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Mensalão: a ruína de uma farsa.

Um tribunal de segunda instância de Bolonha desnudou completamente uma farsa judiciário-mediática que comoveu a pequena burguesia brasileira por três anos. Arrisco-me a afirmar ter sido a maior de todas, a mais perversa, a mais celebrada farsa com finalidades políticas já produzida no Brasil.

Um dos réus da ação penal 470 – o tal mensalão – foi absolutamente genial: Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil. Ele é cidadão italiano, além de brasileiro, e escapou do linchamento judiciário para a Itália, lá entrando com o passaporte do falecido irmão. Creio que cometeu este pequeno ilícito propositalmente, o que demanda julgamento dele lá.

O interessante é que os partícipes da farsa insistiram para o Estado brasileiro pedir a extradição de Pizzolato, para cumprir a pena que se lhe impôs no juízo de exceção patrocinado pelo supremo tribunal federal. Melhor, para quem queria que a coisa se mantivesse com a aura de restauração da bondade, era não ter feito isso…

O pedido de extradição de um nacional demanda apreciação judicial dos aspectos formais do processo criminal no outro país. Não implica, é verdade, que se entre no mérito do julgamento, desde que se trate de crimes previstos nos dois países. Todavia, verificar a regularidade formal do julgamento foi o que bastou para negarem a extradição de Pizzolato, porque muitas e muito básicas garantias fundamentais foram violadas na farsa.

Verificou-se o que muitos diziam, mas poucos acreditavam, porque a imprensa bombardeou o público diariamente com a noção de que se praticava o maior ato de justiça da história do Brasil. Criou uma comoção moralista que arrastou a classe média a delírios fremitosos de satisfação com o linchamento que se chama julgamento.

O tribunal de Bolonha observou que: não houve duplo grau de jurisdição; houve ocultação de provas favoráveis ao réu, mantidas sigilosas em inquérito paralelo.

São duas violações gravíssimas, a revelarem a aberração que é o estado mental das pessoas que tiveram a idéia e a levaram adiante. Qualquer encenação em que se suprima o duplo grau e se escondam provas favoráveis aos réus é tudo, menos um julgamento.

Esta farsa foi montada visando a dois objetivos principais: primeiramente, afastar o valoroso José Dirceu da vida pública, encarcerando-o e privando-o de direitos políticos injustamente; o segundo, criar um escândalo de grandes proporções e alto conteúdo dramático, a ser explorado pela mafiosa imprensa brasileira contra o governo atual.

Inicialmente, os dois objetivos pareceram plenamente atingidos. Mas, o fascismo moralizante despertado com o linchamento não foi suficiente para evitar a vitória da Presidente Dilma nas recentes eleições, o que era o grande fim visado.

Terrível, nisto tudo, é perceber o nível de vale-tudo a que chegou a parcela fascista da direita brasileira, que serviu-se da imprensa e do maior tribunal do pais para encenar uma farsa imensa, mesmo que isso levasse, depois, ao descrédito dessas instituições, ao menos nas pessoas mais informadas e capazes de pensarem com as próprias cabeça.

José Dirceu: preso político duas vezes.

Acontece a José Dirceu a raridade de ter sido preso político na ditadura e estar em vias de novamente sê-lo, na aparente democracia regida pelo direito. É provável que na próxima semana seja realizada sua prisão, com algemas, equipes da TV Globo, fotógrafos dos jornais, toda a dramaticidade de uma degradação pública de alguém profundamente corajoso.

Isso resulta de uma farsa montada no tribunal mais alto do sistema judicial brasileiro. Algo tão burlesco que permite concluir que os juízes não erraram tecnicamente, mas fizeram deliberadamente algo que pode ter inúmeros nomes, exceto julgamento.

Uns juízes aparentam certa loucura, misturada com superficialidade e volubilidade; outros são conservadores de antiga fé, daqueles que dão a volta à casa armados, à noite, antes de deitar-se, à procura de algum comunista escondido nos jardins. Há deles tão vaidosos que estão continuamente a serviço de certa imprensa, que os adquire com espaços para dizer barbaridades em entrevistas, muito à vontade e sobre o assunto que quiserem. Por fim, há os covardes.

