Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Lampião corpo fechado. Um livro de Ivonaldo Guedes.

Três livros seguidos de Foucault – o último ainda não terminado – afastaram-me dos prazeres da ficção e da narrativa não ensaística. Eis que uma conversa com Bebé e Cacá fez-me conhecer a obra do título. Depois que eles falaram do livro, fiquei realmente interessado, porque tudo indicava ser bastante interessante, e é. Comprei o livro e o li em dois dias, que a prosa de Ivonaldo Guedes é agradável e bem fluente e o assunto bem escolhido.

Apressei-me a classificar o livro como romance histórico, embora melhor dissesse romance sobre uma hipótese histórica. A hipótese, nesse caso, é tão plausível quanto a história oficial, o que abriu um campo vasto para a ficção, aproveitado com talento pelo autor. Ele fez arte, propriamente, porque recriou o que pode ou poderia ter sido.

O autor não é pretensioso, mas é audacioso e obtém bom resultado da sua audácia. Ele é personagem do livro! Não é muito fácil o autor inserir-se no livro, porque as plausibilidades históricas de várias versões não funcionam para a historicidade efetiva do autor. Enfim, é complicado fazer ficção consigo próprio, exceto se não for ficção…

O caso é que Lampião foi o cangaceiro mais famoso dentre vários deles, atuantes em um período de aproximadamente cento e trinta anos, nos sertões do nordeste brasileiro. Virgulino Ferreira da Silva atuou na última etapa do cangaço e, talvez por isso mesmo, tenha chamado tanta atenção.

O cangaço é coisa que daria ensejo a páginas e páginas escritas, mas aqui não é o lugar e essas páginas já existem. Basicamente, foi um tipo de banditismo circunscrito a certa área geográfica. Dizer banditismo, por um lado, é bastante limitador, porque as formas de reação ao cangaço eram-lhe semelhantes em quase tudo.

A base cultural encontra-se nos códigos de honra de raízes ibéricas. As bases históricas, em um Brasil ainda predominantemente rural que via o empobrecimento de alguns grupos acontecer dentro da mesma classe social. Quer dizer, a certos declínios econômicos imediatos não correspondiam necessariamente os mesmos declínios sociais. A tudo isso, junta-se a existência do Estado como mero símbolo e agente repressor a serviço de muito poucos.

É interessante tentar dissociar um pouco o econômico do social, ao menos em um corte temporal pequeno, para ver o descompasso das duas escalas a gerar conflitos. No Brasil de finais do século XIX, a sociedade ainda era culturalmente rural, com pequenas exceções.

A exclusão de alguns indivíduos de uma classe social leva mais tempo que a exclusão destes indivíduos de uma classe econômica. E a noção de pertencimento à mesma e única situação persiste nas pessoas forçadas à mobilidade social. No ambiente rural a exclusão social é rápida, por decesso econômico, mas a percepção e aceitação delas é mais demorada, porque a base cultural é muito homogénea.

Imagine-se que dois fazendeiros são vizinhos confrontantes e que um deles vê seus negócios minguarem bastante, seus bois e plantações morrerem. Se o vizinho mantiver-se próspero, vai comprar as terras do falido e submetê-lo e à sua família e aos seus agregados à vassalagem. Uns vão pôr outros – de origens sociais semelhantes – em posições de senhores e vassalos.

Tais posições não se aceitam facilmente quando os novos vassalos comungam do mesmo código de honra e valores. Um fazendeiro rico não viola a filha de um ex-fazendeiro reduzido a rendeiro pobre como violava a filha de um escravo. Não cobra uma dívida de um homem que um dia foi da mesma classe, econômica e socialmente, da mesma forma que a cobraria de um antigo rendeiro seu. Não com as mesmas consequências.

Isso, além de mais inúmeros fatores, está na base do cangaço nos sertões do Nordeste. Além do mais evidente, outra coisa chama a atenção. Os grupos de cangaceiros eram hierarquizados e basicamente eram-no a partir de velhos esquemas de origens sociais. Claro, havia espaço para o que hoje se chama ascensão por meritos, aferidos segundo a valentia e a fidelidade aos códigos de honra lavada com sangue.

E os mesmos modos de agir encontravam-se no cangaço e nas forças públicas que o combatiam, o que prova ser possível matar e roubar, dentro ou fora da lei. E prova, mais que isso, que matar e roubar obedeciam a leis muito próprias e não escritas.

