Íamos de Campina Grande a Recife, um dias desses, e passamos por João Pessoa. Na saída da outrora aprazível capital paraibana, no sentido de Recife, há três aerogeradores, três turbinas eólicas de pouca potência. Acho bonito de ver-se, com aquelas imensas pás a rodarem aparentemente devagar, as pontas ligeiramente fletidas para trás. E acho importante que se as utilizem, como diversificação, tímida, é verdade, da matriz energética.
Fez-me lembrar um episódio dos Simpsons, aquela família em que a menininha foi a mais bem aquinhoada intelectualmente pelos deuses. No tal episódio, Homer Simpson perde a paciência com os preços elevados da energia eléctrica que lhe vendem e resolve, muito americanamente, solucionar o problema a partir da sua criatividade e poder de iniciativa.
Simpson devia ter visto muito o canal Discovery e lido qualquer coisa de Ciência Popular – lido menos que visto TV, naturalmente – e sabia de meios para escapar da servidão às companhias eléctricas. E, além do mais, é um norte-americano típico, ou seja, um empreendedor e buscador de soluções by himself.
Sabia, portanto, da existência desses maravilhosos cata-ventos grandes, que produzem energia a partir do nada ou, em perspectiva mais americana, a partir do que Deus criou para uso e deleite dos homens. Claro que Homer não sabia de custos, que isso não se aprende nos almanaques, embora saiba de preços; mas, são coisas diferentes. Bem, na obra, a questão dos custos é abstraída…
O Simpson mete-se a construir sua turbina eólica, seu grande cata-ventos libertador das extorsivas tarifas de energia, cobradas pela companhia gananciosa. Sim, gananciosa, porque na américa do norte não se diz que uma companhia rouba, diz-se que é gananciosa. Dizer ladroagem seria falar mal do país, que é uma companhia!
Depois de algum trabalho, o cata-ventos está pronto a ser utilizado e tudo sai às mil maravilhas. Funcionam todas as dezenas de lâmpadas acesas em cômodos vazios, a torradeira elétrica, o fogão eléctrico, o forno de microondas, a máquina de lavar roupas, a máquina de lavar pratos, as quatro TVs de quarenta polegadas, o portão eléctrico da garagem…
Vai tudo no sentido que deve ir, até que o vento deixa de ir em qualquer sentido. A menininha, Lisa, manifesta o lamento mais singelo de todos, quando o vento deixa de ventar, ela fica triste, diante da TV, quando esta apaga-se no momento em que House ia dar o terceiro diagnóstico errado!
Um francês desses que leu um terço de Deleuze e vive a reclamar que 1.500 euros mensais dão para nada diria que Homer Simpson descobriu a inevitabilidade da escravidão às grandes companhias. O próprio Simpson, não me lembro o que disse ou achou, mas voltou para a companhia eléctrica, que afinal nada é tão caro quanto ficar sem TV.
Homer Simpson pode ter ou não ter doutoramentos, mas está por toda parte. Não ele mesmo, é verdade, que o original é bastante honesto e desinformado. Alguns dos outros são menos americanos médios e mais americanos médios altos, ou seja, mais bem informados e totalmente aptos ao conflito de interesses, sempre sob a capa da ciência e dos bons modos ambientais.
É o ambientalismo de papel reciclado, coisa que viceja por aqui, difundindo-se mais facilmente que pé de algaroba. O exemplo do papel reciclado, não o consigo esquecer porque representa o amor ao detalhe, exatamente onde o detalhe é mais detalhe. Se há uma coisa que é sustentável é a produção de papel, que vem toda de madeira ou de papel; a primeira mais barata que a segunda.
Não se derruba um hectare de mata, hoje em dia, para plantarem-se bosques de pinus para fazer-se papel. Não afirmo que as plantações programas e manejadas estejam onde sempre houve pinus, mas que ele está onde pode estar e que as florestas a virarem madeira são repostas. Para ser mais preciso, na Amazônia, fetiche de todo ladrão dos recursos brasileiros – sejam brasileiros ou estrangeiros – ninguém cogita derrubar mata para plantar pinus, porque é melhor criar gado ou plantar soja.
