Estava a escrever um texto muito calmamente sobre o assunto aí do título. Coisa pensada, alinhando uma e outra informação. Afastei-me do computador por alguns instantes, para pensar um pouco, comer alguma coisa, tomar um copo de vinho. Quando voltei, não havia mais coisa alguma. O texto sumiu. Acho que alguma das gatas andou pelo teclado e sumiu o texto.
A raiva é imensa, pouco importa a qualidade do que se fazia, é imensa, sempre. Raiva é sensação de absurdidade, de perder subitamente pensamentos. Mas, talvez venha a calhar para a noção de risco, de que falava e vou falar agora mais rapidamente.
Esses terremoto e maremoto que aconteceram no Japão levaram duas centrais nucleares a pararem de funcionar. Três reatores estão a fundir-se, embora neguem sutilmente. Fundem-se porque não podem fazer outra coisa sem a refrigeração do sistema fechado de circulação de água. Mas, essa fundição de U-235 vai ficar confinada em um casulo de aço com paredes de 15 cm que, por sua vez, está em uma imensa caixa de concreto.
Urânio 235 enriquecido a mais de 3%, em situação supercrítica, emite nêutrons que bombardeiam os núcleos e geram a fissão deles. Resultam muito calor e radiação. Calor ferve água e gera energia, em resumo impaciente. Toda essa coisa precisa de refrigeração, além de bastões de grafite que atenuam a fissão. Sem o sistema de água a circular, ele derrete.
As usinas têm sistemas redundantes de bombeamento de água. No caso de Fukushima, três redundantes geradores a óleo devem garantir a energia para a circulação de água no núcleo do reator. Com um terremoto de 8,9 graus na escala de Richter, acompanhado maremoto, podiam ser quatro cinco ou seis, que não resultaria.
Com um terremoto e um maremoto desses, se fosse próximo à usina hidrelétrica das Três Gargantas, na China, morreria muito mais gente. Com um negócio desses em Itaipu, boa parte do Paraguai e do Uruguai viraria um pântano, cheio de cadáveres. Enfim, com um negócio desses nada fica bem depois, seja usina nuclear, seja um café da esquina.
Morreu gente embaixo de navio, embaixo de carro, dentro de carro, debaixo de prédio, simplesmente afogada, enfim, morreu gente de toda forma. E morrerá gente contaminada por radiação – expelida com os vapores do sistema de refrigeração – uns rapidamente, outros com cânceres e leucemias de longo prazo.
Se um sismo desses atingisse laboratórios franceses, suiços, norte-americanos, haveria uma impiedosa difusão de microorganismos – virus e bactérias, basicamente – que matariam com os requintes da feiúra própria das infecções mais poderosas. Feiúra tão feia quanto as queimaduras ou leucemias de contaminações nucleares.
Risco não é algo que se suprima, senão chamava-se por outro nome. Risco é a possibilidade de algo acontecer, o que se tenta evitar prevenindo-se a partir de séries de dados históricos e extrapolações matemáticas. Mas que, como risco, um dia acontece.
O que ficou nas cabeças das pessoas como ciência oculta de almanaque de curiosidades mete medo. Na verdade, a vida é que devia meter medo nas pessoas, porque é o mais assustador que existe. O caso é que a geração de energia a partir da fissão do núcleo do urânio ou do plutônio é um medo histérico para muitos.
Histérico e curiosamente revelador de quanto há de desinformação. Esse medo histérico da geração nuclear é capaz de contemplar a enormidade imponente de um porta-aviões norte-americano, quem sabe fundeado ao largo de Lisboa. Essa majestosa nave de guerra é um bocado de aço em torno a uma usina nuclear!
Todos aqueles naviozinhos menores que acompanham o imenso porta-aviões são usinas nucleares mais pequeninas e mais graciosas, nas suas proporções. Todos os dias, em todos os locais, há usinas nucleares norte-americanas, chinesas, russas, francesas, inglesas, israelenses navegando em mares nem sempre calmos. Usininhas nucleares boiando sobre as águas tempestuosas ou calmas, administradas por marinheiros cujos humores não se conhecem.