O livro gira em volta da possibilidade de Lampião, o modelo de valentia e honorabilidade que foi execrado pela república crescentemente urbana, não ter sido abatido pela forças volantes do tenente João Bezerra, na Grota do Angico, em 1938. E, sutilmente, evidencia que pode ter sido abatido – ou pode ter fugido – por um cerco que não teve as características de coragem e tenacidade exaltadas nas versões oficias.

No livro, o Capitão Virgulino Ferreira – de patente oficial das Forças Patrióticas – escapou ao cerco do Angico, em Sergipe, e foi para o sertão da Bahia viver uma vida de fazendeiro rico, ele que tinha escondido tesouros em botijas enterradas. Teria seguido sua vida de criador de gados, confortavelmente, com outra identidade.

Um dia, precisamente o 20 de julho de 1934, ele sonhou um sonho que tinha um roçado todo morto, tudo morto pela seca, e um homem de preto, que não falava. Era o Padre Cícero que, por um lado, avisava-o de sua morte e, por outro, comunicava-lhe mais morte. Era o sinal que devia retirar-se daquela vida e dado pelo santo de quem ele era devoto. Em vários 20 de julho ele sonhou sinais importantes, comunicou-se com o Padre Cícero.

Ele teria sido vítima de uma rede de traições e covardias, ao contrário da versão consagrada do combate na Grota do Riacho Angico, e teria escapado vivo. Isso é muitíssimo plausível, pelo menos no que diz respeito à valentia e honorabilidade das forças volantes. Essas inclinações humanas são das mais constantes fontes de confusão que há.

Valentia e honra, assim absolutas, são irrealidades. Elas acontecem dinamicamente, não estrategicamente. Assim, tanto cangaceiros, como volantes, nunca se derem ao combate inutilmente, em franca desvantagem. Nunca deixaram de buscar escapar e fugir, quando isso era o óbvio, para evitar o extermínio puro e simples.

No livro, há uma deliciosa suposição – que imagino muito próxima ao que pode ter sido a realidade – de que o tenente João Bezerra, famoso vencedor do grupo de Lampião, era um frouxo, como se diz. O líder da força volante vencedora vendia armas a Lampião e conhecia seus coiteiros. Seria, basicamente, um oficial corrupto e hipócrita, a fazer um papel teatral. Teria sido levado pelas circunstâncias, mais que por vontade do combate.

A hipótese, inteligentemente levantada pelo autor, é de recurso a meios vis, indignos da valentia propagandeada pelos vitoriosos e repercutida em todas as versões de história oficial. A volante teria servido-se de uma rede de coiteiros com inclinação à delação e à traição e envenenado vários dos cangaceiros acampados no Angico.

Lampião usava seus coiteiros como atravessadores na compra daquilo que não podia obter simplesmente indo à feira e aos armazéns. E comprava carnes, leite, feijão, farinha e bebidas, basicamente. Então, um dos coiteiros foi cooptado por um suboficial da força volante e levou para o bando do Capitão Virgulino Ferreira umas garrafas de Cinzano com veneno.

Assim, na ocasião do ataque, muitos já morriam envenenados, inclusiva a esposa de Lampião, Maria Bonita. E o Capitão acabou por fugir, percebendo que não havia como resistir àquele ataque. Fugiu, foi para a Bahia, viveu de criar gados, até que em 1944, em um 20 de julho, sonhou com Antonio Silvino.

Antonio Silvino foi o nome adotado por Manoel Baptista de Morais, o cangaceiro mais conhecido, depois de Lampião. Silvino foi preso em 1914 e passou 23 anos preso no Recife, até ser indultado, em 1937. Depois de solto, Silvino veio viver em Campina Grande, na casa de uma prima. Ele morreu em 30 de julho de 1944.

Pois bem, Lampião resolveu visitar Silvino, que nunca conhecera pessoalmente. Teve ocasião ainda de conversar uma vez com ele. Na segunda vez que foi à casa simples em que Antonio Silvino vivia, encontrou já o velório do ex-cangaceiro. Lampião teria se agradado da cidade, então pujante por conta da riqueza que resultara do comércio do algodão, e decidira-se a vir morar no Planalto da Borborema.

Estabeleceu-se em Campina Grande, viveu discreta e ricamente, sob outro nome, sempre. Reuniu um grupo, que compôs uma irmandade protetora de ex-cangaceiros e de filhos e parentes de ex-cangaceiros, vítimas reais de um estigma social que se estabeleceu fortemente. Passados muitos anos, desse grupo restaram Lampião, com 97 anos, um integrante de seu bando e um soldado que fez parte da força volante do tenente João Bezerra e esteve no cerco – farsa, no livro – de Angico.