A imprensa dita grande – Globo, Folha de São Paulo e revista Veja – incumbiu o tribunal constitucional da missão de expurgar pessoas como José Dirceu, mesmo que isso implicasse a montagem de uma farsa tão ampla que levasse junto mais gente também inocente. E eles gostaram da incumbência e chegaram a exceder-se, principalmente pela ferocidade inquisidora e pela mendacidade do acusador-geral.

A coleção de violações às leis perpetradas nesse julgamento de fancaria é muito extensa e convém mencionar as principais. O último tribunal do sistema judicial só é juiz natural em matéria criminal para quem detém mandatos federais. Assim, o stf era absolutamente incompetente para iniciar julgamento criminnal de José Dirceu, por exemplo, que não era mais deputado federal.

Provas a favor dos réus foram suprimidas e ocultadas por meio de desmembramento de inquéritos e determinação de sigilo sobre os que evidenciavam não haver dinheiros públicos envolvidos. Realmente, o maior tribunal do pais encontrou o crime de peculato com dinheiro privado, algo que vai além do simples e corriqueiro desprezo pela lei, o que é comum nos juízes brasileiros.

O peculato é desvio e apropriação de dinheiro público e os famosos recursos pertenciam a um fundo privado da empresa VISANET. Para tornar as coisas mais absurdas, os serviços contratados foram prestados.

O presidente do tribunal esforçou-se para oferecer aos que o puseram em evidência mediática messiânica o máximo possível em linchamento bem ao gosto da pequena-burguesia, ou seja, sangue e humilhação como veículos de expiação moral. Para obter mais efeitos dramáticos foi necessário dar mais uma volta no parafuso das violações a direitos e garantias e fatiar – a expressão é do juiz – o julgamento por supostos crimes e julga-los em blocos.

Nunca o judicial brasileiro – pródigo em desprezo seletivo pela legislação e em subserviência aos interesses mais conservadores – produzira com tanta presa farsa tão digna de vaudeville. O nível caiu bastante, o que revela o grau de apoio da imprensa e o grau de desprezo pelo público razoavelmente alfabetizado, que rapidamente percebeu tratar-se de nada mais que um juízo de exceção em que os réus já entraram condenados.

Os juízes passaram a ficar à vontade demais, como se todo o país se compusesse de leitores da revista veja e perpetraram a imensa coleção de profanações à legislação sem preocupar-se com as aparências, com suas biografias, com nada, enfim. Chegaram ao grau zero de honra, porque não é razoável que tenham feito isso por ignorância formal.

Dois clowns togados sacaram dos bolsos um nome mágico: teoria do domínio do fato. Essa muleta serviu para fazer o que é absolutamente proibido no processo criminal: condenar sem provas. Mas, um dos pais da teoria, o alemão Roxin, veio a público dizer com todas as palavras que não se tratava de algo a permitir condenação criminal sem provas, como equivocadamente queriam os tradutores nacionais. E eles não coraram, não silenciaram e fizeram de conta que não tinham sido expostos ao ridículo.

Não há, nos autos da farsa, qualquer prova de pagamentos a parlamentares para votarem desta ou daquela forma, feitos com dinheiros públicos e de maneira sistemática e continuada. Ou seja, não há provas de corrupção ativa nem passiva, de peculato, nem de formação de quadrilha. Nada obstante, uma juíza disse com todas as palavras que embora não houvesse provas ela condenaria porque afinal ela podia fazer isso.

Novamente, estanco um pouco para insistir num ponto: o nível da farsa, o à vontade com que se perpetrou a coleção de violações, revelam bem a total falta de limites que inspira juízes amparados na imprensa e o total desprezo pelo público, porque têm a certeza de que é integralmente constituído de imbecis, o que é falso, porque 05% da população não é imbecil.

