Lê-se, hoje, no Jornal da Paraíba, na coluna de um jornalista, uma nota que é um instantâneo do modelo de sociedade que criamos: excludente e consagradora da igualdade relativa.

A nota, que começa com um lugar-comum tolo de latinice jurídica, permissa vênia, está escrita em tom de opinião. O jornalista diz que pessoalmente entende que as punições ao médico que cobrava ilegalmente por atendimentos pagos pelo Estado não devia estar preso em uma cela comum de presídio, que isso é punição muito rigorosa.

Os lugares-comuns e a redundância de falar-se em entendimento pessoal não importam aqui. Importam a afirmação de excesso de rigor, de falta de necessidade de prender-se o médico em cela comum e, principalmente, o que vem no segundo parágrafo da nota.

No segundo parágrafo, tudo está claro. O jornalista sugere que, para a sociedade, são mais interessantes punições de natureza pecuniária. Subjacente a essa noção está a lógica da igualdade relativa e da inflexibilidade social.

Significa que pessoas não-comuns – médicos, por exemplo – não podem ser presos em celas comuns. Significa, na verdade, que pessoas não-comuns não devem ser presas e, sim, pagar em dinheiro quando apanhadas a delinquir.

Ou seja, devem ser estabelecidos níveis diferentes de punições, segundo as posses das pessoas, e quem não tem dinheiro é punido com a perda da liberdade, ao passo que os possuidores são punidos com pagamentos. É a teoria da punição censitária, suprema afronta ao princípio de igualdade.

Para não parecer a defesa da desigualdade, pura e simplesmente, os propagadores disso inserem nos seus discursos o elemento eficácia. Dizem que a punição em dinheiro é mais eficaz para quem tem dinheiro para suportá-la. Na verdade, ocorre precisamente o contrário, porque quem tem dinheiro teme menos a punição incidente sobre o que tem.

Todos, sem exceção temem mais a reclusão, a privação de liberdade. Assim, sendo a reclusão a represália estatal mais temida, é também a mais eficaz do ponto de vista da prevenção, evidentemente.

O discurso é de uma fragilidade conceitual escandalosa, um sofisma mal-disfarçado, mas sempre se insiste nele e com êxito, pois fica a parecer sutileza intelectual e refinamento. Não passa do suporte intelectual mal desenhado da exclusão e da diferença ,que mantém classes de pessoas absolutamente distintas nesse país, embora as leis, os papéis, isso que nada vale, afirmem o contrário.

Para desmistificar simplesmente essa tese da eficácia das penas pecuniárias para os mais ricos, consideremos o seguinte:

um fulano tem 1 milhão de reais, no banco; uma conduta é considerada ilícita e a lei prevê para ela o pagamento de 100 mil reais de pena; a mesma conduta considerada ilícita agora resulta em reclusão de cinco anos. De qual das penas o fulano terá mais receio? Qual delas será mais eficaz para demovê-lo da conduta ilícita? A que está ao alcance dele ou aquela que não se resolve com dinheiro? É simples…