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Quantos votos tem o ministério público eleitoral?

Quem age em busca de votos, ou seja, de legitimidade popular para exercer os poderes públicos em nome dos detentores da soberania, pode ser parcial em seus julgamentos.

Quem, ao contrário, retira sua precária legitimidade de algumas palavras alinhadas em mau português, em um texto que atende por constituição, e que tem por função fiscalizar a aplicação da lei, não pode dar o menor sinal de estar a ser parcial.

A sub-procuradora geral eleitoral é favorável à aplicação de uma multa à TV Record, pedida pela coligação do candidato Serra, porque esta televisão teria produzido uma matéria favorável à candidata Dilma Roussef.

Se fosse razoável supor que a fiscal não lê Veja, Época, Folha de São Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo e que não vê TV Globo eu compreenderia a ânsia fiscalizadora de mão única.

Mas, a julgar por opiniões manifestadas em entrevistas e manifestações oficiais, creio que a fiscal dedica-se, sim, a esses meios de comunicação de massas, que fazem campanha semanal – no caso das revistas – e diária – no caso dos jornais em papel e televisivos – a favor de José Serra.

Fazem campanha aberta, conforme declarado pela chefe da Associação deles, uma funcionária da Folha de São Paulo. Aberta e declarada, no caso do Estado de São Paulo. Aberta e meio dissimulada, no caso da TV Globo, que chegou ao absurdo de utilizar o número do candidato José Serra, o 45, a propósito de comemorar seu aniversário. Tão flagrante, que essa emissora recuou da brincadeira.

A revista Veja é um caso verdadeiramente escandaloso de indigência intelectual, agressividade desmedida, mentira, parcialidade explícita, enfim. É um prolongamento da campanha de Serra, pura e simplesmente, acrescida de alguma dieta para emagrecer e alguma tolice dita por algum ator de novela.

Isso não preocupa a fiscal? Desempenhar esse papel aviltante não a preocupa? Instrumentalizar politicamente uma instituição regiamente paga – sem que ninguém tivesse sido perguntado se a queria pagar – com a finalidade de ser a confiável fiscalizadora da lei parece algo singelo?

Ora, as características maiores da lei são generalidade e abstração e por isso mesmo fala-se que ela é a mesma para todos que se encontrem nas situações previstas. Decorre que fiscalizar a lei é precisamente cuidar para que seja igual para todos, para que tenha seus caracteres de generalidade e abstração. Não é o que está a ocorrer…

O jogo sujíssimo do Serra. Um caso de absoluta falta de escrúpulos.

Não vejo televisão desde o mundial de futebol, a copa da África do Sul. Isso não é algum exagero, é que não vejo mesmo, pois não me apetece. Passo bastante tempo conectado à internet, por outro lado, embora ande por poucos sites.

Uma postura da campanha de Serra eu não tinha visto ser anunciada em qualquer site, até hoje, embora supusesse que aconteceria.

Realmente, na semana passada, dizia a Olívia: acho que vão espalhar que Dilma é lésbica, porque essa gente não tem qualquer limite, porque pouco importa que seja verdade ou não e porque uma boa parcela das pessoas é profundamente estúpida e acha que isso é importante.

Ela disse-me que isso já anda circulando por aí. Ontem, falei o mesmo com Severiano e ele me disse: rapaz, já estão fazendo isso, tem até vídeo de uma mulher que afirma ter-se relacionado com Dilma.

Era previsível, bastava saber da falta de qualquer escrúpulo do Serra e da mentalidade estreita de parte da população. Mas, aqui, a coisa é tão vil que a melhor estratégia é mesmo não repercutir, não responder.

O Brasil se parece muito com os EUA em algumas coisas e uma delas é essa profunda estreiteza mental – burrice, mesmo – que se reflete na preocupação das pessoas com as vidas sexuais de políticos e candidatos. Ora, isso é do âmbito privado e devia ser colocado no rol das desimportâncias. É um desassunto, pura e simplesmente.