A primeira prisão de José Dirceu terá sido menos infamante para os mandantes que está segunda. A ditadura era menos farsesca que este tribunal ansioso por dar roupagem jurídica a um juízo de exceção de réus previamente condenados. Convém que Dirceu faça o mesmo gesto de quando estava prestes a embarcar para o exílio: exiba as algemas, altivamente.

A direita alfabetizada rejeita a teoria jiu-jitsu do direito.

A ação penal 470, que atende pelo nome vulgar mensalão, pôs em cena violações a princípios jurídicos básicos: liquidou a presunção de inocência, liquidou a necessidade de lei penal anterior, liquidou o duplo grau de jurisdição e liquidou o princípio do juiz natural.

Estas violações abertas foram praticadas pelo tribunal mais elevado do país, o que revela a que ponto se queria e quer promover o expurgo político de alguns, mesmo que isso implique o expurgo de todo o direito e da suposta respeitabilidade intelectual dos juízes do tribunal.

Isso foi possível porque a imprensa televisiva, três grandes jornais diários e uma revista semanal incitaram a condenação sem provas por meio de bombardeio incessante que levou parte do público a esquecer-se de que todos são inocentes até provas em contrário.

Essa parte do público convencida da culpabilidade sem provas divide-se em partes menores. Uma delas constitui o terreno fértil para semeadura de qualquer proposta de juízo de exceção de quantos tenham trabalhado por uma melhor distribuição de rendas e por menos subserviência a interesses externos.

Outra parte dos que se convenceram da culpabilidade sem provas compõe-se das pessoas que precisam ser constantemente estimuladas pela imprensa, em clima de emergência e de escândalo. Esses arrefecem os ânimos linchadores se os estímulos cessarem.

Ocorreu, todavia, algo auspicioso, recentemente. O tribunal que encena o juízo de exceção reduziu um pouco a coleção de aberrações jurídicas que havia perpetrado e afastou uma delas: a supressão do duplo grau de jurisdição. Isto deu-se por meio de uma obviedade, que foi a aceitação de um recurso a dar aos condenados o direito à revisão do julgamento, algo a que todos têm direito.

Foi o que bastou para o pessoal do linchamento indignar-se, embora a reação fosse ela própria uma aberração, na medida em que o duplo grau é garantia constitucional que nunca se pôs em questão e fora suprimida pela primeira vez no país, sob os aplausos enfáticos de uma imprensa pueril, analfabeta e partidária.

À reação furiosa contra o puro e simples respeito a princípio jurídico antiquíssimo sobreveio algo surpreendente: dois juristas respeitados, ideologicamente de direita, insuspeitos de amizade com os réus do processo, proclamaram que houvera nada mais que condenação criminal sem provas, o que é inadmissível.

O que muitos diziam desde o princípio foi dito por pessoas alinhadas ideologicamente aos que promoveram e festejaram o expurgo político disfarçado em processo jurídico. Evidentemente que chama atenção não terem denunciado a farsa e as violações evidentes ao direito antes.

Esses dois juristas deram sinal importantíssimo de que ainda há direitistas bem educados, que receiam a subversão total do Estado de Direito e a celebração festiva e acrítica de julgamentos de exceção violadores de garantias obviamente abrigadas na constituição federal.

Que haja quem perceba a hora de cessar a espiral do linchamento é fundamental para que não seja inevitável desaguar-se no golpe e no rompimento total, ou seja, para afastar-se a lógica do tudo ou nada, tão cara aos irresponsáveis da imprensa que incensam a histeria nas camadas médias já propícias à superficialidade, à bipolaridade e à esquizofrenia.

Os mencionados direitistas alfabetizados perceberam que usar os tribunais assim de maneira a violar tão abertamente as garantias básicas, com o propósito de expurgo político seletivo, é demasiado arriscado. Realmente, esse tipo de conduta assemelha-se às guerras, que se sabe como começam, mas não como terminam.

É muito menos arriscado manter as regras jurídicas em sua aparência de isonomia e não levar os tribunais a operadores de expurgos políticos, que violar abertamente as normas mais básicas a bem de um clamor de moralismo histérico produzido sistematicamente por parte da imprensa.

