Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Mia Couto em João Pessoa.

Olívia disse-me, hoje pela manhã, que Mia Couto estaria em João Pessoa, no Espaço Ciência, às três da tarde. Lamentavelmente, ela não poderia ir, devido a essa prisão que é o trabalho. Eu, depois de verificar que não havia urgências, assumi o risco de acumular o trabalho para fazê-lo na segunda feira, ou mesmo no final de semana.

Convidei Severiano para lá irmos escutar Mia Couto e ele aceitou. Curiosamente, estávamos Olívia, eu, Severiano e Miguel, há dois anos, escutando Mia Couto em Braga. Hoje, vencemos os 130 quilômetros até João Pessoa e chegamos ao tal Espaço Ciência. É um local belíssimo, projetado por Oscar Niemayer, com vistas para o mar.

Breve colocaremos umas fotografias desse sítio bonito e bem organizado, onde há exposições permanentes sobre ciência e um  auditório que acolhe músicos, teatro e outras manifestações. O edifício principal é uma jóia arquitetónica, algo que parece um disco-voador a pairar sobre o solo.

Esperamos um bocadinho, comprei dois livros do autor, e sentamos-nos a esperar sua chegada.  Com pouco, chegou Izabella, vinda de Recife. Organizou-se algo como uma conversa entre Mia Couto e a audiência. Uma conversa meio pautada por duas senhoras professoras de letras, que tentaram conduzir os assuntos academicamente.

Ele é um homem profundamente sensato e firme e delicado. Escapou às investidas – gentis, é verdade – de apreensão acadêmica de si mesmo contando histórias, como se as teses e perguntas não tivessem sido propostas. Não sei se a vasta maioria da audiência composta por estudantes, licenciados e doutores em letras percebeu o alcance das observações dele sobre ser biólogo e ser escritor. Argutamente, ele disse que entre escritores é somente biólogo.

Sábio indivíduo este, que rejeita as associações corporativas e o diz gentilmente, sutilmente. É complicado afirmar uma falta de pertença sem agredir os que se julgam uma igrejinha; a melhor forma é ser dois e dizer-se um, conforme a situação. Se ele dissesse eu sou escritor e vocês estudantes e professores seria indelicado.

E contou que se auto-batizou Mia porque quando era menino pequeno vivia entre os gatos. Pediu aos pais para escolher o nome e ficar com este e eles consentiram. Contou de seus embaraços com o português brasileiro, porque nem sempre as palavras significam as mesmas coisas. Contou várias coisas, enfim, despretenciosamente, por contar, sem querer causar espanto ou riso na audiência.

E afirmou-se muito mais contista que romancista, porque é muito esquecido e os personagens em um romance precisam de mais cuidados. Falou da literatura africana e particularmente da lusófona e de como gera estranheza um moçambicano branco. E, depois de muito falar e responder a perguntas – algumas delas somente afirmações e opiniões do perguntador – autografou livros.

As pessoas ajuntaram-se em torno à mesa em que estava, sem ordem qualquer, munidas dos livros. Ele foi autografando pacientemente, que isso é do ofício. Esperei, com uma calma que me surpreendeu. Chegou minha vez, pus nas mãos dele os livros, pedi-lhe que oferecesse um a Olívia e o outro a Izabella e disse-lhe tu reconheceste meu sotaque nordestino, há dois anos, em Braga. Foi na ocasião do lançamento do Jesusalém, na Centésima Página. Sim, bem que me pareceu que te conhecia de alguma forma. Aquela livraria é muito simpática. É verdade, muito agradável. Obrigado.

Delírios judiciários.

Os poderes do Estado são diversos e não se limitam à antiga e histórica tricotomia proposta por Montesquieu. Essa abordagem, na verdade, supõe um Estado democrático, contratual e constitucional. E, na origem, supunha situações bastante específicas e particulares, historicamente e geograficamente definidas.

