Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Nova política é direitismo messiânico.

Tudo que recorre aos adjetivos novo e moderno, como qualificação positiva, leva-me à desconfiança. Identificar o novo ao melhor é uma maneira de raciocinar na fraude, porque não há relação de necessidade entre o novo e o melhor. Isto é somente a indução discursiva para massas.

O novo é algo constante, porque o presente inexiste, na medida que é sempre superado. A novidade pode ser o mesmo, pode ser diferente, pode ser melhor ou pior, a depender de para quem se o considere. Ou seja, dizer novo como sinônimo de melhor é apenas desonestidade intelectual de propaganda, com base na sinonímia fraudulenta.

Hoje, no Brasil, uma postulação à Presidência da República ampara-se neste discurso: a de Marina Silva. Houve dois casos relativamente semelhantes, coisa que muitos estão apontando com propriedade: os de Jânio Quadros e Fernando Collor. Ambos tinham o discurso centrado na novidade de cunho moralizante e na proposta de supressão das mediações institucionais.

O caso atual, assim como os dois paradigmáticos antecedentes, filia-se à ideologia direitista, ou seja, creem na igualdade natural como igualdade social e de oportunidades, no mérito e na naturalidade das desigualdades e professam um aberto entreguismo. Propõem um modelo que aprofundará as desigualdades sabe-se lá até onde, porque não há limites para isso.

Interessante no direitismo messiânico é que ele leva ao paroxismo a incoerência ou, melhor dizendo, ele serve-se dum discurso que disfarça muito bem as intenções. Ele propõe a supressão dos canais de intermediação institucional, notadamente as que se fazem pelas corporações estatais. Propõe a ligação direta, como se se buscasse a chefia do Estado e do Governo para purgar a sociedade destas instâncias públicas.

Daí que é permeado de ligações com as famosas organizações não-governamentais – repletas de boas intenções – e impregnado de convites à sustentabilidade e ao socialmente responsável, embora estas coisas sejam impossíveis de se definirem.

A velha direita não pode propor ao sujeito comum sua desgraça, claramente. Estar impedida de fazer esta proposta impede-a de leva-la a cabo integralmente, também. Há um comprometimento vasto com os canais institucionais, não se oferece a supressão dos intermediários, nem a demonização irrestrita do Estado e de seus funcionários. Na verdade, a proposta da velha direita fala diretamente às porções altas da classe média, porque lhes oferece boas oportunidades de ampliação da predação direta do Estado, na forma de cargos, basicamente.

A nova direita messiânica tem um desenho quase anarquista. Uma figura ungida será posta no comando e todo o resto será desmantelado, esta é a idéia por trás de tudo. É interessantíssimo que este despudor seduza o pessoal habituado à velha apropriação do Estado ao nível de empregos, ou seja, é notável que a classe média deixe-se seduzir pela idéia messiânica de Marina Silva.

 

Precisamos do Grande Juliano. Ou, não precisamos de ativismo religioso na política.

Minha única fonte é eruditíssima e bem escrevente: Gore Vidal. Inclusive, aproveito a oportunidade para sugerir a quantos gostem de boa literatura esse magnífico romance histórico: Juliano.

O Imperador cresceu em meio a padres e monges ortodoxos e teve grande ocasião de observar-lhes as intrigas e, inclusive os constantes assassinatos a que se entregavam mutuamente as correntes divergentes do cristianismo triunfante. Foi educado no cristianismo que, a partir de Constatino, não viu mais restrições para conquistar as almas das pessoas e os postos da burocracia imperial.

Juliano voltou-se ao paganismo, até de forma mística, ele que era um iniciado nos mistérios greco-egípcios. Tentou defender o paganismo da extinção e das perseguições violentas dos cristão, que, quando não tornavam templos em igrejas, simplesmente punham-nos abaixo.

Pelos cristão – a quem chamava galileus – nutria algo como um desprezo estóico, mas não tomou atitudes contra eles, não os perseguiu. Parece que sentia repugnância por perseguições e dogmatismos mesquinhos. Trabalhou na reconstrução de vários templos, alguns deles jóias arquitetônicas então em ruínas.

Cercou-se de filósofos e místicos o que foi até motivo de chacota, com relação a místicos como Máximo. Não laborou para impor o paganismo, nem para destruir o cristianismo, apenas para que fosse possível a alguém cultivar suas crenças e não apenas uma só crença autorizada.

Ou seja, Juliano não instilou a religião na administração do Estado, embora não escondesse a sua própria. Nesse sentido, foi um exemplo de magnanimidade e laicismo raríssimo, notadamente em contraste à intolerância cristã que se percebia por toda parte e em todas as inúmeras intrigas que permeavam a igreja e a burocracia.

Claro que isso daria errado e que esse filósofo, estóico, místico e grande soldado iria perecer. O preconceito, a mesquinhez e o dogmatismo reunem as melhores condições para triunfar, quase sempre. Juliano foi assassinado em combate, ao que tudo indica lancetado no abdome por um soldado galileu ressentido, de suas próprias legiões.