Juiz Joaquim Barbosa perpetra mais uma aberração.

O juiz do stf Joaquim Barbosa, na sua fúria persecutória aos réus da ação penal 470, dá mais uma volta no parafuso das aberrações jurídicas da perseguição seletiva: manda cassar os passaportes dos réus, que ainda não foram condenados por decisão transitada em julgado.

A medida não tem amparo legal. Foi adotada algumas vezes, a partir da aberrante atuação legislativa de um tribunal que não foi eleito para legislar, quando verificou-se risco real e iminente de fuga de algum processado. Ainda nesses casos, foi ilegal e adotou-se erroneamente como substituta da correta prisão cautelar, que era o cabível.

Quem pode cassar passaportes, no Brasil, é o Ministério da Justiça, órgão do Poder Executivo; nunca o poder judiciário, que não é competente para dar, negar, ou cassar tais documentos.  A cassação de passaportes não se inclui entre as penas previstas na legislação penal brasileira.

A medida revela um juiz com espírito de cruzado e total desprezo pelas leis; certo de possuir alguma condição divina, portanto.

Além disso, é praticamente inútil. Os países do Mercosul não exigem dos nacionais dos estados integrantes passaporte para o ingresso de nacionais. Ou seja, um brasileiro réu na ação penal 470 pode, mesmo com o passaporte cassado ilegalmente pelo juiz, ingressar no Uruguai, por exemplo.

E, lá pode pedir asilo por perseguição política disfarçada em processo judicial, já que este não atendeu às garantias que a constituição brasileira prevê. Seria interessantíssimo que alguém fizesse isso, pois a concessão do asilo político implica o reconhecimento por um Estado soberano das violações sofridas pelo asilado no seu país de origem.

Marcos Valério na Rua Toneleros. Pequena parte 1.

A única coisa a que o capital esteve ameaçado, no Brasil, foi a dividir um pouco menos selvagenmente seus ganhos. Pouquinho menos selvática divisão e permanência de ganhos no país, isso foi tudo quanto bastou para sentir-se ameaçado e partir para golpes de Estado.

Os golpes foram atentados à mais elementar lógica. Sempre se deram a bem da democracia, suprimindo-a. Puríssima lógica do Estado de exceção esteve e está por trás do golpismo brasileiro. Não repitirei detalhadamente pela milésima vez o exemplo de Lacerda e Castelo, mas devo lembrá-lo.

Incapaz de ganhar a presidência nas urnas, Lacerda foi o golpista mais tenaz desde 1950 até 1964. Fez Getúlio suicidar-se, fez o hábil Juscelino servir-se de Lott, fez o honrado Jango servir-se de seu medo de provocar a guerra civil.

Fez, enfim, Costa e Silva presidente da república e fez sua própria cassação vir à realidade. Carlos Lacerda percebeu que o golpe seria uma ditadura tão rapidamente quanto Jango e Juscelino o perceberam. A diferença era que ele tinha estimulado o golpe e Juscelino apenas aceitado, satisfeito por poder concorrer em 1965. A estas alturas, Jango apenas sofria a depressão do exílio uruguaio.

Lacerda foi cassado por aqueles que ajudou a dar o golpe. Dez anos antes, ele era mais inventivo; levou Getúlio Vargas ao suicídio por meio de acusações inverossímeis, na esteira de uma campanha moralista.O episódio da Rua Toneleros – cheio de nuvens – é de se lembrar, porque esta infâmia levou Getúlio à morte.

Um atentado estranhíssimo resultou na morte do major Rubens Vaz e no ferimento de Carlos Lacerda no pé. Os homens estavam juntos, mas um foi morto com tiros no tórax e outro foi ferido com tiro no pé. Particularmente, creio que Lacerda daria um pé pelo poder…

Envolver Getúlio era a finalidade principal. A versão oficial, construída pela imprensa, dava conta da vontade de Getúlio, por meio de Fortunato, seu chefe de segurança. Nunca houve provas disso, mas provas eram o menos neessário, como hoje.