Não convém deixar-se contaminar pela noção de que as diferenças quantitativas são irrelevantes e que as qualitativas são as únicas e absolutas a serem tomadas em conta. Essa noção deformada é uma variante da tolice despolitizante segundo a qual todos são iguais, segundo a qual não há ideologias e segundo a qual a falta de escrúpulos dos políticos é a mesma.

Isso é falso e existem, sim, relevantes diferenças, qualitativas e quantitativas. O caso de Serra é revelador de uma baixeza muito grande até para padrões políticos brasileiros. No nível em que se encontra a campanha de Serra, percebe-se que não se trata somente de jogo sujo instrumental. É jogo sujo como único resultado possível de uma mente suja, ou seja, é o produto natural da origem natural, muito mais que algo milimetricamente pensado.

É autofágico e sem barreiras. É, enfim, como o sujeito que abre a caixa de Pandora porque quer ver sair de lá o que sabe estar lá.

Os infames apostam sempre na infâmia. Ou, porque a imprensa tem raiva de Dunga.

Uma parte significativa da imprensa brasileira tem fermentado e repercutido um conflito iniciado por ela com o treinador da equipe brasileira, o Dunga.

O treinador, sabiamente, reduziu bastante o contato da equipe com os media. Nada que signifique algum deserto de informações mas, certamente, uma situação diferente do contubérnio que havia entre repórteres, futebolistas, treinador, lobistas, corretores de futebolistas, companheiras de futebolistas, cartomantes, especialistas em parábolas descritas por bolas de futebol e outros seres mais.

A imprensa não vive de notícias, ela vive de novidades, que são basicamente trivialidades alçadas à condição de fato relevante, ou simplesmente criações. Todavia, as invenções precisam também de alguma base, porque do nada, nada sai. Daí, é preciso ter jogadores de futebol a darem entrevistas sobre qualquer bobagem para, a partir de então, começar a reverberar a bobagem.

É preciso algum escândalo ou qualquer coisa que se aproxime minimamente disso. Entrou no hotel da equipe um grupo de quatro moças airosas. O fulano e o sicrano conseguiram inserir no quarto do hotel meia garrafa de vodka. Realmente, sem esse combustível fático não há razões para se ouvirem especialistas em psicologia, sexologia, alcoologia, fisiologia e outras mais ciências.

O Dunga acabou com isso e ignorou as opiniões dos especialistas de plantão e a soldo das redes de televisão, nomeadamente a Rede Bobo. Ele é, portanto, um herético e merece o tratamento prescrito para esses casos. O manual do repórter inquisidor é bastante claro e simples.

A primeira etapa implica em qualificar o herege de louco, destemperado, descontrolado, sem condições emocionais e esperar que ele aceite o rótulo. Lembro-me agora disso a funcionar como humor e punição por infâmia, quando João da Ega faz Dâmaso Salcede assinar um documento declarando-se um bêbado contumaz e irresponsável pelo que diz. Mas, isso é arte, e nesse caso o infame era o Dâmaso e voltemos às coisas piores.

Se o herético não aceita essa generosa oferta dos inquisidores repórteres de qualificar-se como um destemperado – que esse é o lugar-comum da moda – então ele incorrerá na segunda forma prescrita: será acusado de desonesto. Para tanto, qualquer coisa serve, verdadeira, desprezível, ou simplesmente inventada.

Essa linha de ação jornalístico-inquisitorial pressupõe algo terrível. Pressupõe que o acusado é infame como os acusadores e  que não está disposto a ter respeito por si mesmo. Ocorre que nem sempre isso se verifica! Não convém tentar acuar um homem sério, que ele pode reagir e, mais que isso, ele pode triunfar.

Se a equipe brasileira do Dunga for a grande vencedora deste mundial dar-se-á o seguinte: Dunga terá revelado que estava correto e os infames revelarão que sempre foram infames e indignos, porque buscarão apropriar-se da vitória e esquecer-se que o tinham atacado violentamente.