Eles pedem ao autor, personagem do livro, que escute a revelação, tome-a a termo e guarde segredo até à morte do Capitão Virgulino. Um sonho no dia 20 de julho tinha levado Lampião ao autor do livro, que encerra a obra a contar o enterro de Lampião, em Campina Grande, em 21 de julho de 1997, em sepultura simples ao lado da de Antonio Silvino, no cemitério do Monte Santo.

Esse é o livro, que vale a pena ser lido, realmente. De minha parte, espero uma sobra de tempo para ir ao Monte Santo, um dia desses, buscar a sepultura de Antonio Silvino – e não sei se esta sepultado com esse nome ou com o real – e ver quem está enterrado ao lado…

Aproveito para fazer uma sugestão a Ivonaldo Guedes, caso veja essa sugestão de leitura do seu livro, e é que leia Padre Cícero, Poder, Fé e Guerra no Sertão, de Lira Neto. Imagino que gostaria do livro.

Lua Cambará abre Festival de Inverno de Campina Grande.

Um belo espetáculo de dança contemporânea, Lua Cambará, do grupo Ária Social, abre o Festival de Inverno de Campina Grande, no reformado Teatro Municipal Severino Cabral.

O tema é de inadequação social, peso de convenções, falta de amor e o penar de almas a vagarem, em resultado da desagregação inevitável. O penar é trágico, por inevitável. O espetáculo é muito bem produzido e envolve sessenta artistas, entre bailarinos, cantores e músicos.

Para mim, de certa forma, a personagem mais interessante é o Teatro Municipal, agora reaberto; talvez o prédio mais bonito de Campina Grande. O teatro compõe uma bela paisagem urbana, harmonioso com o sítio onde localiza-se, algo raríssimo nessa cidade de poucas belezas urbanísticas. Visto desde a Avenida Floriano Peixoto, quer dizer, de cima, está em perspectiva perfeita.

É pena – e estava para falar nisso há tempo – que uma de suas mais belas partes seja alvo de agressão imensa e pouco percebida. Nas costas do teatro, ou seja, na parte que dá para o Parque do Açude Novo, há imenso painel em cerâmica. Este painel tem uma libélula, uma tartaruga, um peixe e uma garça. A obra, como todo o teatro, é tombada, por ser patrimônio artístico.

Embora tombada, foram levantados dois prédios atrás, a impedir a visão completa do belíssimo painel. Absurdo e ilegalidade óbvias, tolerados como se nada estivesse a acontecer, nessa terra de pouco apreço pela beleza e pelas legalidades.

O tombamento impede que se retirem as possibilidades de contemplação da beleza do prédio, mas foi sumariamente desprezado com as construções de dois prédios desprezíveis, contiguamente.

Hoje, se alguém diz isso é obrigado a ouvir o argumento do fato consumado. Por tal argumento, um absurdo ilegal consagra-se porque se fez e pronto. Estão lá os feios e ilegais prédios, deviam ser postos abaixo, mas ficarão onde estão, a impedir a visão do painel bonito, simplesmente porque lá estão.

Ninguém se lembrará desses prédios, excepto por terem enfeado o teatro. Deste último, qualquer pessoa que tenha algum senso estético lembrar-se-a.

Máfia na saúde pública, em Campina Grande. A cumplicidade social tem inércia própria.

Os meios de comunicação noticiam o caso de um médico cirurgião que cobrava dos pacientes o que o Estado brasileiro já lhe pagava. Fala-se que o esquema envolve enfermeiros e funcionários de hospital, que atuavam para obter pagamentos dos doentes por atendimentos que deviam ser gratuitos. Se assim ocorreu, há um crime, pura e simplesmente.

No Brasil, existe o SUS – Sistema Único de Saúde. Trata-se de uma rede de pagamentos feitos pelo Governo Federal a hospitais e clínicas que devem atender às pessoas, desde que tenham voluntariamente aderido ao sistema. Isso criou-se para cumprir o preceito constitucional da saúde pública universal e gratuita.

O governo central distribui aos Municípios e aos Estados Federados dinheiros públicos para se pagarem atendimentos médicos à população, prestados por entidades privadas conveniadas ao sistema. Um médico que trabalhe nesse sistema aceita suas regras e recebe segundo uma tabela com valores para cada intervenção. Ele não é obrigado a aderir ao modelo, convém esclarecer.

Se ele adere ao sistema público, não pode remunerar-se de qualquer outra forma pelo serviço médico que presta, porque aí está a exigir vantagem indevida e a enriquecer ilicitamente, até porque recebe duas vezes pelo mesmo serviço.

