O controle social por meio de estruturas narrativas tem em seu estoque de meios a confusão permanente e controlada. É algo que teria uma metáfora razoável na reação nuclear em cadeia controlada por barras de grafite. Um processo meio arriscado, mas que gera muita energia.
A confusão permanente a que as pessoas são conduzidas impede-as de, criticamente, dissociar fatos e idéias que se ligam por nexos na verdade inexistentes. Por outro lado, a técnica impede as pessoas de associarem fatos e idéias obviamente conectados.
O que se vive é uma espécie de presente contínuo em que o ritmo é dado pela imprensa corporativa, que oferece fragmentos de realidades fáticas e oferece editorial, de forma a dar ao destinatário a cola que reunirá todo o sem sentido isolado. Isso dá um ritmo às vidas e gera dependência das pessoas.
O controle social por meio de narrativas em linguagem verbal e simbólica é o exercício ideal do soft power. Não somente mais eficaz, mas mais barato que o exercício do hard power, que, como o nome evidencia, implica a violência, verbal ou física, ou ambas juntas.
O problema maior da necessidade de se recorrer ao hard power é evidenciar que houve ruturas irreparáveis e que há quem negue, veementemente, legitimidade ao modelo dominante e o rejeite integralmente. Significa, enfim, que há que esteja percebendo por outros filtros e racionalizando por outras lógicas.
Sociedades com assimetrias sociais muito pronunciadas – como é o caso do Brasil – e com populações muito numerosas, recorrem a técnicas sofisticadas de controle social que permitam seguir adiante a apropriação brutal do feito por todos por um pequeno grupo. Isso deve ser feito sem que o explorado perceba-se como tal. Ou seja, é preciso criar o normal. Todos os processos devem ser normalizados e mesmo naturalizados.
Assim, cria-se ou delimita-se o campo de ação das pessoas sobre algum processo político. Ele está previamente dado por um certo número de abordagens pre-concebidas e todas tributárias da matriz levítica platônica. Todo o background teórico a partir de que as pessoas observarão o processo será moralizante.
A narrativa jurídica serve a este propósito normalizador, evidentemente. Para que isto funcione, no campo do controle social, é necessário que seja cultivado sem cessar o mito da imparcialidade da burocracia judicante, da mesma forma que se incensa este mito relativamente à imprensa corporativa.
Aceita a premissa de que estes campos do judicial e da imprensa corporativa regem-se por regras que asseguram o exercício de suas funções imparcialmente – ou pelo menos que a imparcialidade seja preponderante – os resultados possíveis de qualquer embate estão previamente dados. Assim, o contraponto está previamente capturado.
Os grupos contra dominantes centram suas narrativas na surpresa com a parcialidade de certas máquinas e em apontar incoerências internas a elas, o que é ineficaz em termos de contraponto. O ataque a modelos narrativos a partir de suas contradições é feito dentro dos modelos e, assim, não constitui suas negações.
Houve, no Brasil, um golpe de Estado que visou, basicamente, a duas finalidades: 1) alienar a soberania e as riquezas nacionais; e 2) conduzir um processo de reempobrecimento das classes baixas que melhoraram seus níveis materiais de vida entre 2002 e 2014. As duas finalidades vem sendo plenamente atingidas.
Há, por outro lado, grupos que se põem contra o golpe e suas finalidades. Mas esse contraponto tem muito pouca eficácia. Primeiramente, como algo originalmente planeado desde fora do Brasil, o golpe tem poderosíssimos suportadores. Neste ponto, convém dizer que os destinos brasileiros estão a depender muito mais da grande geopolítica que de qualquer coisa ou movimento interno.
Enquanto o império estadunidense tiver tempo a dedicar às desestabilizações na América do Sul, nós estaremos à mercê delas, sem muito a poder fazer. Todavia, esta dependência evidente dos processos mundiais não significa a total inexistência de um campo de atuação minimamente eficaz.
Esta ação implica compelir as forças dominantes a recorrerem ao hard power. Devem ser levados a exercerem a violência – verbal e física – abertamente, pois que um movimento brutal deve praticar brutalidades. Se ficam os dominantes a agirem no campo narrativo, sem necessidade de dar à luz a brutalidade pura, eles mantém-se tranquilamente.
O reempobrecimento avassalador dos grupos que tinham obtido significativas melhoras obrigará, por um lado, que o emprego da violência física torne-se mais intenso que já é. Mas este, disfarça-se em controle de criminalidade.
A brutalidade evidencia-se quando os grupos contra dominantes rejeitam, pura e simplesmente, as pretensões da institucionalidade. Rejeitam o jogo e suas regras aparentes, não recorrem aos seus meios de solução de conflitos e dizem as coisas claramente e sem a indignação que fica bem nos ingênuos.
As eleições que se realizarão em outubro de 2018, no Brasil, inclusive para escolha de presidente da república, não ocorrerão em ambiente normalizado institucionalmente. Elas seguem-se a um golpe de Estado e trazem este vício de origem. Quem as conduz pretende um resultado, que é qualquer um exceto um postulante nacionalista.
Um certame eleitoral assim não é legítimo, exceto se pudesse concorrer nele o ex-presidente Lula. Ele não concorrerá, evidentemente, porque não se dá um golpe de Estado tão sofisticado para levar o contra golpe apenas dois anos depois.
Ora, os resultados são previsíveis, pois o processo é essencialmente viciado em tem objetivos claros. Não há ações que sejam demasiadas, nem ações de que o grupo dominante seja incapaz de adotar. Tudo é possível e tudo vale para seguir o projeto do golpe de alienação de soberania. Não haverá recuos, agora, por conta de escrúpulos jurídicos, por exemplo.
Assim, a única negação minimamente eficaz é aquela que se dirige contra o modelo. Se o processo é viciado, não se deve concorrer nele. Esse é o ataque mais veemente que se pode fazer, ou seja, negar o modelo e obrigá-lo a desnudar sua brutalidade.