Ocorreu algo bárbaro, mas não propriamente raro nestas terras: uma revolta na penitenciária local, desencadeada pelas péssimas condições de encarceramento e por brigas de facções internas. A confusão acelerou-se a partir do momento em que decapitaram um preso e passaram a jogar com a cabeça separada do corpo.

As pessoas acham – bárbaras que são – que as penitenciárias devem ser cópias do inferno. Ignoram que o Estado tem poder de privar de liberdade, que é penalidade, mas não tem direito de privar de dignidade. A humilhação e a imposição de condições degradantes ainda não estão previstas legalmente como sanções penais, embora muitos queiram isso. Assim, é legítimo que os presos queiram condições adequadas.

Claro que a forma de reclamar é também bárbara, mas não seriam ouvidos de outra maneira e nem são mesmo com linguagem tão eloquente. O fato é que desencadeou-se onda de boatos e surto generalizado no vulgo de medo.

Um dos boatos, repercutido por gente que não aceitaria ser chamada de ignorante, dizia que os presos amotinados tinham fugido do presídio e rumavam para o centro da cidade, precisamente para o terminal de integração de transportes urbanos.

É algo muito estúpido até pelos largos padrões de tolerância que se tem de adotar recentemente. O vulgo não pensa antes de repetir algo. Ele age a projetar-se sobre o mundo, age diante do espelho. Ora, é difícil imaginar uma caravana de presos fugidos marchando para o centro da cidade para fazer um protesto! É o grau zero da racionalidade, porque presos fogem para se esconderem.

Mas o vulgo, principalmente o médio-classista que tem feito protesto gourmet contra governo que redistribui riquezas, acha que ele e um preso amotinado tem as mesmas preocupações e anseios. O sujeito estreitou-se a ponto de conceber o mundo à sua total semelhança e fica incapaz de pensar.

Esse estado de ânimo revela campo fértil para a semeadoura do medo, para o alastramento da cultura da repressão, de que a violência decorre da falta de violência. As pessoas repetem acriticamente que tem havido aumento significativo da violência, o que não é verdade. Se não houve recuo, não houve aumento. Basta um pouco de memória para aqueles que passam dos quarenta anos de idade para constata-lo.

Ganham com isso apenas os agentes do aparato de segurança, o que sempre ganham com o medo e a violência. A sociedade nada ganha, porque se pancada resolvesse violência, o Brasil era o país mais pacífico do mundo, tanto já se deu pancada, tiros, torturou-se, tudo à margem da lei e à discrição de selvagens investidos em poderes policiais.

Na esteira dessa cultura do medo histérico, pre-condição para um estado policialesco e de exceção, vem o habitual discurso por redução de maioridade penal e por pena de morte. Duas coisas que já existem, todavia! No Brasil, a maioridade penal do pobres pretos ou mulatos inicia-se no nascimento. Pena de morte é praticada todos os dias pela polícia, sem julgamentos…