Faltam médicos no Brasil. Além de serem poucos, relativamente à população, estão mal distribuídos pelo território. Há cidades que os têm, na relação para cem mil habitantes, mais que o recomendado pela ONU. Há outras cidades que os têm em proporções ridículas, relativamente às suas populações.

Por conta dessa escassez, os serviços médicos são caros. É resultado evidente da lei de oferta e procura, segundo a qual uma oferta pequena para uma demanda grande encarece os preços. Esse é o aspecto objetivo do problema, aquele que permite apontar uma solução também objetiva: aumentar o número de médicos. Leva tempo, mas é possível e deve fazer-se.

A escassez tem o efeito indesejado de aumentar os preços e o poder de chantagem dos profissionais, mas não guarda relações teóricas diretas com outra face do problema. Esse outro lado tem relações com a sociedade brasileira, com a forma de organização dela. Tem relação com a estratificação social e as forças de manutenção da estrutura.

Quando falei em cumplicidade social, no título, não quis insinuar que haverá cumplicidade com a não punição do médico especificamente descoberto a cobrar pelo que não podia. O especificamente descoberto a delinquir provavelmente será linchado, em primeiro momento, e esquecido, ao depois. É o espetáculo.

A questão é precisamente que a punição é – caso ocorra – pontual. Porque, na verdade, é punição espartana, não no sentido habitual do termo, de simplicidade e contenção, mas de exemplo a estimular a não descoberta. Em Esparta, os jovens bem-nascidos eram retirados das famílias para serem educados pela Cidade. Eram estimulados a tudo, a matar um meteco, se fosse o caso, mas, se fossem descobertos, levavam uma sova de deixar às portas da morte.

Tudo pode e tudo acontece, só não pode ser descoberto. Bem, esse é o resumo de algum modelo espartano, porque nós o elaboramos e chegamos à fórmula que lincha o descoberto, mas ao final o absolve. Mas, principalmente, chegamos à fórmula que prescreve a absolvição geral com um e outro apedrejado pelo caminho.

Os médicos que cobram duas vezes pelo que já receberam são muitos; esse que foi descoberto é apenas o que se sentiu mais à vontade no crime. Os servidores públicos que pedem dos usuários o que eles não precisam dar são muitíssimos. Os que entregam uma prestação obrigatória como se fizessem um favor são quase todos.

A raiz disso – não há como evitar dizê-lo – está na concentração brutal de rendas no país. O nível extraordinário de concentração é parente na linha reta da apropriação do Estado, um instrumento de extorsão de recursos do todo e de repartição do produto entre poucos, além de aparato de violência e contenção social.

Assim ele é percebido e assim ele vem funcionando, a despeito de uma e outra reação, de uma e outra intenção dos chefes de governo. Na percepção social dominante, o Estado não é uma entidade supra-individual que existe em função da nação, mas um poder patrimonial que existe em função dos proveitos que se podem retirar dele.

O mais simples indivíduo que se torne funcionário público ou trabalhe em colaboração com o poder público sente-se um recebedor de salário desobrigado de quaisquer deveres realmente públicos. Claro que se sente obrigado aos deveres de contenção formal e de representação teatral de um papel ridículo de aparente probidade, mas nada de assumir-se servidor, em sentido próprio.

Assim percebe-se a realidade, seja o indivíduo empregado do Estado, diretamente, seja o que se chama um empreendedor privado. Qualquer que seja a posição do indivíduo, se ele tiver um certo nível de rendimentos, será um sócio dessa coisa chamada Estado. Mas, ele negará, ele afirmar-se-á independente desse Estado, ele se comportará como se nem existisse Estado, desprezível.

E, por ser desprezível ou maravilhoso, assim esquizofrenicamente, o Estado não será compreendido, não será percebido o que é, ninguém vai saber o que implica, o que significa, os direitos que eventualmente ele lhes assegura. Essa esplêndida confusão vai permitir que ele siga a ser o instrumento de meia dúzia, pago por todos.

E, quando um ladrão for descoberto, será empalado em praça pública, ou não será empalado nem nada, e os outros ladrões vão comentar sua sorte, em casa a bebericar uísque e a dizer que fulano devia ter tomado cuidado. Eles dirão exatamente isso, que fulano devia ter tomado cuidado!

Está fácil, assim. Essa gente –  nós – devia ter que defender seus interesses com os punhos, ou os revólveres, ou as facas. Assim como está é fácil, criamos uma coisa genialmente perversa, criamos a inércia social, quase o modo contínuo. Quando um de fora entra, um de entre milhões, ele torna-se nós!

