécies de milhos e batatas. Para mim, uma maravilha diante da diversidade desconhecida. Sequer hesitei ante o convite de um dos guias para experimentar outra iguaria… sopa de crânio de cordeiro.


Era um caldo ralo, picante, com pequenas batatas submersas e uma saborosa carne. Para nossa sorte, Leila – ao se deparar com parte da mandíbula do ovino em meu prato e diante dos primeiros indícios de náusea – foi caminhar pelo mercado e registrou as imagens que ilustram essas linhas.

Os frequentadores do mercado eram pessoas simples – pobres talvez, miseráveis jamais – em sua maioria agricultores e/ou pastores. Todos, sem exceção, silenciosos – ótimo sinal de educação – e gentis. Uma gentileza serena e sorridente, realçada por roupas coloridas. Gritaria não havia, caixas de som a estuprar tímpanos muito menos. Simpatia, afinal, não precisa vir acompanhada com barulho.


Retornamos a Cusco. Na cidade, além dos turistas, os índios se destacam. Todos os nossos guias eram cusquenhos, quéchuas conhecedores da história e orgulhosos do que foram e, principalmente, do que são. A estatura mediana, o formato triangular e as faces vermelhas são motivos de altivez, sem deselegância. E os cabelos?! Como são belos os cabelos daquele povo! Deixaria qualquer madame da avenida Paulista indignada com o brilho natural dos fios.

A identificação chama a atenção e conduz à lembrança de uma unidade cultural a que não pertencemos. Não pertencer não nos torna melhores ou piores, torna-nos apenas diferentes. O problema e o sinal maior de arrogância é desconhecer a identidade e se julgar cidadão do mundo, por fazer compras esporadicamente, em estabelecimentos sem tributação.

Uma jovem guia cusquenha falou com orgulho, mais uma vez, do seu povo. – Somos vencedores da altitude e da ganancia e, ainda por cima, somos belos. Esta cor e estas bochechas rosadas não se encontram em todo lugar, brincou. – Alguma pergunta? Alguma dúvida? Meu número de telefone?! Sou solteira, disse ela!

Arrancou, assim, o sorriso de todos e se despediu, alertando, subliminarmente, que precisamos conhecer quem somos, verdadeiramente.

O que vi no Peru. Por Ubiratan Câmara.

A cosmopolita Cusco.

Antes de partirmos para Cusco, permitam-me compartilhar que a vontade primeira de conhecer o Peru partiu de saudosos encontros, em Campina Grande, nos quais fatalmente, cedo ou tarde, bons amigos de sobriedade questionável cantarolavam, junto com Mercedes Sosa, Acercate Cholito. Começou daí meu fascínio pelo país.

Pois bem. De Lima, partimos para Cusco, pela Peruvian Airlines, fornecedora dos bilhetes mais baratos, comprados pouco antecipadamente, no Brasil. Viagem confortável, convém registrar, uma vez que o velho 737 preservou nossa integridade física, diferentemente dos novos que por aqui operam, equipados com seus ínfimos e violadores espaços entre as poltronas.

Vale mencionar, ainda, que – inobstante a brevidade do voo e o pouco valor pago, comparado com o preço dos bilhetes brasileiros, em semelhantes condições de procura – nos ofereceram um lanche bastante razoável. Não que comida em avião seja primordial, não o é. Paga-se pelo deslocamento, afinal. Mas, ter a impressão de não ser tratado como carga, e pagar menos por isso, é desconcertante.

Chegamos a Cusco, enfim. Do alto, não parece a cidade acolher população superior a trezentos mil habitantes, segundo as duvidosas informações das enciclopédias virtuais. Engano meu, a cidade não é pequena.

Embora temido, o soroche – indesejado efeito da altitude – não nos vitimou, em momento algum da viagem. Nem mesmo logo após a chegada, em que me aventurei de imediato no prato típico da região, o porquinho cuy, embora alertado de que não deveria exagerar na alimentação. Eu, que como tudo que voa, nada ou rasteja, devorei e aprovei a iguaria, sozinho, já que Leila sequer a tocou. Resistências gastronômicas femininas…

O Cuy

Hora de caminhar. Topografia acidentada, ruas estreitas e – embora a colonização hispânica tenha muito destruído – resquícios incas estão em todos os lugares. Destes, o que mais impressionou na cidade foi o templo dedicado ao sol, Qorikancha, que teve seu ouro levado pela ganância dos colonizadores, mas preservou a beleza e precisão dos imensos encaixes de pedras.

O Qorikancha

Do tempo colonial, armações de madeira e sacadas de entalhes delicados, além de lindas igrejas.

A Catedral de Cusco

Andando um pouco mais, modernos restaurantes e lojas, inúmeras agências de turismo e a razão de ser dos empreendimentos: muitos – mas muitos mesmo – turistas! De dar na canela, como falamos em Campina. Assediados a cada passo para conhecer algum sítio arqueológico, cambiar ou apreciar um artesanato.

Gente do mundo inteiro, notadamente europeus e asiáticos, com suas agressivas fotográficas, que fizeram meu presente de aniversário parecer a Rolleyflex de Tom Jobim. (Uma pausa, pois Leila rebate implacável e violentamente minha ingratidão).

