O pensar jurídico, ou seja, a partir de categorias e modelos jurídicos, espalhou-se e penetrou todos os pensares – claro, restam poucos – imbecilizando-os profundamente. Ora, uma lei interpreta-se porque é interpretável como maneira de buscar saber o que pretendeu dizer o legislador.

O que pretendeu dizer e fazer o legislador deve ser buscado e não é porque ele tenha sido ambíguo ou mesmo contraditório. É porque uma ordem vinda de um legislador não passa de suposta tradução do que quiseram os eleitores.

Assim não ocorre com outras coisas e a arte é a mais evidente delas. Aqui, o intérprete possível é o autor. Quem sabe ou não sabe o que quis dizer é ele.

Sucedeu o seguinte: o compositor e letrista de músicas Oswaldo Montenegro contou que foi fazer uma prova qualquer em uma universidade. Pelas tantas, deparou-se com uma questão que tinha um texto e pedia ao avaliado que apontasse o que o autor quisera dizer, entre as alternativas disponibilizadas abaixo.

O texto era dele, de Montenegro; era um trecho de uma canção dele. Até aí, pouca surpresa, pois as letras dele costumam ser utilizadas em provas. Mas, ele leu as alternativas de respostas ao que o autor teria querido dizer e não encontrou a correta!

Disse que teria marcado nenhuma das respostas, se a opção estivesse disponível. Sim, ele, o único que podia saber o que tinha querido dizer na canção, porque era sua obra, era incapaz de responder!

Se eu digo meu computador fica ligado todo o tempo, porque o gasto de energia é desprezível é tolo perguntar porque eu disse isso. Essa é uma afirmativa seguida da explicação e não pede interpretação ou pergunta sobre algum sentido subjacente.

O trecho artístico tem sentidos subjacentes, que podem ser comentados. Todavia, é sem-sentido indagar o que o autor quis dizer. É habitual comentar o que o observador percebeu, mas descobrir o que o fazedor da obra quis dizer é crer num psicologismo impossível.

Esse episódio, a princípio, pareceu-me cômico. Depois, sintomático da imbecilização profunda a que nos entregamos. Acreditamos em sentidos ocultos e na possibilidade de entrar no conhecimento das vontades alheias? Achamos que tudo está codificado e que somos profundos analistas das vontades dos artistas? Das vontades…