O Ministério da Educação recomendou um livro chamado Por uma vida melhor, de Heloísa Ramos, para os ensinos fundamental e médio. A partir de então, uma chuva de ataques ao Ministério iniciou-se. Estrategicamente, trata-se de atacar o governo da Presidente Dilma. Os autores do ataque, além de inspiração política oposicionista, movem-se por uma extrema arrogância.
Movem-se, também, por ignorância e má-fé, assim misturadas, a pior conjunção de móveis que pode estar por trás de posturas humanas. Ignorância porque significativa parte dos atacantes reserva-se uma avaliação acima da realidade e, má-fé porque sabem ou têm condições de saber, que as acusações não têm fundamentos.
Dizem que o livro estimula falar incorretamente, em resumo. Não é isso que o livro faz, ele distingue uma obviedade acaciana: fala-se de uma maneira e escreve-se de outra. Aponta uma realidade indiscutível – presente do dia-a-dia de todos os arrogantes insatisfeitos – que se encontra em todas as línguas no mundo. Não se fala como escreve-se, o que nunca representou ameaça alguma à norma culta.
O tal livro faz algo que é detestável para alguns pretensos intelectuais brasileiros, ele desvela a realidade e não a nega. Ele não propõe, em qualquer escassa linha, a supressão da norma culta na escrita, apenas aceita que as comunicações informais, faladas, podem dar-se sem seguirem estritamente as regras gramaticais. Inclusive, o livro alinha exemplos de falas informais e propõe suas transcrições para a forma gramaticalmente correta.
Esta óbvio que o livro não propõe que se fale errado. Não é demais apontar novamente que ele aceita a realidade, sem propor o juízo de valor dicotômico bom e mau, tomando a norma culta como parâmetro, o que não passa de uma profunda dominação. Todavia, o livro tornou-se táubua de tiro ao álvaro, de tanto levar frechada…
Passei a semana lendo tolices maiores e menores sobre o assunto. Todas tinham em comum um mal disfarçado oportunismo político, porque a defesa da língua era, no fundo, o que menos importava para essas vestais defensoras da última flôr do Lácio. O ápice da arrogância parece ter sido atingido por Ruy Castro, em artigo publicado na Folha de São Paulo. Ele põe-se no lugar de grande escritor, ao fazer um apanhado deles que reproduziram falas coloquiais em suas obras ficcionais. A psicologia deve explicar essa mania de citações, que revela muito do desejo do citador de ser um dos citáveis.
Ler a continuação da bobagem na folha de província Diário de Pernambuco – das melhores que há – no domingo pela manhã, desafiou minha paciência. Um texto de um sujeito que se auto qualifica economista ecológico serve-lhe para o despudor de alinhar onde morou e por onde já viajou, essa forma já clássica de sublinhar a origem de classe, como muleta para apresentar exemplos de cultivo pela fala correta. Claro que o autor não perde a oportunidade de afirmar a excelência da educação que teve e sua poliglótica formação!
Não acredito que nem mesmo a economia ecológica seja feita, nos colóquios de economistas ecológicos – ou desses com os ignorantes – em falas fielmente corretas, todas elas perfeitas em flexões verbais, todas as concordâncias em rigor com a gramática, sem corrupções ou plebeísmos, sem um mísero você, essa corrução tão antiga como arraigada de vossa mercê.
O texto de hoje, que não é uma fala falada, evidentemente, está cheio de erros gramaticais, embora sejam irrelevantes: regências e virgulas, umas erradas e outras ausentes. O caso das regências é interessantíssimo, porque os equívocos quanto a elas devem-se basicamente aos hábitos da língua falada, ou seja, explicam-se pela linguística!
Interessante mesmo é uma premissa que o autor adota. Ele diz que em todas as línguas que conhece – e são muitas – nunca ouviu alguém que falasse diferente da norma culta. Isso é mais que uma tolice; deve ser, ou uma inverdade, ou uma confissão de ter falado muito pouco com estrangeiros. Bem, talvez o autor tenha passeado pelo mundo a conversar com pessoas que traziam suas falas previamente escritas!
É óbvio que se devem educar as massas, leva-las a conhecerem as normas cultas, porque desconhece-las é fator de exclusão. Mas, também é óbvio o quanto há de patético no afirmar que o tal livro estimula o erro e no afirmar que é desejável que se fale como se escreve, porque há vastos grupos que assim fazem…