Recentemente, a grande jogada eleitoral que foi a candidatura de Marina Silva, a partir de uma plataforma vazia, de suposto ecologismo, revelou um aspecto perturbador, subjacente à enorme votação que ela teve. Marina é cristã reformada neo-pentecostal. E ela obteve, evidentemente, uma expressiva votação de motivação religiosa, na esteira daquela lógica que se explica muito bem pelo lugar-comum crente vota em crente.

É claro que nas condições temporais, espaciais, sociais, econômicas, políticas e institucionais que temos, isso é uma tremenda estupidez. Porque a fanatização religiosa não cumpre nenhum grande papel histórico, não é elemento catalisador de forças para uma cruzada contra infiéis que estejam a ameaçar-nos do outro lado de alguma fronteira.

Na verdade, é a perda da ocasião de aumentar-se o nível de politização da sociedade, o que é desejável porque política é opção pública. Sendo o Estado laico, não é de mínima importância que um candidato seja crente ou descrente e é a consagração da falta de critérios votar-se porque alguém segue ou afirma seguir as mesmas regras que supostamente devem dirigir as relações humanas com alguma divindade.

Importante é que se discuta para onde irão os dinheiros públicos, o que fará o poder público, o que ele permitirá, incentivará ou proibirá. Quanto ele se endividará e para quê. Como ele assegurará a subsistência das pessoas na velhice. Como ele cumprirá suas obrigações constitucionais de prover saúde e educação.

Ora, a inserção da identidade religiosa no debate político é um risco que estão a assumir para lograr efeitos imediatos. Uma estratégia de despolitização e imbecilização perigosíssima a longo prazo.

O estelionato verde deu resultados. Eleições presidenciais no segundo turno.

A candidata Marina Silva fez por José Serra precisamente o que os estrategistas dele pensaram: evitou a vitória de Dilma Roussef no primeiro turno das eleições. Inteligentemente, os meios de comunicação a serviço de José Serra investiram na candidatura eco-farsante, que atingiu quase 20% dos votos válidos e possibilitou que Serra, com votação à volta de 32%, fosse à segunda volta.

Dilma deve vencer, afinal, ainda que os votos de Marina dividam-se ao meio. Não creio, todavia, que a divisão seja nessa proporção. Uma parcela dos eleitores de Marina apoiou-a por vergonha de serem claramente udenistas e votarem em Serra. Agora, essa vergonha está ultrapassada.

Uma parcela maior será mais dificilmente cooptada pelas hostes udenistas, mesmo que Marina declare apoio formal a Serra, o que é provável ocorrer. Ela não ignora o papel que desempenhou e as gratidões que deve ter. Mas, é um pouco complicado para os eleitores dela compreenderem uma postura frontalmente contrária ao lado em que esteve até há bem pouco.

Marina terá que apostar tudo em Serra, porque, do contrário, esvai-se sua densidade eleitoral rapidamente, posto que construída com mais que seu discurso vazio, baseado em uma aparente sofisticação que consiste em quase nada. Na verdade, esse forte desempenho deve-se mais ao forte apoio mediático e isso perde-se tão rápido como se conquista, quando é instrumental.

Não parece que os eleitores de Marina que se podem dizer convictos tenham saudades do modelo fernandino que Serra representa. Daí, esses votos assemelham-se mais aos de Dilma que aos de Serra. Claro que a obtenção de mais vinte dias para bombardeio mediático incessante vão dar esperanças ao neo-udenismo.

Mas, convém observar o quadro total das eleições. Os maiores representantes do modelo neo-udenista foram extirpados nessas eleições, o que é bastante significativo.

O ex-senador mais agressivamente contrário a Lula – um indivíduo que nunca recuou do arrogante e do descortês – está sem mandato, porque o povo do Ceará não o quis reeleger.

Um dos mais agressivos e certamente o mais patético dos ex-senadores contrários ao Presidente – um indivíduo que chegou a dizer que daria uma surra no Lula – não deve eleger-se, porque os amazonenses não o quiseram mais.

O arenista mais longevo do país, um ex-senador e ex-vice-presidente da república – discreto e não merecedor de acusações de agressividade ou descortesia – foi rejeitado pelo povo pernambucano de forma muito eloquente.

Um ex-senador, herdeiro do homem mais truculento dos últimos 40 anos de história política do Brasil, foi rejeitado maciçamente na Bahia.

O líder maior do único partido com ligação histórica direta com a última ditadura militar – partido que tem a vantagem de ser declaradamente direitista – e que se supunha crítico mordaz do governo de Lula, foi rejeitado pelo eleitorado do Rio de Janeiro.

O farsante pseudo-intelectual verde que disputou a eleição para o governo do Rio de Janeiro amargou uma derrota por diferença maior que quarenta por cento dos votos daquele Estado.

Esse quadro permite ver que a segunda volta é uma eleição mais nacional do que o segregacionista José Serra gostaria que fosse. O novo líder das oposições no país será o razoável Senador Aécio Neves, um homem – aqui o lugar comum é inevitável – que tem as virtudes mineiras. Ele sabe que o Brasil não é São Paulo apenas.

Os apoios de José Serra para o segundo turno serão os de sempre. Uma ou duas revistas semanais, três jornais e algumas TVs, o que é muito. Mas, os votos são das pessoas.