Um texto de Gustavo França.

O ano de 2010 marcou os Estados Unidos da América com a maior catástrofe ambiental da história do País: o vazamento de petróleo, por mais de cem dias, no Golfo do México.  A petrolífera BP, responsável pela exploração da plataforma, parece ter conseguido, finalmente, estancar o vazamento e, minimamente, amenizar a vergonha dos americanos perante os olhos do mundo inteiro.

Se fosse no Brasil, as críticas, certamente, viriam numa intensidade maior do que as lançadas contra os americanos, e com argumentos ainda mais carregados. Diriam que somos subdesenvolvidos, irresponsáveis, e todos aqueles adjetivos os quais sempre vem a tona quando vacilamos diante da comunidade internacional.

É bem verdade que muitas das opiniões sobre nossa pátria são preconceituosas e carregadas de argumentos sem o mínimo de fundamento. Mas uma, venha de onde vier, é, infelizmente, a mais pura realidade: a escancarada corrupção do povo brasileiro.

Em tempos de eleições gerais surgem incontáveis campanhas pregando o voto consciente, a escolha de candidatos “ficha-limpa”, e um sem número de conselhos dos mais variados tipos.

O voto constitui, inegavelmente, talvez a mais importante ferramenta posta a disposição por um regime democrático. É através do voto que distorções podem ser colocadas no prumo, quando se escolhem os cidadãos mais preparados e capacitados para gerir a máquina estatal. No entanto, o voto só tem o real poder de modificar quando é emitido por cidadãos plenamente conscientes desse poder, característica que, infelizmente, não está presente na quase totalidade do povo brasileiro.

A realidade social não mudará através da propagação do voto consciente. Chega a beirar a utopia acreditarmos na mudança da nossa realidade social tão-somente votando nos supostos políticos “ficha-limpa”, se é que esses seres existem. E isso porque a corrupção – repita-se, nosso maior problema – não cessará quando pressionarmos a tecla verde da urna eletrônica, como num passe de mágica.

A corrupção no Brasil é caso de saúde pública. Está na mente de grande parte dos cidadãos como uma mancha negra de petróleo que insiste em permanecer escurecendo nossa dignidade. É em virtude da corrupção que muitos definham em leitos hospitalares – isso quando os tem a disposição – enquanto uma meia dúzia de “espertões” comem camarão à beira-mar. É por meio dela que muitos matam, subornam autoridades públicas e permanecem impunes. É ela a causa de milhões gastos na manutenção de ferramentas para combatê-la, quando esse dinheiro poderia ser utilizado para alavancar o progresso brasileiro. E não falo do progresso econômico, mas do progresso moral e espiritual, como a construção de uma rede de ensino pública de qualidade, a especialização e valorização dos profissionais da educação e tantas outras ferramentas indispensáveis para alimentar a alma de um ser humano.

O povo brasileiro bem que poderia ser equiparado à fauna do Golfo do México, que demorará dezenas de anos para se livrar da lama preta e grudenta do petróleo. No entanto, diferentemente de nós, que vivemos mergulhados na corrupção por pura opção, a fauna do Golfo do México não pediu para se sujar de óleo nem vivenciar milhares de mortes determinadas pela irresponsabilidade humana. A sociedade brasileira, ainda que inconscientemente, está mergulhada na lama preta da corrupção por livre arbítrio, por opção própria.

É por isso que “votar consciente”, a esta altura, não exterminará, a curto prazo, o câncer chamado corrupção. Contra essa mazela só há um antídoto: uma revolução cultural profunda, vinda da sociedade para a classe política, e não no sentido inverso, como insistimos em acreditar.

Colocar nas mãos dos governantes a culpa exclusiva pela corrupção é tirar de nós mesmos a chance de estancar esse vazamento interminável que mancha de negro a nossa existência. E a revolução cultural começa por simples gestos que, somados, resultarão num futuro mais digno para cada brasileiro.

Comecemos, nós mesmos, a agirmos de maneira proba como meio de exorcizar a corrupção da nossa sociedade. E o voto, repita-se, não é o instrumento único para se alcançar a vitória sobre esse mal. O voto é a ponta superior da pirâmide, a complementação desta, a ferramenta a ser usada quando a base já estiver devidamente consolidada.