É moda a classe média brasileira reclamar dos preços de serviços e produtos que adquire e eles são obscenos mesmo. O Brasil ficou caro antes de ficar bom de viver, o que é terrível de perceber para alguém como eu, que verá este país rico, mas provavelmente nunca o verá em padrões adequados de vida e de convívio.

Esses preços altíssimos de que reclama a classe média e que ensejam apropriação política oportunista como discurso oposicionista decorrem da postura dela classe média e das que lhe são superiores em termos de apropriação das rendas. Os estratos médios e altos fizeram tudo à medida para que houvesse o elevadíssimo custo que se vê.

A apropriação política dos altos preços brasileiros é algo que não merece abordagem superficial, como a que fazem meios de comunicação dominantes e imbecilizantes, tão bem aceites nas camadas que mais reclamam. Os media limitam-se à cantilena contra a carga tributária, que é alta, mas é alta para os mais pobres, não propriamente para as classes médias e altas.

A tributação brasileira é profundamente regressiva e violadora do princípio da capacidade contributiva, porque incide maioritariamente sobre o consumo. Sobre rendas e propriedade é muito baixa em termos comparativos. O que se encarece muito por tributos encarece-se igualmente para todos: quando eu, o acionista maior do Banco Itaú e alguém que vive com um salário mínimo compramos um quilo de carne, pagamos todos a mesma coisa em impostos, o que é suma injustiça e não demanda explicações do porque.

Uma parte dos altos preços no Brasil advem de aumento recente da procura, num mercado ávido por consumir, sem conhecimentos e sem parâmetros de comparação. Neste ambiente de elevação dos níveis de renda, é fácil praticar altas margens de lucros; é fácil cobrar caro por produtos e serviços medianos ou ruins.

Outra parte disso advem de custos de logística, o que é deficiência inegável num país que passou trinta anos sem gastar nisso e oito desses trinta a escutar que a milagrosa iniciativa privada gastaria no que o governo inibiu-se em gastar. A iniciativa privada nada mais fez que cobrar pelo uso daquilo que recebeu em concessão sem fazer qualquer investimento adicional.

Outro aspecto – o que os reclamantes não podem ver nem aceitar caso vejam – é a resultante inevitável da armadilha da predação, feita pelos que hoje reclamam e que os aprisionou.

Aqui, convém apontar os três pontos fundamentais do custo elevado de vida da classe média: habitação, educação e saúde.

Os preços de imóveis no Brasil não se explicam a partir da ortodoxia doutrinária. É claro que houve aumento grande da demanda das classes médias baixas ascendentes, forçando um aumento de preços dos imóveis visados por esta camada, mas isso não se aproxima minimamente da absurda valorização dos imóveis destinados às camadas mais altas.

O jogo da elevação de preços de imóveis para classes médias e altas seguiu altivo até níveis impudicos porque gerou ganhos especulativos para os adquirentes. Funciona – ainda – como esquemas de pirâmide, em que fica cada vez mais arriscado para os que entram tardiamente. Qualquer crise de desconfiança pora o esquema abaixo e implicará desvalorização profunda desses imóveis.

Se alguém me diz que, como investimento especulativo, vale à pena comprar imóveis pequenos destinados à classe média baixa porque ela apresenta demanda reprimida, eu acredito, faz sentido. Se, por outro lado, alguém me diz que a valsa de famílias de classes altas a comparem apartamentos imensos por preços superiores aos de Paris continuará até ao infinito, eu começo a desconfiar.

Estes últimos, são imóveis que se pretendem semelhantes àlguma moeda fiduciária que paga juros – como o dólar norte-americano – e isso tende a perder sentido à medida em que alguns se recusam a comprar as promissórias. Não há mesmo muito sentido em famílias terem dois ou três aparatamentos de luxo a acreditarem que outras famílias que também têm dois ou três dos mesmos quererão comprar o quarto.

Ou seja, o problema dos preços obscenos dos imóveis de classe média deve-se muito à atitude predatória da própria classe média e às margens de lucro também obscenas dos construtores. Um castelo de cartas que cairá e será bom que caia.

Com relação aos preços de educação e de saúde, as classes média e alta experimentam o que elas mesmas produziram, porque elas detém o poder político. Deixaram os serviços de educação e de saúde públicos tornarem-se ruins porque puderam fugir deles e fazer o Estado pagar para elas por serviços privados.

Ao mesmo tempo em que relegavam educação e saúde públicas ao sucateamento, porque eram para pobres, criavam formas refinadas de assalto ao Estado para que este lhes financiasse educação e saúde privadas, por meio de subsídios em descontos ficais, em subvenções a entidades privadas supostamente de interesse público, em planos de saúde coparticipados e outras variantes do engenho saqueador nacional.

Daí que o aumento dos preços de escolas particulares e de planos de saúde privada são coisas interiores ao modelo das classes média e alta, em que algumas corporações perceberam que tinham campo para ofertarem limitadamente e com mercado certo os serviços e assim cobrarem o que quisessem. Isso resolve-se muito simplesmente com o recurso ao setor público e quando as classes médias demandarem o Estado ele oferecerá educação e saúde adequadamente.

Há, claro, os pontos de reclamação que são difíceis – para quem honre os lóbulos frontais – de abordar excepto pela mais simples lógica capitalista. Restaurantes caríssimos com refeições medíocres, cafezinhos em aeroportos mais caros que em Heathrow, cerveja ruim a oito reais, tudo isso se arranja com o tempo ou com uma improvável recusa ao absurdo.

Agora, é desonesto não perceber que muito disso deve-se ao jogo criado pelos próprios reclamadores e às margens de lucro obscenas permitidas por um mercado imaturo, deslumbrado, que gasta como se gasta dinheiro roubado, que não tem mesmo qualquer gosto.

É patife por a conta em tributos ou em renda do trabalho, onde os manufaturados ainda são muito mais caros que os serviços, ou seja, onde o capital apropria muito mais que o trabalho.