Há duas coisas a serem economizadas a sério: energia e água. O consumo de energia eléctrica pode ser marginalmente reduzido por meio de ganhos de eficiência nos modos consumidores dela. Assim, vários processos podem ser otimizados, com um consumo menor por unidade de utilidade. Mas, isso é mesmo marginal e anula-se pelo aumento dos dispositivos gastadores.
A maior parte ou o todo dos ganhos de eficiência são anulados pelo aumento do consumo. É conhecido que correspondeu à redução de consumo específico dos aparelhos um aumento do número deles, ou seja, à medida que uma TV gastava menos electricidade mais TVs havia por casa. O mesmo pode ser extrapolado para automóveis, por exemplo. A redução absoluta é assunto proibido, porque resulta no óbvio, quer dizer, na conclusão de que é necessário um empobrecimento seletivo dos que sempre gastaram mais.
Mas, a coisa virou assunto do dia e devia mesmo virar. Problema é que o discurso tornou-se alternativo ao mesmo tempo que manteve-se mainstream. É facílimo sofismar nessa área, por duas razões: primeiro, as massas reconhecem o problema como algo a ser tratado seriamente e, portanto, estão abertas para o que vier dos especialistas, que elas próprias dependem deles para lhes dizerem o que deve ser feito; segundo, que há os fulanos aptos a fazerem o papel dos fornecedores da verdade, sem parecerem funcionários de alguém.
E eles dizem que está tudo errado, que nós somos bárbaros desprezadores da tecnologia existente, barata, viável e capaz de resolver tudo. Eles não dizem que a tecnologia barata, disponível e viável não é barata, é pouco disponível e não é viável para resolver o problema, quando se consideram as cargas em questão.
E eles não dizem para quem trabalham, nem dizem tudo sobre o que propõem! É fácil sofismar com omissões grosseiras que não serão percebidas por quem recebe a ciência das prima donnas científicas como gotas de orvalho divino.
Algum imbecil diria que são desprezíveis os meios de geração de energia eléctrica a partir dos ventos e do sol. E outro imbecil diria que eles são suficientes para suprirem toda a demanda existente. E, nenhum dos dois tipos de imbecil dirá que é preciso reduzir o consumo!
Acontece que os imbecis não querem ser tratados assim e que, tampouco, querem ser tidos como mal intencionados, eis um impasse aparentemente difícil, que se resolve a favor deles. Nem são imbecis, nem são mal intencionados: são escravos que, por necessidade, dizem isso ou aquilo.
É possível que algum fulano acresça ao seu currículo as coisas belas do mestrado e do doutorado, com inevitáveis e poucas expressões em francês e alemão. Que tenha feito metade do que o pessoal que conferiu-lhes o grau exigiu – que metade basta e eles sabem disso. Que saiba fazer contas, que não receba suborno merecedor da qualificação e do nome próprio dele. Mas, é provável que tudo isso se misture na formação de um especialista que fala o que sabe improvável e recebe por isso de uma fonte que, improvável, pode-se saber qual é.
Hoje, no Brasil, não faltam especialistas que digam, simples e candidamente, que uma matriz energética fundada em geração hidroeléctrica é ruim; que florestas de células fotovoltáicas e de aerogeradores seriam o ideal e, principalmente, suficiente. Essa gente não dirá que uma matriz diversificada é desejável e possível, dirá que a atual é ruim, eis o ponto central.
Essa gente tem lado, o de quem os paga. E usa o sentimentalismo de ocasião que emociona as massas. O sujeito leva-te às lágrimas com a comovente estória da energia barata, oriunda do que Deus te deu, vento e sol. Há energia nos ventos e no sol, como nos movimentos das marés, mas ela não é algo que se ponha no lugar do que há hoje, imediatamente. E, o mesmo sujeito não te diz dessa transição! Ele te vende um milagre e diz que há iniquidade no que faz acender teu computador e tua TV, precisamente o que te permite ver e ouvir a tolice do especialista.
Receio começar a achar que os especialistas são seres imunes a mosquitos, ao frio e ao calor, que não usam computadores, nem nada que consuma energia. Mas, eles são o inverso! São intensivos no consumo do que propõem a redução e encarecimento!