No final e ao cabo, se é para continuar a falar nos crimes da saúde pública, o que acontece é o seguinte: se as vítimas são pobres, pode acontecer. Se alguém é descoberto, rompendo o pacto de inércia social pelo excesso, faz-se o espetáculo e tudo segue; premiam-se os que cometem crimes mais discretos.

 

Campina Grande precisa de uma livraria.

A editora Alfaguara publicou novamente algumas obras do maior poeta brasileiro, João Cabral de Melo Neto, em edições preciosas. Reuniram em três volumes, chamados pelos nomes dos grandes poemas Morte e vida severina, O cão sem plumas e A educação pela pedra, grande parte da poesia cabralina.

Os volumes têm biografia, cronologia, bibliografia do autor, índice de títulos e um pequeno prefácio a respeito do autor e da obra. Queria compra-los para oferecê-los a um amigo, apreciador de boas letras portuguesas, que suponho gostará destes versos quase perfeitos.

Acontece que não há livrarias nesta urbe de quatrocentas mil pessoas, duas universidades públicas e três particulares! Há delas, claro, pequenas e bastante específicas, com livros jurídicos, livros religiosos, livros sobre informática. Não há, sem mais, a livraria como a entende o apreciador de literatura, aquela a que se vai quase por mania, para ver, pegar os livros, sentar, ler um e outro pedaço, tomar um café.

Pode-se comprar livros por meio da internet, o que é bastante prático se o sujeito sabe precisamente o que deseja e dispõe-se a esperar uns dias para ter o volume em mãos. Tenho comprado muitos livros assim, usados, em um ótimo sítio de internet, a estante virtual. É até melhor que alguma livraria se se deseja algo mais raro e fora de catálogo das grandes editoras.

Pois bem, o fato é que nos deslocamos 130 Km, até João Pessoa, para ir a uma livraria e comprar os tais livros de João Cabral de Melo. E não foi para ir a uma esplêndida livraria, mas a uma dessas de centro comercial, que vendem livros, revistas, jornais, discos,  filmes, petrechos de informática, máquinas de fotografar. Coisas como as Fnac ou Livraria Cultura.

Essas lojas são muito mais que livrarias e seu sucesso está precisamente nisso. São locais de convivência e de deixar passar o tempo. Não têm mesmo grandes acervos de coisas boas, porque quase tudo gira em torno a manuais de como ficar-se rico ou em paz consigo próprio. Todavia, são livrarias! São amplas, vendem de quase tudo, têm onde sentar-se, comer alguma coisa, tomar um café, uma água.

Não há uma loja dessas em Campina Grande! Arrisco-me a parecer atrevido em suposições de comércio e econômia, mas acho que estão perdendo um bom negócio. Uma livraria assim não dará prejuízos porque ela não vive propriamente de leitores ou amantes de livros, ela vive de quem precisa de um espaço de lazer e convivência, com o pretexto dos livros, que é uma desculpa aparentemente sofisticada para o frequentador.

Além de atender ao sujeito que a frequenta porque acha bonita a aparência intelectualizada, ela presta um grande serviço ao que visa aos livros mesmos. Ou seja, finda por ser boa para todos. Ninguém vai imaginar que uma Fnac retira a maior parcela de seus lucros dos bibliófilos. Ela vende computadores, jogos, bilhetes para espetáculos, comida, aparelhos de GPS, quase tudo enfim, e continua a vender livros.

Esses estabelecimentos tornam-se pontos de convergência de interesses diversificados e por isso mesmo são lucrativos. Não sou ingênuo a ponto de lastimar a inexistência de uma livraria de verdade, mas lamento profundamente que não haja nem das de mentira e creio que alguém está perdendo dinheiro nisso.

85 ANOS

A alguns dias atrás, divagamos a respeito do patrimônio histórico da cidade de Campina Grande, retratado por intermédio da arquitetura. Mas o nosso patrimônio vai muito mais além da formosura de nossas construções. Na verdade, acredito muito mais na construção das idéias que fez de Campina Grande a capital do trabalho, além de conferir a nossa cidade outros apelidos.  Uma cidade pujante como a Rainha da Borborema sempre se destaca, em qualquer área em que se arvore a desbravar. Assim foi com relação a indústria, o comércio, as empresas de concessão pública, e não podia ser diferente no que se refere ao futebol.

A história de que treze homens se reuniram e formaram um time de futebol já foi cantada por poetas e contada por historiadores. Mas é no campo das idéias que gostaria de me deter neste momento. Usando a existência e longevidade deste time como um paralelo que demonstra a resitência de nossa cultura, sendo versátil sem abrir mão de suas origens. Se a rivalidade entre o Treze e o Bota Fogo, por exemplo, pudesse ser transportada ao velho continente, talvez estivesse no mesmo patamar de outros confrontos, tais como Celtic x Rangers; Manchester x Chelsea; Barcelona x Real Madrid.

