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Tag: Guerra

Israel: ainda há gente sensata.

Israel sob constante e perigosa ameaça!

A distribuição da sensatez pelos grandes grupos socio-profissionais é relativamente equânime. Não é certo que haja muitos mais imbecis neste ou naquele grupo – clérigos, burocratas, militares, por exemplo – mas é certo que os papéis de certos grupos em determinado momento fazem-nos marcharem sob o ímpeto corporativo, o que leva a imensas dificuldades de percepção das diferenças individuais.

Com relação a Israel, sempre é interessante observar os militares, porque é um Estado profundamente dependente deste poder; sem ele simplesmente não existiria. Os militares israelenses costumam ser profundamente objetivos e dispostos para o combate. A política, em Israel, é basicamente um subproduto do belicismo cotidiano e a legitimidade política confunde-se com o legado concreto de cada um no envolvimento bélico.

Pois bem, Israel, por seu governo, cultiva uma imensa vontade de atacar o Irã. Dizem que os persas constroem armas nucleares e isso será uma ameaça à existência do país. Não é uma afirmação destituída de sentido, se abstrairmos de muitas circunstâncias, principalmente a história e o tempo passado. Assim, pode haver sedução nessa propaganda da ameaça, até porque o estar sempre ameaçado é o centro de todo discurso sionista, ainda quando ameaça alguma existe.

O Irã nunca atacou país algum, nos últimos séculos; a guerra que manteve com o Iraque foi calculadamente iniciada pelo país babilônico, que tinha um presidente amicíssimo dos EUA, da Inglaterra e da França: Sadan Hussein.

O Irã não está em condições de desenvolver armas nucleraes em período inferior a dez anos, o que todo mundo sabe. E não está disposto a abrir mão de sua pesquisa com finalidade de geração de energia, o que é profundamente inteligente. Claro que tentarão desenvolver armas atômicas, o que é mais que inteligente, é necessário porque Israel tem 250 delas e está ansioso por utiliza-las.

Acontece que um ataque israelense contra o Irã não tem chaces de êxito sem ajuda dos EUA, principalmente em termos de apoio aéreo e de infantaria, se a coisa realmente degenerar. E acontece que os EUA entrariam no pior negócio de sua história, se se envolvessem a fundo em tal guerra, pois eles não conseguiriam invadir o Irã com um assalto de infantaria.

Na verdade, essa guerra tão ansiada pelo governo israelense e por alguns setores do inner circle em Washignton só traria benefícios para banqueiros e produtores de petróleo e, subsidiariamente, para fabricantes de armamentos. Essa gente é percentualmente insignificante, como parte do todo das populações, então fica evidente que a guerra interessa a qualquer coisa em torno de 01% das gentes.

Quando a desproporção é assim tão grande, é natural que figuras graduadas, militares de altas patentes que vivem de serem profissionais apenas, abram a boca para apontar a estupidez que se anuncia. E isso está acontecendo.

Yuval Diskin, ex-chefe do Shin Bet, o serviço de segurança do governo israelense, disse que Netanyahu e Barak mentem sobre a suposta ameaça iraniana e os ridicularizou a dizer que eles não são os messias, não são os salvadores de Israel, que se dirigem a um público tolo ou ignorante.

Meir Dagan, insuspeito ex-chefe do Mossad, herói nacional, tinha ido mais além quando apontou o plano de ataque ao Irã de estúpido, nada mais, nada menos!

Benny Gantz, atual chefe do estado maior do exército, parece ter perdido também a paciência com a estupidez e a irresponsabilidade do governo e disse não acreditar que o Irã vá produzir armas nucleares e acrescentou que o governo iraniano é racional.

Somam-se a essas declarações algumas de generais norte-americanos, que não devem trabalhar também para bancos e indústrias bélicas, ou seja, devem ser apenas militares, de que a guerra não faz qualquer sentido e esgotaria o potencial bélico norte-americo sem qualquer real necessidade.

Ou seja, quem não está a trabalhar para interesses outros e disfarçados, quem é apenas militar, pensa um pouco, já esteve em ação, sabe muito bem que a estória da ameaça iraniana é falsa e que a guerra seria péssima para todos, exceto, é claro, para aqueles que habitualmente ganham com o pior para todos.

EUA: primeiro, fica-se rico, depois, atribui-se isso a uma superioridade ética. Depois, fica-se pobre…

O governo norte-americano vive aqueles deliciosos momentos precedentes a uma grande guerra, que se fará nos interesses de Israel e de meia dúzia de banqueiros, fabricantes de armamentos e vendedores de petróleo. Deve ser algo muito excitante, realmente, isso de gozar os momentos que antecedem à declaração, ao bombardeio mediático, aos bombardeios explosivos, à matança generalizada. Sangue! É bom, todos que comeram uma picanha mal-passada sabem-no.

Que os países façam guerras, é coisa que se explica pela lógica da dominação e da permanência; pela lógica da dominação interna por certos grupos; pelos interesses econômicos de alguns. Mas, dizer que uma guerra é justa, ou qualquer outra tolice desse tipo, que visam a inserir explicações analógicas para uma questão de interesses, é agressivo e revelador.

A guerra precisa de justificativas. Ela, que é o rompimento com as explicações, as regras, a civilidade, precisa de justificativas. Ela levou as pessoas ao paroxismo de teorizarem um direito a ela próprio! Um direito da guerra é das maiores contradições em termos que se podem conceber, porque a guerra é a superação de qualquer direito.

