A herança da Casa Grande tem raízes muito profundas no imaginário brasileiro. É um conjunto de idéias e posturas que se instala automaticamente nas mentalidades, por um ensino realizado à força de repetição automática e inercial.
Quem sabe que não está na Casa Grande sabe também – como de um saber intuitivo e não consciente – que deve aspirar a ela. Que deve reproduzir os modos do senhor, imita-lo, ir-se tornando nele na maneira de ser o que acha que faz o senhor.
Nós brasileiros sabemos – uma pequena parte de nós, que viajamos – o que é truculência e estupidez na passagem pela imigração. O caso da estupidez reiterada no aeroporto de Madri basta como exemplo.
Todavia, nós fazemos o mesmo com aqueles que reputamos oriundos da senzala. Falo do caso dos haitianos, evidentemente.
O Brasil nunca foi rigoroso com entrada de estrangeiros, até porque os que para cá vêm são majoritariamente caucasianos, ou seja, são identificados ao tipo do senhor. Então, entram, ficam, se quiserem e como quiserem.
Mas, a programação mental é fortíssima. A lassidão que sempre tivemos com norte-americanos e europeus converte-se no rigor exasperado contra haitianos, bolivianos, peruanos, paraguaios…mesmo que estejam em situações rigorosamente iguais.
Sabe-se que algumas dezenas de estrangeiros, principalmente norte-americanos, trabalham no setor pretrolífero, no Rio de Janeiro. E eles entraram, em sua maioria, como turistas! Ninguém os importunou e acho que não devem mesmo serem importunados, desde que ninguém seja.
Coisa semelhante ao preconceito com os haitianos vê-se em São Paulo, relativamente a bolivianos, paraguaios e peruanos, que geralmente trabalham em semi-escravidão nas indústrias têxteis.
Eles são vítimas de profundos preconceitos dos paulistas e paulistanos. Engraçado, como se São Paulo tivesse alguma origem nobre e honrosa!
O grande mito fundador de São Paulo são os bandeirantes! Um grupo de assassinos, ladrões, baderneiros, escravizadores de índios. Criminosos que todos na corte queriam à maior distância possível. É muito interessante, a propósito, ver a idéia que deles fazia o Padre Vieira.
E essa gente sente-se à vontade para destilar preconceito contra sul-americanos que vêm para trabalhar dez, doze horas por dia. Ou seja, a mentalidade dicotômica Casa Grande Senzala vai se reproduzindo sempre, bastando para tanto um termo de comparação, um inferior prototípico.