A suposição deve quase tudo à teoria da representação, em que se atribui a soberania ao povo, que a exerce por meio de representantes. Essa entidade imaterial chamada Estado nada mais seria portanto que a organização da vontade popular em uma entidade detentora do monopólio da violência e da feitura de regras válidas para todos. Eis o poder do Estado: fazer regras gerais.

Para fazer regras gerais e impo-las coercitivamente o Estado dispõe de tantos poderes quantos forem necessários e previstos no seu pacto fundamental, o que atende pelo nome de constituição. E, para que esses poderes funcionem, o Estado dispõe de tantos órgãos quantos a constituição preveja.

As pessoas que atuam nestes órgãos são todas servidoras públicas, em sentido amplo. Àquelas que detém a capacidade de inovação na geração de regras – o que somente possuem com legitimação popular – costuma-se chamar mais especificamente agentes políticos.

No Brasil, são agentes políticos todos os governantes e parlamentares eleitos popularmente e os ministros integrantes do tribunal constitucional, que retiram sua legitimidade política-institucional da nomeação pelo presidente da república – Chefe de Estado – e da aprovação pelo Senado da República.

Agente político é o sujeito que se encontra investido por vontade popular – ou por essa vontade derivada naquela de algum representante – em algum cargo que lhe confere atuação na formação de regras gerais, impostas a todos os cidadãos. O político que qualifica o agente significa estar em posição de escolher entre várias opções, de escolher como representante da soberania popular.

Magistrados – que não os ministro do tribunal constitucional – não são agentes políticos, senão servidores públicos. Têm um dever específico de cuidar pela aplicação das leis em conflitos específicos entre pessoas, naturais e coletivas. São servidores cuja tarefa é resolver conflitos e cuja margem de atuação é a verificação da adequação de uma posição ao molde legal.

A prová-lo está a circunstância de que ao magistrado não é permitido deixar de aplicar a lei, exceto se a considerar inconstitucional, declarando precisamente porque a lei contraria a constituição. Fora disso, embora os desvios sejam comuns, não está na sua vontade aplicar ou não uma lei, por critérios que não sejam os de constitucionalidade. Não há na sua atuação, portanto, qualquer conteúdo político. Ou, melhor dizendo, não deveria haver.

Pretensões de importância desmedida e descasada do que se encontra na constituição abundam no sistema judiciário brasileiro, que confunde legitimidade política com atribuição legal de órgão constitucionalmente previsto. Privilégios outorgados àlgumas classes de servidores, como aos magistrados, servem para aumentar a presunção e a deformação institucional.

Garantias dadas aos magistrados, apenas porque se julgaram necessárias para um melhor desempenho da função, são confundidas com privilégios de cunho social e remuneratório e entram na lista das causas da deformação judicial reinante. Garantias que são invocadas como direitos divinos, como algo que não podia ser diferentemente estabelecido, embora seja evidente que tudo quanto é jurídico podia ser diversamente estatuído, bastando que o parlamento assim o queira, ou as baionetas, por exemplo.

O poder judicial brasileiro é cariíssimo e a este enorme preço não corresponde um serviço proporcionalmente bom. Ao aumento do seu custo, verificado de vinte e poucos anos para cá, não correspondeu aumento de sua utilidade pública, porque a ampliação das possibilidades de pedir-se algo judicialmente decorreu do aumento do catálogo dos direitos, não de um melhor funcionamento real do órgão.

Não tem a suficiente fiscalização social de seus custos e de suas utilidades e por isso fecha-se na conformação de uma burocracia kafquiana, com ares de congregação de semi-deuses a quem não se podem pedir contas. É verdade que tenta mostrar-se como um órgão republicano, ou seja, aberto à verificação do público pagante. Todavia, essas iniciativas são basicamente diversionismo, na medida em que os supostos controles são meramente internos.

Quando se fala em controles, reagem virulentamente, incitando a confusão. Sim, porque não se propuseram quaisquer controles da atividade funcional do órgão, apenas da sua estruturação administrativa e orçamental que, evidentemente, nada tem com o desempenho da função de julgar. Nisso, na função principal, não se quer meter a mão, embora seja conveniente que se metam os olhos, até porque as coisas públicas devem ter publicidade.

