O direito é a vontade do príncipe, como fez constar Justiniano nas suas compilações de leis. E fez bem, porque essa enunciação está correta e não conduz a ambiguidades. Pode melindrar as almas sensíveis que acham o poder repugnante e o direito a vontade de todos ou uma tábua de salvação.

Assim as coisas se parecem porque na enorme maioria dos casos ninguém está a incomodar verdadeiramente o poder. Então, ele consente que as coisas se encaminhem pelos trilhos da aparência de direito geral, abstrato e resultante da vontade geral. Para a maioria dos conflitos, a concepção idealizada e oblíqua do direito funciona.

Sua dimensão real mostra-se nos casos em que os interesses do império são contrariados. Aqui, ele é um instrumento de dominação e de repressão, pura e simplesmente. E uma parte do público sente-se traída nas suas convicções, apenas porque não alcançou ver de que se trata realmente.

Julian Assange e a Wikileaks confrontaram os interesses do império e de seus súditos mais próximos. Revelaram o que são, sem as vestes da legalidade, da relação entre iguais e de outras mentiras mais.

Para ele, não há mais direitos, portanto. Admiram-se que países ditos civilizados atuem contra ele? Admiram-se porque acreditam erroneamente que a diferença entre a Suécia e o Chade seja jurídica.

Assange e a Wikileaks foram roubados por um banco suíço, que confiscou seus depósitos sob o pretexto de um endereço errado. É de admirar que um banco suíço – que deve ter milhões em depósitos de tráfico ilegal de armas, de pessoas e de entorpecentes ilícitos – seja tão escrupuloso, assim seletivamente.

A justiça sueca – sim, daquele país conhecido pela profunda liberalidade de seus costumes sexuais – persegue Assange por duas relações sexuais consentidas. Sim, é isso mesmo, consentidas.

A justiça britânica – daquele país que até há pouco sentia-se à vontade para portar-se como parâmetro moral do mundo – apressa-se a dar cumprimento a uma ordem de prisão por relações sexuais consentidas. Realmente, sabe-se que a Inglaterra resolveu todos os seus problemas e pode ocupar-se de coisas assim tão importantes.

Como não servirá de grande coisa prender Julian Assange, é provável que o matem. E é também provável que isso seja feito com alguma desculpa legal. Afinal, o direito é um copo vazio, dentro de que se pode colocar qualquer coisa!