Um tarde foi suficiente para aproveitar passeios incríveis nos arredores de Cusco. Ruínas imponentes, ousados sistemas hidráulicos e geladas mesas de pedra para mumificação retratam a habilidade dos antigos moradores. Esses incas eram uns cientistas mesmo. Risos.

À noite, foi a oportunidade para conhecermos alguns, dos muitos, bares da cidade. Pessoas de todos os lugares do planeta a se divertir e tomar porres de pisco, a cachaça dos peruanos. Com o avançar da hora e a sobriedade abalada, era hora de se recolher.

Dividimos um táxi com uma simpática jovem colombiana. Subitamente, recordei os amigos e comecei a cantarolar Acercate Cholito. A colega colombiana, de pronto e inusitadamente, acompanhou. Se o taxista gostou, eu não sei! Mas ele já devia estar acostumado com turistas cantores, de afinação duvidosa.

Despedimos-nos com risos e uma sensação curiosa de pertencimento…

O que vi no Peru. Por Ubiratan Câmara.

O caos e a ordem convivem em harmonia… Lima.


Lima é uma cidade feia, suja e desinteressante. Uma São Paulo piorada. Dois dias no máximo, pois não há o que se fazer lá. Este era o testemunho que obtive de algumas pessoas que haviam conhecido a capital Peruana há alguns anos. Imagino que algo mudou…

Ao sairmos do aeroporto, o caos mostrou a sua face. O trânsito é realmente caótico. A buzina é a consagração nacional. Uma loucura! Porém, o mais incrível é que não há agressividade nas pessoas, caso possam imaginar os mais adiantados.

Não presenciamos uma única expressão de inquietação, raiva ou impaciência dos motoristas, sejam nos táxis ou nos coletivos. Cruzam-se vias sem qualquer pudor, ultrapassam-se sinais vermelhos, interrompem-se cruzamentos, tudo orquestrado reiterada e harmoniosamente pelas buzinas. Violência – além da sonora – não há!

Superada a impressão inicial, estávamos na periferia de Callao, em direção a Lima, propriamente, quando algo nos chamou muitíssimo a atenção: apesar de estarmos em uma região pobre, não havia lixo nas ruas.Não havia um único saco de lixo esquecido nas ruas!

Afastada a sugestão de que os cientistas pré-hispânicos haviam criado dutos subterrâneos para incinerar seus detritos no centro do planeta, constatamos que o lixo era depositado e recolhido nas ruas durante a madrugada. Assim, mantinha-se limpa a cidade… toda ela, democraticamente!

Na cidade de Pizarro, bastava o clima – 17° C, sem precipitação – para causar apreço pela cidade, e afastar a lembrança do calor desconfortável e irritante do Recife. Mais do que isso, verdes parques e lindas praças surgiam de todos os lados em nossas expedições.

Prédios e monumentos históricos bonitos e conservados a impressionar e retratar a implacável colonização hispânica. Luminosas fontes a dançar em harmonia com as estações de Vivaldi e outras do gênero. Pessoas simpáticas e ótimo atendimento em todos os locais. Investimentos vigorosos na urbanização das margens do pacífico. Não faltam motivos, pois, para gostar da cidade, para se sentir bem.

Não posso esquecer o mais importante: poder andar pela cidade sem qualquer receio de violência, nem providenciar esconderijos genitais para pertences…sem medo, enfim. Banalidade tão evidente que desconhecemos e ainda pagamos caro por tudo.

Eis Lima, uma grande cidade, cosmopolita, onde o histórico convive em harmonia com o moderno, com muitos contrastes, é verdade, mas limpa e organizada… mais justa com os seus.

O que vi no Peru. Por Ubiratan Câmara.

Nossos queridos Bira e Leila viajaram ao Peru, agora há poucos dias, e voltaram encantados. Pedi a Bira que relatasse suas impressões sobre a viajem, se isso lhe aprouvesse, claro. Felizmente, o espirituoso e perspicaz amigo aceitou o convite e escreveu sobre o que viu, no Peru.

Esses textos devem compor uma pequena série de cinco ou mais episódios, a serem postados aqui, na Poção. Não fica estabelecida uma periodicidade certa; ficamos a depender de Bira!

Adiante, a abertura:

Do que se trata.

Recentemente, dispus-me a visitar o Peru, como meu primeiro destino além Brasil. Imperioso ressaltar, por oportuno, que a escolha foi impiedosa e tolamente criticada por muitos, afinal, algumas pessoas não conseguem identificar algo interessante na América do Sul além de Buenos Aires, um pouco de neve ainda nas terras de Maradona e a pátria de Neruda.

Os textos que surgirão, se assim os posso chamar, são, na verdade, despretensiosas impressões de um sujeito que jamais havia ultrapassado as fronteiras tupiniquins, pouco tempo permaneceu nos Andes, bem como desconhece os postulados de Durkheim. Não são análises, portanto.

Trata-se, apenas, da tentativa de compartilhar particulares impressões sobre um lugar incrível e fascinante…O Peru.