Pois nossa rivalidade tabajarina, se traduziu durante muito tempo como sendo a luta o Estado contra o Privado; de quem procurava desconstruir a grandeza de nosso povo, contra alguns que lutavam pela perenização de um ideal; da máquina capenga, contra as ferramentas em mãos hábeis. A cultura que se respira em Campina Grande, tem muito haver com o modo de vida de nossos antepassados. Pela forma como a cidade sempre se posicionou, através de seus filhos, com relação aos avanços da tecnologia. Os filhos de Campina, alguns por adoção, viam as novas tecnologias e as transportavam para cá, impulcionando a cidade que hoje conhecemos.

Pouco a pouco, aqueles que queriam desconstruir nossa história, que queriam minar nossa confiança e orgulho conseguiram o seu intento. Nosso povo, que já foi um POVO, não mais valoriza nossas raízes tropeiras, a nossa arquitetura, a nossa origem caririzeira e nem a memória de grandes personalidades que mudaram o rumo do povoado, que um dia foi distrito de São João do Cariri e que posteriormente transformou-se na locomotiva de nosso estado, durante algumas décadas.

A história de lutas, conquistas e derrotas do Treze Futebol Clube, bem que poderia nos inspirar a uma volta as nossas raízes, um mergulho em nossa história, um banho na civilidade que foi perdida ao longo dos anos em detrimento do ter. Ontem conversando com alguns convivas escutei uma frase que mexeu comigo, e que dizia mais ou menos o seguinte: Quem é, invariavelmente tem, mas que tem nem sempre é. Durante muito tempo nossa cidade foi, e hoje apenas possuí. Já fomos a Sanesa, CELB, Telingra, Politécnica de Engenharia, hoje temos a Cagepa, a Telemar, a Energisa e a UFPB. Entidades sem personalidade. Pois elas não possuem a alma dos desbravadores de nossa terra.

Sejamos como o Treze que hoje comemora 85 anos, e continuemos a nos levantar para impor nosso modelo vitorioso de ser. Parabéns ao Treze Futebol Clube, parabéns aqueles que continuam semeando idéias e ideais, parabéns a nossa resistência que insiste em tentar continuar a ser.

A falácia da oposição entre desenvolvimento e preservação urbana.

Palácio Monroe, antiga sede do Senado, no Rio de Janeiro.

Palácio Monroe, antiga sede do Senado, no Rio de Janeiro.

Cinelândia, o que se pôs no lugar do Palácio acima

Cinelândia, o que se pôs no lugar do Palácio acima

As oposições ou dicotomias tornaram-se modas. Utilizá-las passou a ser acreditado como algo a conferir ao teórico ares de ser ponderado e sábio. É um pouco a resultante de acreditar-se no mito da balança, em que um lado desce quando se põem pesos no outro.

Mas, esse mito cai por terra se retirarmos das condições ambientes a lei da gravidade. Então, os dois lados podem ficar estáveis com pesos diferentes, o que já está a parecer suprema contradição, ou devaneio.

Bem, o fato é que opõem o progresso, o desenvolvimento, ou qualquer termo que se utilize, à preservação. Falo aqui de arquitetura e ordenamento urbanos. Assim, destruir seria a indesejável porém inescapável condição para construir algo novo. De início, percebe-se que a coisa implica grandes julgamentos, porque nada indica que o novo seja preferível ao velho, nem em tese, nem em prática.

E nada indica que o novo implique a destruição do velho, até porque não são, novo e velho, necessariamente coincidentes no espaço. O novo pode estar ao lado do velho ou mesmo mais afastados um do outro podem estar. Podem estar de várias formas, mas não podem estar no mesmo espaço, porque aí um pede a extinção do outro.

As pessoas guiam-se por esse determinismo, além de coisas mais bobas ainda, de que não evitarei falar. Elas querem retirar algo para pôr no mesmo lugar outra coisa, ou mesmo coisa nenhuma, porque acham que o que se vai pôr é progresso ou desenvolvimento. Mas, por quê é?

No caso de uma cidade que não se veja comprimida por limites naturais quase intransponíveis – como seriam altas montanhas ou caudalosos rios – o que impede que o novo se faça à margem do velho? Na verdade, somente a conveniência, no sentido de preguiça física e mental, é que impede a preservação de algum patrimônio arquitetônico e urbanístico. A preguiça de afastar-se um pouco de si e do centro.

