Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Tag: Grande Capital

O grande capital não é o único poder.

Com relação ao golpe de Estado que se processa no Brasil, a ser consumado por meios que lhe conferem aparências de formalidade, muitos começam a dizer que não ocorrerá porque não interessa ao grande capital nacional.

Esta negação parte da premissa – muito sedutora e difundida – de que o grande capital é a única coisa a basear o poder. Chamam-no base do poder real, esteio deste a agir por intermédio de vários delegados nas estruturas do Estado e na imprensa. Isso é, em grande parte, verdadeiro. Não de todo, nem em todas as épocas, todavia.

O dinheiro não é sempre e em todas as épocas o maior poder social, mesmo sendo a grande força de cooptação de estruturas burocráticas e da imprensa. Corporações e grupos de interesse que vivem à margem do Estado apresentam dinâmicas próprias e nem sempre é possível guiar-lhes os passos estritamente. Sempre há alguma imprevisibilidade.

É óbvio que para o grande capital nacional e para partes do capital estrangeiro com interesses no Brasil não interessa o golpe de Estado, pelo caos subsequente que trará. De regra – exceto para a grandíssima finança – a desorganização e a insegurança que dela resulta não são coisas boas. Reduz os ganhos, evidentemente.

Acontece, por outro lado, que o processo de semeadura do fascismo na pequena burguesia já dá bons frutos. Bons são os semeadores e boa a terra que cultivaram. Chegou-se a um ponto de não retorno e a imprensa não pode simplesmente passar a desdizer todo o discurso de ódio e estupidez que fez nos últimos quatorze anos.

Nem a imprensa por seus donos pode fazer isso agora – porque o ódio pequeno burguês voltar-se-ia contra eles – nem os seus empregados editorialistas e jornalistas querem desdizer-se, porque são como os vendedores de cocaína viciados nela. Eles acreditam nas tolices e brutalidades que dizem, enfim.

Por isso, mesmo que o grande capital não tenha sob uma perspectiva lógica interesse no golpe, será muito difícil, a estas alturas do processo, travá-lo. Por outro lado, se perceber que a coisa está consumada, o grande capital não verá grandes problemas em pagar os custos da readequação e partirá para compensá-los com mais espoliação financeira.

O fato terrível é que tiraram do baú um grande poder e poder descontrolado: a fúria moralizante dos que tudo ignoram e pensam a partir de notícias de televisão. Esse poder é dificílimo de arrefecer antes de entrar em reação em cadeia. Historicamente, seu controle só é possível com ditaduras…

Ucrânia: para quem faz sentido a desestabilização?

O ambiente natural do capitalismo é a selva, onde ele atinge o máximo de suas potencialidades. Regras, ordem, previsibilidade, fluxo mais ou menos normal das coisas, isso não é o adubo ideal do capitalismo.

É preciso ter isto em vista quando se tenta compreender o que está por trás de um golpe de estado patrocinado com manifestações constantes de massas fascistas a soldo, como deu-se agora na Ucrânia. Qualquer modelo que não leve em conta os interesses de dez ou quinze imensos bancos está fadado à perplexidade, à incompreensão e ao paradoxo.

Sim, porque excluindo-se esta variável está-se diante de algo sem sentido, de algo realmente estúpido, que aparentemente é ruim para todos os envolvidos.

As pessoas em geral, na região oeste da Ucrânia, mesmo as que se guiam pelo fascismo de boulevar e recebem dinheiro de fora, sofrerão as consequências da iminente falência do país, algo que não será evitado pelos 15 bilhões de euros que a Europa quase quebrada oferece. É iminente uma corrida bancária e sem ajuda dos bancos russos a coisa será drástica.

A Europa em geral e particularmente a Alemanha, compra muito gás russo. Pode-se dizer que aproximadamente 30% do gás consumido na Europa provem da Rússia, o que não pouco. Assim, à falta de opções imediatas e mesmo de médio prazo, a Europa é refém do gás russo.

Para os povos norte-americano e europeu, uma guerra real pela Ucrânia não tem qualquer sentido, pois além de serem chamados a morrerem e verem seus parentes morrerem, serão chamados a pagarem a brincadeira, ou seja: depois do enterro, a conta.

Para a Rússia, que não desencadeou esta loucura aparente, há muito a perder, na medida em que os selenitas no governo norte-americano podem congelar ativos russos em seus bancos e tentar impor-lhes problemas comerciais, servindo-se dos seus Estados Vassalos na OMC.

Além dos prejuízos com eventuais congelamentos de ativos, a mobilização militar na Criméia tem seus custos, que poderiam ser evitados.

Neste passo, é de se observar que a guerra aberta é algo estúpido demais até considerando-se os interesses dos dez ou quinze banqueiros, porque as partes envolvidas têm os brinquedos nucleares, não há garantias de que prefiram massacrar-se sem os utilizar e, assim, o mundo pode ficar sem a Riviera Francesa para refúgio…

Se fosse possível uma guerrinha sangrenta, mas convencional, a matar pobres de todas as nacionalidades, mas a preservar locais de fuga para os grandíssimos capitalistas, é certo que seria esta sua opção preferencial.

Eis então que Obama e seus dessemelhantes europeus anunciam que imporão, sim, sanções financeiras, comerciais e diplomáticas à Russia, embora não as tenham ainda iniciado. Depois disso, ocorreu algo interessantíssimo: um alto funcionário do ministério das finanças russas anunciou que a Rússia venderia parte de suas reservas em títulos do tesouro norte-americano.

O governo disse que o funcionário não expunha posição oficial, apenas opinião pessoal dele. Todavia, já era perfeitamente possível compreender qual o jogo em curso. O recado foi genial e certamente o funcionário foi instruído a fazer o curioso e, ademais, evidente, vazamento.

Evidentemente que Obama e seus assessores não ignoravam que a resposta óbvia será essa, além da tomada integral da Criméia, é claro. Acontece que a venda massiva de títulos norte-americanos – e a Rússia é credora de 200 bilhões de dólares aos EUA – teria como efeito quase imediato a queda relativa do dólar norte-americano.

Ao mesmo tempo que isso seria interessante para os EUA como meio de aumentar a competitividade de suas exportações, seria dramático em termos de empobrecimento interno de um país já repleto de pobres. Seria terrível também para uma Europa que padece os efeitos satânicos de uma moeda fortíssima a par com desemprego elevado.

Os países mais periféricos, embora de grandes economias, como o Brasil, sofreriam imensamente e mergulhariam na confusão cambial, o que é destrutivo para quem não emite moedas plenamente conversíveis. Movimentos câmbiais súbitos são piores que ondas gigantes.

Após as primeiras variações cambiais esquizofrênicas, dar-se-ia outra coisa previsível para quem não estiver afogado em confusão e dívidas: o aumento súbito dos juros pagos pelo FED a quem compre seus títulos, para revalorizar o dólar-norte americano e diminuir pressões internas e externas, após a maior e irreversível parte do estrago já ter sido feita.

Fica muito claro que tal cenário interessa apenas aos grandíssimos banqueiros, que o têm previsto à risca, tem várias bases de operação e ganham em quaisquer movimentos, seja na desvalorização de moeda de reserva, seja na valorização do ouro, seja na volta dos juros dos títulos.