Júpiter enlouquece primeiro aqueles a quem quer perder.
Supostamente Eurípedes.
As Luzes, no século XVIII, tiveram a extravagante pretensão de ter expurgado do âmbito legítimo de cogitações a metafísica. Alguns, menos audaciosamente, pretendiam tê-la mantido no seu lugar próprio, na zona localizada entre o mito e a fé. De qualquer forma, a ela não era mais dado postular o lugar sagrado agora ocupado pela ciência.
O que aconteceu, desde então, parece ter sido precisamente o inverso, contudo. A Metafísica desceu dos céus e instalou-se confortável entre os homens. Passou a inspirar-lhes as ações mais cotidianas, a impregnar todos os juízos, mesmo os mais supostamente epistemológicos.
A ciência não passa de uma religião, tamanha a carga axiomática que carrega nos pressupostos a partir de que as teses supostamente neutras são desenvolvidas. A economia, esta principalmente, é um credo permeado por equações matemáticas a serviço de conclusões desejadas previamente.
Quem apontou algo interessantíssimo a aclarar a presença entre nós da metafísica – aquela que teria sido sepultada pelas luzes – foi Carlos Marx, ao tratar o fetiche da mercadoria. Esse fetichismo não poderia surgir de outra coisa senão da impregnação metafísica no cotidiano. Não é apenas resultante de um processo consciente e muito ordenado para apropriação capitalista.
Ou, melhor dizendo, um tal projeto, concebido à semelhança do que hoje chama-se marketing de massas, não teria tamanho êxito se o terreno não fosse antes fértil. Ele é fértil, ou assim foi tornado, exatamente pela incorporação da metafísica a quase tudo que move as pessoas.
O fetiche é antes de tudo o estado da ausência de razão, de razão entendida mais sob o aspecto utilitário. Nisso diverge um pouco da metafísica, que é por demais utilitária, mas convergem na ausência de razão. Nessa convergência encontra-se uma quase sinonímia entre os termos.
A metafísica no cotidiano forneceu a base segura da fetichização da mercadoria, pois a valoração para além do uso e a partir de balizas míticas ou simplesmente inexistentes somente pode amparar-se numa crença. Capitalismo acumulador e crença são, portanto, inseparáveis…