Os EUA precisam fazer a guerra, como precisaram todos os impérios. O povo também precisa dela, porque as migalhas que lhes restam caem das mesas dos que ganham muito com o belicismo contínuo. Não há inocentes, embora haja enorme diferença na apropriação dos ganhos e na composição das infantarias.

É preciso dizer que se vai matar os outros porque eles são inferiores. E, não basta que sejam inferiores tecnicamente, eles têm que ser inferiores segundo o mais intangível dos critérios: eles são inferiores moralmente. São maus, os inimigos, e guiam-se só e só por instintos malvados; não são apenas diferentes nos interesses, falar e trajar, são maus em oposição aos bons.

Eu mato e mato e mato porque sou bom, porque os mortos são ruins, porque, afinal de contas, sou ungido de Deus e ele deu-me licença absoluta para, em nome Dele, matar. Eu não mato porque quero enriquecer ou submeter o outro à escravidão, apenas porque sou o intérprete juramentado da vontade divina e posso fazê-lo.

O signo da minha superioridade, da minha ascendência divina, é minha riqueza e meu domínio militar. Assassino a lógica mais elementar sustentando essa tese de que sou rico e poderoso porque sou filho autorizado de Deus. Observem que se os termos forem invertidos o resultado é diverso! Não sou filho de Deus – e único – porque sou rico; sou rico e potente porque sou o escolhido Dele!

Tudo bem, seja assim. O problema é que a minha filiação divina precisa ser atemporal, ou seja, sempre fui. Ora, se sempre fui – e por isso sempre pude matar e sempre fui poderoso – como posso explicar ter sido pobre e não ter podido matar sempre, impunemente e com aprovação das massas? Como posso estar na história, se meu postulado é essencialmente anti-histórico?

Guerra: o principal por trás dos acessórios.

Não se faz a guerra por interesses alheios. Dos interesses dos outros, cuidam eles e só eles. A guerra por interesses estranhos aos próprios só tem exemplo nos mercenários, mas esse caso não invalida a assertiva inicial. Os mercenários estão a soldo e custam caro; eles não fazem a guerra por interesses alheios, fazem-na por pagamento.

A guerra é instrumento de conquista ou de manutenção: de dinheiro, de território, de recursos naturais, de honradez. Há outra variante das motivações mais evidentes, que com elas se mistura: a geração de despesas para uma nação, a bem de quem vende os instrumentos de guerra.

O evidente é que não se fazem guerras para proteger os outros. Aqui, dois aspectos destacam-se: primeiro, o que se consideram outros; e segundo, a mentira que subjaz à guerra pelos interesses alheios.

Outro é definido por identidade cultural, alem de identidade de interesses econômicos e financeiros. Isso não se devia esquecer, para não se ficar em percepção enviesada e insuficiente do que está em jogo. Para que não se lancem objeções superficiais, outro é muito mais que a diferença entre nacionais de países diferentes.

Mas, não se limita às diferenças, por exemplo, entre muçulmanos e cristãos. Saber o que são os outros implica considerar a história e a cultura como elementos fundamentais das tensões que resultam em guerras. Contra os semelhantes – os não – outros – podem-se fazer violências tremendas, também.

Todavia, as violências entre semelhantes delimitam-se no âmbito não-violento, fisicamente. Delimitam-se no âmbito institucional, jurídico. É questão de embate entre os que detém mais riquezas e os que detém menos. Essa tensão no mesmo grupo resolve-se de forma menos drástica que a guerra, embora possa ser tão ou mais perversa.

O outro é aquele que pode e deve receber bombas na cabeça, porque definido por exclusão. A exclusão do diferente permite que ele seja um fator de justificação, pura e simplesmente, assim mesmo, despersonalizado.

Um exemplo basta, entre muitos. Bombardear a Líbia – ou o Iraque, ou qualquer outro outro – é algo que a opinião pública dos bombardeadores concebe quase abstratamente, com toda confusão que o abstrato pode gerar nas massas. Misturam-se mil e uma impressões, pedaços de conceitos, fragmentos de conhecimentos poucos, para gerar a paixão.

A paixão, tão superficial quanto as lágrimas que substituem uma emoção forte por uma fraca, é cega e torna cegos os que a ela sucumbem. A paixão está a serviço da razão, mas a inclinação emocional de uns a serviço da atividade clara de outros.  Não que uns apoiem estupidamente outros, porque todos sabem a que se visa e o que se ganha.

Todos ganham, uns mais e outros menos, todos são culpados, todos são vencedores ou perdedores. Assim é, porque uns são outros, contra quem tudo é possível, tudo é roubável.

Pára estancar o discurso meio obscuro, lembremos que a gasolina é barata nos EUA porque os outros, que a produzem, não são donos dela. Se eles resolvem aumentar o preço desse líquido inflamável, formam o consenso dos que o consomem. O consenso dos que se beneficiam mais e menos contra os que não se beneficiam de nada.

Faz-se a guerra, a bem de qualquer mentira, que elas servem igualmente bem, sejam bem elaboradas ou não. Faz-se a guerra por razões humanitárias. Esse nome, destituído de significados tangíveis, insere-se no simbólico. Quero matar, mas quero dizer que tive motivos para fazê-lo.