Uma parte significativa da imprensa brasileira tem fermentado e repercutido um conflito iniciado por ela com o treinador da equipe brasileira, o Dunga.
O treinador, sabiamente, reduziu bastante o contato da equipe com os media. Nada que signifique algum deserto de informações mas, certamente, uma situação diferente do contubérnio que havia entre repórteres, futebolistas, treinador, lobistas, corretores de futebolistas, companheiras de futebolistas, cartomantes, especialistas em parábolas descritas por bolas de futebol e outros seres mais.
A imprensa não vive de notícias, ela vive de novidades, que são basicamente trivialidades alçadas à condição de fato relevante, ou simplesmente criações. Todavia, as invenções precisam também de alguma base, porque do nada, nada sai. Daí, é preciso ter jogadores de futebol a darem entrevistas sobre qualquer bobagem para, a partir de então, começar a reverberar a bobagem.
É preciso algum escândalo ou qualquer coisa que se aproxime minimamente disso. Entrou no hotel da equipe um grupo de quatro moças airosas. O fulano e o sicrano conseguiram inserir no quarto do hotel meia garrafa de vodka. Realmente, sem esse combustível fático não há razões para se ouvirem especialistas em psicologia, sexologia, alcoologia, fisiologia e outras mais ciências.
O Dunga acabou com isso e ignorou as opiniões dos especialistas de plantão e a soldo das redes de televisão, nomeadamente a Rede Bobo. Ele é, portanto, um herético e merece o tratamento prescrito para esses casos. O manual do repórter inquisidor é bastante claro e simples.
A primeira etapa implica em qualificar o herege de louco, destemperado, descontrolado, sem condições emocionais e esperar que ele aceite o rótulo. Lembro-me agora disso a funcionar como humor e punição por infâmia, quando João da Ega faz Dâmaso Salcede assinar um documento declarando-se um bêbado contumaz e irresponsável pelo que diz. Mas, isso é arte, e nesse caso o infame era o Dâmaso e voltemos às coisas piores.
Se o herético não aceita essa generosa oferta dos inquisidores repórteres de qualificar-se como um destemperado – que esse é o lugar-comum da moda – então ele incorrerá na segunda forma prescrita: será acusado de desonesto. Para tanto, qualquer coisa serve, verdadeira, desprezível, ou simplesmente inventada.
Essa linha de ação jornalístico-inquisitorial pressupõe algo terrível. Pressupõe que o acusado é infame como os acusadores e que não está disposto a ter respeito por si mesmo. Ocorre que nem sempre isso se verifica! Não convém tentar acuar um homem sério, que ele pode reagir e, mais que isso, ele pode triunfar.
Se a equipe brasileira do Dunga for a grande vencedora deste mundial dar-se-á o seguinte: Dunga terá revelado que estava correto e os infames revelarão que sempre foram infames e indignos, porque buscarão apropriar-se da vitória e esquecer-se que o tinham atacado violentamente.