O Presidente da França segue o receituário clássico para os mandatários de desempenho ruim, na política e na economia. Ataca o que não é causa dos problemas, mas que chama a atenção do público, porque ele encontra-se profundamente ligado ao imediato.
Dou-me ao luxo de escrever sem a menor preocupação com dados exatos. Não porque queira fazer ilações, mas porque as imprecisões não terão a mais discreta importância.Quem quiser, procure no google os números exatos, que devem ser muito próximos aos que presumo abaixo.
Ninguém que se ponha a pensar calmamente e preze um pouco o próprio intelecto acredita que os ciganos na França sejam a causa do que eles reputam problemas. Com quê os franceses estão preocupados? Com o desemprego, com a pequena diferença de rendimentos frente aos alemães, com o preço do pão, com a idade para reforma, com muita gente falando paquistanês nas ruas?
A França deve ter uma população à volta de 65 milhões de pessoas. Deve haver algo em torno de 10.000 ciganos neste país, o que significa menos de 0,1% da população total. Ou seja, apenas uma pessoa completamente leviana ou estupidificada pode supor que sejam a raiz de algum problema sério para o todo.
Deportar ilegalmente ciganos de nacionalidade romena ou búlgara, europeus, portanto, não serve a coisa alguma além de diversionismo e mudança de foco dos problemas reais e suas causas. É estúpido imaginar que dez mil pessoas causem problemas a sessenta e cinco milhões a ponto de precisarem ser tratados como os alemães fizeram a ciganos e judeus, sessenta e cinco anos atrás.
Sarkozy não é estúpido em tal medida, embora possa parecer, muito por conta do estilo que adota. Ele deve saber que os problemas da França não são apenas dela e que não está ao alcance de uma pessoa como ele aborda-los e mudar o rumo da história. O mal-estar francês e europeu em geral é muito mais difuso que um incômodo econômico.
Ele sabe bastante bem que os imigrantes em geral são necessários, porque há trabalhos que os franceses não fazem, e aqui não falo propriamente de ciganos, grupo que se convencionou dizer avesso ao trabalho. Sabe também que os sistemas previdenciários necessitam dos imigrantes, porque sem eles estariam mais quebrados ainda.
Ele sabe, enfim, que essa estória toda de imigrantes serem problemas é uma grande e profunda mentira e sabe que o problema real será quando essas pessoas quiserem imigrar para a China ou para os vizinhos dela. Aí, estará formado o clube dos velhos sem cuidados e sem forças para apertar um parafuso. Aí, sim, haverá problemas.
O público vive um mal-estar que é da decadência. Não necessariamente da decadência econômica, que seria leviano chamar assim a quem tem uma renda média per capita de 30.000 euros. Nem está o problema no fato dos vizinhos alemães terem essa renda média em 31.000 euros, que isso é desprezível e vive-se melhor em França que na Alemanha.
Essa decadência é o enfado da vida, que se vai vivendo dia-a-dia sem que o posterior seja diferente do anterior. Não há remédio para ela senão pensar nela, a fundo, historicamente. Um pouco como Antero de Quental propôs sobre a decadência de que ele falava dos povos ibéricos, nos últimos três séculos.
A energia vital decaiu, pouco importando para isso que haja ciganos, africanos, paquistaneses ou quem quer que seja. Esses, ajudaram a Europa a viver a decadência com serviços baratos e alguém para falar mal.