Aquele vaporzinho que sai do convés de vôo dos porta-aviões, quando suas catapultas lançam ao ar um avião, foi gerado pela usina nuclear desconhecida da histeria coletiva. Enfim, há muito mais usinas nucleares por aí do que supõem os manifestantes de qualquer cruzada anti-nuclear.
A França, hoje, gera aproximadamente 65% de sua energia elétrica a partir de usinas nucleares e nunca teve um acidente significativo. Significativas são as reduções de dependência do petróleo árabe e norte-africano, do gás russo, do carvão deles e dos alemães. Significativo foi o que deixaram de plantar com turbinas eólicas e células foto-voltáicas para plantar com trigo.
Significativo foi o que deixaram de queimar fósseis, de emitir dióxido de carbono na atmosfera. O que deixaram de ter de instabilidade na rede, porque a geração nuclear tem imensa disponibilidade de despacho de cargas. Significativo foi o que deixaram de gastar de recursos naturais, porque meio quilo de urânio 235 a 3% equivalem à energia de 3.800 milhões de litros de gasolina, para um exemplinho vulgar.
Um acidente nuclear pode matar gente? Pode, claro. As guerras por petróleo podem e matam gente diariamente. Os lagos das hidrelétricas matam vastas áreas em que se pode plantar o que gente come. Se rompe uma barragem morre gente? Pergunta tola, sem precisar de resposta.
Pode o mundo dar-se ao luxo de gerar energia queimando carvão e petróleo? Sim, pode, até que alguém ache ruim e até que o óleo acabe, depois de ter acabado com o clima, com as temperaturas minimamente razoáveis, com alguma estabilidade do regime de chuvas.
Pode o mundo viver do que a tolice dominante – religiosidade científica – chama de energias limpas? Pode, sim, desde que o mundo passe a ter metade de sua população ou que aceite pagar mais pelo mesmo ou que aceite matar a outra metade de fome sem culpas na consciência. Não há energias limpas, não há vida limpa.
Não há energias limpas – para ficar com o termo – que supram a voracidade energética atual. Se cataventos imensos foram instalados de norte a sul, na costa leste dos EUA, expulsando as mansões dos milionários e as indústrias do turismo e da pesca, de nada adiantaria. E, depois de vinte anos, pensem o que se faz com uma pá de trinta metros de uma turbina eólica. Corta-se em pedaços e vende-se como souvenir?
A bobagem fotovoltaica, que hoje não se leva a sério, já foi uma redenção para todo sujeito que acha bom e acha ruim conforme o programa de Discovery Channel que viu. Seria maravilhoso substituir toda a soja plantada no Brasil por células fotovoltaicas. Ficaria mais bonito. E identificaria limpeza energética a fome.
Os sonhos vêm do ar e da luz, isso é bastante poético e humano. E ar e luz têm muita energia, a mesma que os vegetais usam para viver e crescer e alimentar-nos. A questão aqui é de preço e de quantidade de gente a consumir comida e energia. Um dos preços paga-se materialmente, realmente, ou seja, come-se menos, há menos gente.
Tenho para mim que todo esse besteirol é pago pela indústria do petróleo, que é quem controla a das energias limpas. Aparente contradição, a mais suja é a dona das limpas. Aparente, porque ambas são as mais caras. Mas, quando a mais suja acabar-se, os donos vão vender as mais limpas – para ganhar dinheiro – e a única possível para atender a demanda, a nuclear, porque não são suicidas.
Há, porém, uma saída, de que ninguém quer ouvir falar: reduzir drasticamente o consumo. Reduzir a ponto de ficar-se com os potenciais hidrelétricos e eólicos como suficientes. Reduzir a ponto de evoluímos, em milhões de anos, até vermos com pouca luz, como os gatos. A ponto de aceitarmos os calores e frios estúpidos com a nudez e camadas sucessivas de lã fiada à mão.