Compro jornais aos domingos, por hábito. Geralmente, três jornais de província: Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio e Correio da Paraíba. Acontece com as folhas de província que seu baixo nível jornalístico não chega para dar raiva, apenas uma e outra risada interna.

Claro, pode haver gratas surpresas, quando veiculam alguma matéria boa, mas são raras. De toda forma, é melhor que ter raiva com o baixo nível de alta difusão, como é o caso da Folha de São Paulo.

O caso é que me deparo com uma matéria, no Jornal do Comércio, com o título Oposição tem que ser consistente, grafado entre aspas. Esta obviedade é de autoria de Gustavo Krause, um político pernambucano que é chamado ideólogo do DEM, uma agremiação política brasileira que mudou de nome várias vezes e começou sob o de UDN.

DEM é uma abreviação para democratas, nome que sucede a PFL, que significava partido da frente liberal. Um partido que insiste simbolicamente em associar-se a valores liberais ou, se assim preferir-se, a valores políticos direitistas puros.  É uma tentativa curiosa, quando se sabe que a direita brasileira nunca se caracterizou por ser liberal democrática.

O ideólogo alinha um e outro lugar-comum do discurso político pseudo-científico. Diz que o sistema político brasileiro é responsável pela negação da democracia e que há uma disfuncionalidade causadora de uma situação que estimula a idéia do partido único. Bem,  não sei de quem é a responsabilidade por esse discurso em mau português, se do ideólogo ou do redator da matéria, mas é possível decifrar o que significa.

Em resumo, trata-se de insatisfação com o insucesso eleitoral. O partido do ideólogo reduziu-se consideravelmente, tanto no parlamento nacional, como na ocupação de cargos executivos nos estados-membros. Então, é preciso justificar-se e por a culpa no sistema político, porque seria muito antipático voltar à acusação frequente de burrice do povo nas suas escolhas.

A primeira coisa que chama bastante a atenção é o afã na defesa da democracia. Ora, tanto o partido, como o ideólogo, cresceram no regime ditatorial que houve de 1964 a 1985! Aqui, poderia funcionar realmente a dicotomia que o ideólogo quer ver, ou seja, aquela entre democracia e ditadura, pois o regime que lhes permitiu o florescimento é antagônico ao que agora defende ardorosamente.

Nada mais que uma pouca de hipocrisia, tão comum, de resto, nos discursos políticos, poderia dizer-se. Todavia, o discurso não se quer apenas pragmaticamente político, ele tem pretensões de ser análise pura e metódica de uma situação. Aí, as coisas complicam-se um tantinho, porque a análise é ruim e disfarça mal sua real natureza: tentativa de justificação de um recuo por opção democrática.

O ideólogo dá as chaves de compreensão da real natureza de sua análise. Mais adiante, afirma que a oposição é elemento integrante do sistema democrático e que não haver oposições não faz parte do sistema. As chaves de compreensão encontram-se no divórcio radical entre as afirmações e aquilo que se viveu. Encontram-se, também, na assunção da premissa de que o ideólogo não está a falar mal de si próprio, até porque o texto não visa a ser uma auto-crítica.

Então, assumindo-se que não fala mal de si e do seu partido e que fala presumidamente em teoria, ou seja, abstratamente, conclui-se que move-se pela mais pura hipocrisia. Realmente, esse diagnóstico de disfuncionalidade e de falta de oposições caberia perfeitamente para o período em que o partido do ideólogo governou o país!

A afirmação de ausência de oposições disfarça outra coisa e beira uma figura de linguagem. O ideólogo toma a parte pelo todo, ou seja, assume que toda a oposição política é a sua e de seu partido, o que se mostra sumamente falso. Há oposições até dentro do governo atual, razão evidente da acomodação de vários partidos de interesses conflitantes na base de apoio parlamentar do governo.

Os ideólogos – em geral – transitam da ênfase no formal e no material, consoante suas conveniência de momento. Quando estão no poder, enfatizam o aspecto formal e dizem que não há problemas na sua ocupação duradoura, porque houve eleições e, portanto, vigora uma democracia formal.

Quando não estão no poder, mutam-se em ardorosos defensores da democracia material e dizem que a existência de eleições nada quer dizer, que é um aspecto meramente conformante da aparência de democracia e coisa e tal. Realmente, quando estão no poder em uma ditadura é melhor, porque não precisam sair a dizer coisas contraditórias a todo o tempo, limitam-se a aproveitar o poder e poupam os espectadores da pior parte: o discurso de conveniência.