Se alguém goza de liberdade para desempenhar sua função de aplicar leis, pouco importa que esteja impresso, no seu contracheque, como entidade pagadora, o poder judiciário ou o ministério do planejamento. Afinal, o tesouro nacional é um só! Aqui surge uma das maiores empulhações institucionais que se conhecem no Brasil: a autonomia administrativa de alguns órgãos constitucionais.

Essa autonomia foi elevada, acriticamente, a mito, a garantia fundamental para a função, o que não é. Convém lembrar que em muitos países europeus, por exemplo, a autonomia da função judicial está consagrada e resulta bem, sem que haja uma estrutura administrativa própria. Os juízes, enfim, são servidores do Estado e as instalações, os funcionários, os contratos, são geridos por um qualquer ministério do Estado, geralmente o da justiça, que paga as contas e pronto.

Não causa qualquer espanto isso, ademais bastante trivial. Espanto deveria causar um órgão constitucional quase totalmente autônomo dentro do Estado, como se uma e outra função fossem compartimentos estanques e separados, a não precisarem de adequação ao interesse público maior. Nisso resultou a propalada autonomia orçamental dos órgãos constitucionais, ou seja, na sua quase total liberdade de gastar o que lhe aprouver dos dinheiros públicos sem dar satisfações aos pagadores.

Todo agente público, seja ele servidor, seja ele agente político, deve satisfações do que faz no desempenho das funções públicas. Tanto é assim que as decisões deles submetem-se ao princípio da publicidade, ou seja, devem dar-se a conhecer amplamente. Isso é verdade para atuações relacionadas à função específica dos órgãos, assim como para aquelas meramente de gestão interna. Por isso mesmo é que se publicam sentenças judiciais e se deviam publicar amplamente todos os outros atos de gestão.

Aos agentes políticos eleitos podem-se dirigir inúmeras críticas, mas algo é certo: dão sua cara às tapas quase que diariamente, na imprensa. Expõe-se por suas decisões ao julgamento público, embora fosse desejável que essa exposição passasse por uma divulgação mais ampla e menos seletiva.

Dos servidores públicos dos órgãos do sistema judicial já não se pode dizer o mesmo. Além da vasta maioria da população não ter a mínima idéia do que são, do que devem ser e de quanto custam, contam com uma forte cumplicidade corporativa e mediática. Dão ao luxo de se porem na posição de impassíveis de críticas ou de publicidade e violam assim o princípio republicano.

Lê-se, aqui e ali, discretamente, que o presidente do tribunal constitucional reclama um aumento salarial para os funcionários dos órgãos judiciais de 56%. É uma aberração obscena um homem postular isso com total naturalidade e, ademais, postula-la com o desejo de que seja coisa não discutida, quer dizer, que seja destinada a aprovação porque reputam devido e pronto.

Seria necessária uma reunião de hóspedes de manicômio para que se declarassem os funcionários do judiciário mal pagos, no Brasil. E seria necessária a mesma reunião de selenitas para reputar que as atuais remunerações não estão em flagrante desproporção com a utilidade do serviço e com as demais remunerações que o setor público paga. Nada obstante, querem um aumento de 56% e provavelmente ficarão com raiva e ameaçarão com chantagens quem no governo e no parlamento se atrever a propor uma discussão pública ampla do assunto.

A grandeza de Lula e a fábrica de remédios em Moçambique.

A postura diplomática brasileira sob os governos do Presidente Lula desagradou profundamente aos grupos liderados por Fernando Henrique Cardoso que, é conveniente lembrar, é co-autor da teoria da dependência.

Em tempos fernandinos, a diplomacia brasileira era agressiva e votava desprezo aos vizinhos sul-americanos e africanos. Era dócil e toda voltada para os Estados Unidos da América e para a Europa. Voltada para os mais ricos de forma subserviente que, em algumas situações, beirou o ridículo e a indignidade.