Deve ter passado pela cabeça de um de outro botar abaixo a Igreja de Nossa Senhora, na Île de la Cité, para, no espaço desocupado, fincar um vistoso edifício de 30 pavimentos, todo revestido de vidros azuis espelhados. Certamente passou pela cabeça de pouquíssimos essa idéia, pois a igreja lá está e os prédios estão em outros bairros. Continuou uma e fizeram-se as outras edificações.

Antes que alguém acuse-me de enorme exageração, explico logo que ela foi proposital. Porque a despeito do exagero, as comparações são possíveis, são quase sempre possíveis para desespero de quem não compreende que a variação limita-se à precisão e à pertinência delas.

A variação da qualidade estética e da abundância quantitativa dos patrimônios arquitetônicos é imensa. Há cidades riquíssimas, de muitas belezas e há delas pobres, de escassas manifestações de beleza arquitetônica, tanto em número, como em qualidade. Nessas últimas, o pouco é ainda mais precioso.

Uma casa opulenta de residência em estilo art déco tardio, onde há meia dúzia delas, é mais preciosa que a mesma inserida em um conjunto de mil. E um edifício de 30 pavimentos, revestido em vidros azuis espelhados, também tardio, pode ser fincado em vários sítios, não sendo necessariamente e divinamente predestinado a estar onde um dia esteve uma das seis casas. Até porque – e isso esquecem-no os modistas do progresso – a aceleração desse mesmo progresso implicará que edifícios espelhados haverá muito mais que casas art déco, independentemente do valor estético de cada um.

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Campina Grande: o Palácio do Bispo.

Esta bela casa é conhecida como o Palácio do Bispo e situa-se na Av. Barão do Rio Branco, na zona central da cidade. Atualmente, abriga o gabinete do Prefeito Municipal.

Devo dizer que busquei, com alguma insistência, informações sobre a história do palacete, na internet. Não encontrei, nem no site da Prefeitura, nem no site da Cúria Diocesana, nem em qualquer outro. Claro que posso ter procurado mal. Enviei uma mensagem de e-mail para a Diocese, pedindo alguma informação sobre a história do palacete, caso dela disponham.

O edifício foi realmente sede episcopal do bispado de Campina Grande, instalado em 1949. É possível ver, na grade da porta central, um brasão com motivos eclesiásticos, nomeadamente uma cruz e uma mitra. Não sei se foi edificado para ser a sede episcopal, o que, em caso positivo, dataria o prédio dos finais da década de 1940.

De qualquer forma – ou seja, quer tenha sido feito para ser a sede episcopal, quer tenha sido feito antes – nada indica que seja mesmo anterior a 1940. O prédio tem um estilo eclético com alguns elementos classicizantes tardios, como as colunas e o balcão adiantado do segundo pavimento.

Nas décadas anteriores, de 1900 a 1930, passou-se pelo classicizante, pelo eclelético e pelo art déco, mas quase sempre em edificações de um pavimento e de maior pureza estilística. O estilo do palacete realmente não tem outros representantes na cidade, embora não seja formalmente complexo, o que se percebe, por exemplo, nas janelas e na quase ausência de elementos decorativos externos.

Não é uma casa pequena e tem recuos frontal e laterais, ou seja, encontra-se em um terreno grande. Significa que foi obra cara. Por exemplo, pode-se constatar que a sede diocesana de Recife, o Palácio dos Manguinhos – embora anterior e mais complexo arquiteturalmente – é um edifício do mesmo porte, ou até menor que o Palácio do Bispo em Campina Grande.

Bem, quando obtiver mais informações, volto ao Palácio do Bispo com menos conjecturas, ou talvez com suposições mais fundamentadas. O fato é que o prédio é bonito, bem proporcionado e encontra-se salvo da sanha demolitória!

Campina Grande: expansão urbana desordenada.

Essas fotografias são o resultado do compartilhamento, entre Olívia, Reginaldo, Severiano e eu, de um gosto anacrônico: passear na cidade no domingo, quando há pouco movimento. Pensamos nas casas bonitas que há em Campina Grande, marcadamente das décadas de 1950 e 1960. E nas sucessivas demolições destas casas para darem lugar a imensos edifícios de apartamentos.

Algumas quadras situadas entre a rua João da Mata e o Açude Velho abrigam a mais simpática zona residencial da cidade. Ruas calmas e arborizadas, com traçados retos, e casas bonitas de estilo moderno tardio. Umas encontram-se em mau estado de conservação, como a da primeira fotografia, outras ainda estão bem conservadas e habitadas.

