Uma entrevista objetiva de um cientista que foi um dos próceres dos ecologistas. O homem trata com evidências e obviedades, para concluir o óbvio: não há melhores alternativas para um planeta com tanta gente. A resposta à pergunta sobre o lixo nuclear – ponto central da rejeição ecotola – está destacada em negrito.
Por que usar energia nuclear e não outras formas tidas como ecologicamente corretas, como a eólica e a solar?
Seria ótimo se pudéssemos contar somente com essas fontes de energia, mas elas não satisfazem nossas necessidades. Se houvesse 1 bilhão de pessoas no mundo, bastaria usar as energias solar, eólica, hidrelétrica e uma quantidade modesta vinda da queima de madeira. Mas já somos mais de 6 bilhões e a população continua aumentando. A energia nuclear é limpa e não provoca aquecimento. Uma estação pode ser construída em três anos. É também uma fonte de energia altamente disponível, não está acabando nem ficando mais cara, como o petróleo.
Um desastre como o de Chernobyl, na União Soviética, não seria suficiente para banir as usinas nucleares?
Há muita mentira em torno desse assunto. De acordo com informes da ONU, houve 45 mortos em conseqüência da explosão do reator em Chernobyl. Quase todos eram trabalhadores da usina, bombeiros e integrantes das equipes que sobrevoaram o fogo para apagá-lo. Os 45 morreram principalmente devido à radiação recebida pelo reator aberto e pelos escombros altamente radioativos que se espalharam ao redor dele. Aqueles que moravam perto da usina foram expostos à radiação, mas continuam vivos. É verdade que alguns podem morrer antes do esperado com cânceres provocados por radiação, mas lembre-se: em 1952, 5 mil pessoas morreram em Londres, num único dia, envenenadas por fumaça de carvão. Estima-se que centenas de milhares morreram desde então em decorrência de câncer do pulmão causado pela inalação de substâncias cancerígenas na fumaça. Mas a mídia não fala da queima de carvão como causa massiva de tumores.
Por que, então, há tanta oposição ao uso da energia nuclear?
As pessoas sempre têm medo de algo. Antes, eram fantasmas e vampiros. Hoje, energia nuclear. A oposição baseia-se numa ficção hollywoodiana, na mídia e em lobbies do movimento verde.
Você sempre foi considerado um guru dos ecologistas e agora não perde uma oportunidade para criticá-los. Qual é o motivo desse desentendimento?
Os verdes são importantes, mas estão errados. Eles se preocupam com as pessoas e esquecem da saúde da Terra. Não percebem que somos parte do planeta e dependemos dele. Eu mesmo sou um verde, mas tento mostrar que estão errados sobre energia nuclear.
Ao quebrar átomos, as usinas nucleares não alteram o equilíbrio de Gaia?
Ao contrário. Se você olhar para o Universo, verá que sua energia natural é nuclear. Toda estrela é uma estação nuclear, inclusive o Sol. O único método anômalo de obtenção de energia é a queima de combustíveis aqui na Terra. É muito mais natural usar energia nuclear do que queimar carvão e mandar gás carbônico para a atmosfera.
Você pede o fim da queima de óleo e carvão. Mas muitos países, como o Brasil, têm na água a maior fonte de energia. Como a troca que você propõe mudará um quadro com tantas variáveis?
Concordo que diferentes países terão soluções distintas para o problema. Mas, no momento, usar energia nuclear é a saída mais acessível e realista para o aquecimento global. Estados Unidos, China e Europa precisam cortar imediatamente 60% do combustível fóssil queimado para não termos conseqüências desastrosas. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, a temperatura no planeta aumentará em média 3,5 graus até 2100. Para comparar, na última era do gelo, que terminou há 12 mil anos, a média de temperatura era 3,5 graus menor que em 1900. Ou seja: a mudança até 2100 será comparável àquela entre a era do gelo e 1900. A floresta amazônica não existia naquele tempo. E ela pode também não existir no fim deste século.
Basear a eletricidade em energia nuclear não provocará uma exploração desenfreada de urânio que ameaçaria a natureza de países como o Brasil?
Não, porque as quantidades são pequenas. Um quilo de urânio produz aproximadamente 10 milhões de vezes mais energia que a mesma quantidade de carvão ou petróleo. Na verdade, o Brasil poderia ter benefícios econômicos com a mudança, tornando-se um grande provedor mundial de urânio.
E o que faremos com o lixo atômico?
O volume de lixo atômico de alto nível produzido pelas usinas nucleares do Reino Unido, em seus 50 anos de atividade, equivale a 10 metros cúbicos. É tamanho de uma casa pequena. Se colocado numa caixa de concreto, esse lixo seria totalmente seguro e a perda de calor ainda poderia ser aproveitada para aquecer minha casa.
As usinas nucleares não podem se tornar alvo preferencial de terroristas?
Não creio. As estações nucleares estão localizadas em construções fortes. Parecem mais bunkers que edifícios normais. Tenho informações de que elas podem suportar o choque de um avião, por exemplo. O grande perigo em relação aos terroristas é que eles roubem plutônio ou urânio em quantidade suficiente para fazer uma bomba atômica rudimentar. Enormes estoques desses elementos foram armazenados na Europa, na ex-União Soviética e Estados Unidos durante a Guerra Fria.
Você acredita que as multinacionais do petróleo podem encampar sua proposta e produzir energia nuclear?
Certamente. Elas não se consideram companhias de petróleo, e sim energéticas. Não lhes importa de onde a energia vem, mas o lucro que conseguem nesse preocesso. Creio que elas poderiam, inclusive, investir na construção e operação de usinas nucleares.
James Lovelock
Em: http://www.ecolo.org/lovelock/lovelock_gandhi_nuc-Braz_04.htm