É conhecido o episódio em que o Ministro das Relações Exteriores, há dez anos, o vaidoso Celso Lafer – vaidoso em terras brasileiras – tirou os sapatos em um aeroporto norte-americano para ser submetido a inspeções de segurança! Desde então, as normas de segurança continuam as mesmas, todavia o atual Ministro Celso Amorim nunca submeteu-se a um procedimento que não se aplica a diplomatas, nas várias oportunidades em que foi aos EUA.

A imprensa cuidou de atacar as iniciativas brasileiras com países africanos e sul-americanos como coisas inúteis, coisas de pobre para pobre. Essa imprensa deve achar exemplar a subserviência e o tirar de sapatos de um diplomata brasileiro nos EUA. Essa imprensa e aquele governo que houve há mais de oito anos devem achar corretos a submissão a uns e a arrogância com outros.

Assumidas essas premissas, eles têm realmente motivos para ficarem com raiva de Lula. Sob o Presidente inculto, o Brasil adotou as clássicas regras de diplomacia entre países soberanos e voltou sua atenção, tanto aos vizinhos próximos do continente, quanto aos separados por um oceano, na África. Notadamente aos africanos de língua portuguesa.

Lula chega a Maputo hoje, levando a Presidente Eleita Dilma Roussef. Ministrará uma aula magna na Universidade Pedagógica de Moçambique, que é integrante da Universidade Aberta do Brasil. Visitará as instalações de uma fábrica de medicamentos antirretrovirais que se está construindo com fundos e treinamento técnico brasileiros. A fábrica – de alta tecnologia – implica investimentos totais de U$ 31 miliões, dos quais U$ 13 miliões foram enviados em equipamentos desde o Brasil.

A Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, estatal – desenvolve em Moçambique um projeto ambicioso, o ProSavana. Trata-se de desenvolver a capacidade agrícola da savana moçambicana, programa que pode, se for exitoso, servir de modelo para muitos países africanos.

Moçambique é hoje o país que mais recebe cooperação técnica do Brasil, sendo certo que isso pode avançar muito mais nesse cenário de crescimento econômico e de integração.

São posturas que devem dar alergias naqueles senhores que tiravam os sapatos para visitarem o chefe.

Quando a vítima pensa que não existem algozes. Ou, identificação tola do discriminado com o discriminador.

Recentemente, voltou à evidência a discriminação que alguns brasileiros, notadamente paulistas e gaúchos, nutrem por nortistas e nordestinos, em geral. O que existia sem precisar de fermento, intensificou-se a partir de estímulos fornecidos pela recente campanha presidencial derrotada do candidato José Serra.

Os casos paulista e gaúcho são diferentes em pontos que merecem ser destacados. Existe no Rio Grande do Sul um separatismo relativamente forte e sincero. Acham-se outra coisa, embora pareça-me que não percebem que essa outra coisa e esse afã separatista os faria parte da Argentina, inevitavelmente. É algo mais sério, por um lado, e mais ridículo, por outro.

No caso de São Paulo, há uma discriminação que viceja nas classes médias contra nordestinos, algo mais ligado à superficialidade e à incultura que a qualquer outro fator, porque São Paulo não tem grande história e tradição, como o Rio Grande do Sul. Não se trata propriamente de um separatismo fundado em tradições, trata-se de uma tolice oportunista, porque querem manter o restante do país a trabalhar para eles.

Tanto antes das eleições, como depois do pleito, a exposição pública da discriminação fortaleceu-se pelo acirramento que um partido reputou estratégico. Passadas as eleições, seguidores do grupo derrotado assumiram a discriminação regional como forma de explicar a derrota.

A partir dessa visão claudicante da realidade, propuseram que as partes mais pobres do país escolheram a presidente Dilma e as partes mais ricas teriam escolhido o derrotado Serra. É falso esse corte interpretativo. A vitória de Serra nas regiões de São Paulo e do Sul foi muito mais discreta do que seus seguidores querem acreditar. Por outro lado, a vitória de Dilma nas regiões mais pobres foi realmente avassaladora.

