O Senado da República Argentina aprovou a lei que institui o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Antes, o projeto fora aprovado na Câmara dos Deputados. Formalmente ainda depende da sanção da Presidente Crisitina Kirchner, mas ela já sinalizou fartamente que é a favor da lei.

Será o primeiro país sul-americano a alargar o âmbito jurídico das uniões conjugais, sem considerações de gênero. É verdade que as uniões civis entre homossexuais já se admitem no Uruguai e no Distrito Federal de Buenos Aires, mas sem todas as consequências jurídicas do casamento.

Quase toda a resistência ao projeto veio da Igreja Católica de Roma, no caso argentino. Realmente, o catolicismo resiste tenazmente à utilização do nome para uniões que não sejam entre pessoas de sexos biológicos diferentes, o que induz a pensar que toda a controvérsia é de natureza terminológica.

Todavia, essa abordagem escamoteia uma insuficiência de visão histórica. O cristianismo apropriou-se de algo precedentemente existente como instituto jurídico e deu-lhe características novas. Do ponto de vista estritamente jurídico nada induzia a considerar o casamento como um enlace perpetuamente limitado a considerações de gênero. Para constatá-lo, basta considerarmos as várias alterações que outros institutos de direito de família sofreram historicamente.

A história do direito civil conheceu a possibilidade de afastar descendentes biológicos da herança, a impossibilidade de todos os filhos exceto o primogênito herdarem, a impossibilidade do cônjuge herdar e outras mais limitações. Ou seja, não há estabilidade nesses institutos que conduzam ou justifiquem a imutabilidade do casamento nas leis civis.

Além disso, as pressões religiosas em um estado laico são iguais a quaisquer outras resultantes de movimentos sociais, como sindicatos e associações de classe. Nesse aspecto desponta uma pouco sutil arrogância católica, que age como se suas pressões fossem ontologicamente superiores a outras.

Aos defensores das soluções de compromisso, uma das quais seria consagrar as uniões homossexuais sob outro nome, convém lembrar que o princípio da igualdade serve-lhes também. E, para homenagem a esse princípio é fundamental que um instituto jurídico, o casamento, no caso, seja inspirado plenamente na noção fundamental de igualdade jurídica.

Haverá, como é fácil antever, dois casamentos. Um, o consórcio entre duas pessoas, formalizado dentro da lei civil e gerador de todos os efeitos previstos. Outro, o consórcio formalizado segundo as regras de uma instituição não-estatal, que não suscita efeitos legais, apenas sociais entre os seguidores dessa instituição.