Precisamente nessa área, a construção civil ocupa-se de fincar prédios enormes em quaisquer espaços disponíveis. Casas estão sendo demolidas, umas após as outras, para dar espaço a esses monstros verticais celebrados como se fossem uma evolução. E muitas das casas demolidas eram realmente belas.

Ora, em uma zona calma, de ruas estreitas, a substituição de uma casa por um edifício de vinte pavimentos significa que haverá oitenta automóveis a mais onde havia dois ou três. Significa que haverá demanda multiplicada por ligações de água, esgoto, energia, telefone e internet. Significa a concentração na demanda por serviços, públicos e privados, que deveriam estar sendo disponibilizados na cidade toda.

Uma cidade de 400 mil habitantes, relativamente desenvolvida e próspera para essa região nordeste em que se encontra, devia cuidar de ter um ordenamento urbano que atendesse a interesses maiores que o mero furor comercial do mercado imobiliário e a vontade acrítica das classes mais abastadas de comprar apartamentos em um bom local. Devia preocupar-se com seu escasso patrimônio arquitetônico, também.

Claro que as coisas mudam, mas há formas de mudar sem piorar a qualidade de vida urbana e sem destruir o pouco de belo que há. A mudança urbanística podia atender a normas de racionalização da ocupação dos espaços públicos, e há muitos espaços a serem ocupados.

Impor regras à construção civil, levando-a a construir mais distante dos centros, traz inúmeros benefícios. O mais evidente é a pressão para se levarem equipamentos urbanos para onde eles são escassos. A povoação de forma não concentrada faz que se distribuam facilidades de serviços em áreas antes não atendidas.

Pelo contrário, a concentração das edificações próximas ao centro, ao custo da destruição de patrimônio arquitetônico, piora a qualidade de vida dos que vêm para essas áreas, inadequadas para atenderem à multiplicação de moradores, e deixa as regiões periféricas sem as corretas intervenções urbanísticas.

Campina Grande: desprezo pelo patrimônio arquitetônico.

Essas cinco fotografias retratam o local onde havia uma bonita casa, na Avenida Getúlio Vargas, em Campina Grande. Era uma edificação bastante característica da década de 1950, bem proporcionada, com uma fonte na frente.

Puseram-na abaixo, totalmente, rente ao chão. Restaram apenas alguns resquícios do revestimento de mosaico e um pedaço da fonte que havia, na entrada, além das grades.

A inscrição Jesus está voltando, que se vê na face interna do muro à direita, permite antecipar que vão edificar no local um desses templos de igrejas neo-pentecostais, que vendem o sucesso e ganham o dinheiro dos fiéis.

Essa gente tem muito dinheiro e nenhum senso histórico, artístico e estético. Para as finalidades a que se propõem, havia a possibilidade de erguer um galpão qualquer, com a feiúra que os caracteriza, em qualquer outro local.

Esta é uma cidade recente, de 140 anos e não tem, evidentemente, edificações de grande antiguidade. Viveu uma fase de enorme prosperidade devida ao cultivo de algodão e esse ciclo esgotou-se pelos anos de 1950-1960. Dessa prosperidade resultou um rápido e breve florescimento de alguma arquitetura, nomeadamente de residências de famílias ricas.

A cidade não encontra grandes barreiras físicas à sua expansão e poderia preservar o patrimônio arquitetônico que tem. Não são muitas as casa bonitas dessa época e essa que foi sumariamente posta abaixo para dar lugar a um templo que será vulgar e poderia estar em qualquer lugar, era uma dessas edificações bonitas.

Acabou-se, simplesmente.

Um paradigma engraçado na política campinense.

Sou natural de Campina Grande, não é exatamente uma cidade pequena, e tampouco é uma metrópole. É uma cidade agradável, de médio porte que já oferece alguns bons serviços e outros nem tanto assim, mas que sofre de alguns problemas das cidades grandes (leia-se: das cidades grandes do Brasil!).

Desde que me lembro, em Campina, politicamente falando, sempre existiram 2 candidatos, e ora não é de se espantar, afinal, se hoje é uma cidade de porte médio, o comum (acredito eu) é que antes fosse menor, e sendo assim, seria difícil ter a diversidade política de uma cidade “grande”. Acontece que convencinou-se de uns tempos pra cá, de chamar partidos e coligações, de grupos políticos, acredito eu que isso aconteça porque os políticos não tem identificação nenhuma com os partidos, suas políticas ou ideologias, de forma que é mais fácil identificar os políticos daqui pelas pessoas das quais se acompanham, do que pela legenda partidária. Acredito que exista fenômenos semelhantes nordeste afora.

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