A discriminação de nordestinos e nortistas em São Paulo é historicamente recente. Realmente, há cento e cinquenta, duzentos, trezentos, quatrocentos anos, acontecia algo diferente. Não havia propriamente uma discriminação em sentido inverso, havia absoluto desprezo por qualquer coisa que não fosse do Rio de Janeiro, de Recife ou de São Salvador da Bahia.

Paulistas ou bandeirantes, por muito tempo, eram quase sinônimos para bandidos sem limites, salteadores indisciplinados, caçadores, matadores e escravizadores de índios. Gente que deu muito trabalho à coroa e aos agentes públicos e cidadãos que gostavam de alguma ordem e de alguma vigência das leis.

É muito interessante procurar saber o que os jesuítas – com grandes pendores para cronistas – pensavam dessa gente selvagem, escória social da colónia, cuja presença era a certeza de confusões, roubos, estupros, morticínios e aprisionamento de índios. Os governadores e capitães-mores das províncias ricas não os queriam por perto e quando os contratavam como mercenários cuidavam de fazê-los voltarem o mais rápido possível para suas terras de origem, hoje o centro telúrico do mundo.

Se houve algo que se aproximou de uma nobreza – uma nobreza de espada, como dizem os franceses – na colónia, foi a aristocracia rural pernambucana, carioca e bahiana que conjugou interesses e expulsou os holandeses do nordeste do Brasil e seguiu adiante na empresa, em Angola. Essa gente carregou e seus dispersos remanescentes ainda carregam um profundo orgulho e sentimento de superioridade, decorrentes da grande e improvável vitória militar obtida.

Essa mesma gente passou a ter um profundo sentimento de injustiça com relação à coroa, que minimizou seus valores bélicos e deu-lhes apenas metade dos privilégios na administração do vice-reinado, impondo-lhes a convivência com uma pequena nobreza de robe, de origem na fidalguia urbana portuguesa. Esse sentimento está na origem de sua decadência e de sua propensão revolucionária no século XIX: 1817, Confederação do Equador, Praieira, todas em Pernambuco.

Mas, de paulistas ninguém cuidava, nem se ocupava de ter com eles algum preconceito. São Paulo é uma zona de terras férteis, cujo cultivo principiou-se a partir do Vale do Paraíba, ainda no Rio de Janeiro. Enriquece propriamente a partir do século XX, por causa do café. O Brasil era café e os dinheiros dessa cultura riquíssima puseram o país a seu reboque e levaram a industrialização também para São Paulo.

Pensando-se com toda a calma, a discriminação nutrida por alguns paulistas contra nordestinos é algo profundamente tolo. As migrações internas para São Paulo supriram a mão-de-obra que lá não havia, quando era mais necessária nos grandes impulsos da industrialização e da construção civil.

Não contaminaram com deselegância algum ambiente repleto de pessoas sofisticadas e cosmopolitas, porque São Paulo não era minimamente sofisticada ou cosmopolita, embora fosse rica. Não significaram supressão de trabalho porque foram exatamente suprir a falta de trabalhadores.

Hoje, é alarmante o nível de agressividade que certos grupos têm relativamente aos nordestinos, em São Paulo. Não é coisa desprezível e certamente é indicador de profunda ignorância e aviltamento, porque cultiva-se preponderantemente no meio de grupos de classe média, incultos e incapazes de grandes conquistas e, ademais, muito receptivos àlgumas formas de fascismo.

Eis que, depois das eleições, vieram à tona trocas de mensagens em redes sociais na internet, de conteúdo marcadamente preconceituoso. O episódio mais exemplar foi uma mensagem de uma jovem que incitava as pessoas a fazerem um bem a São Paulo, matando um nordestino afogado.

Essas condutas, sob a perspectiva estritamente legal, caracteriza dois crimes: racismo ou preconceito e incitação à pratica delituosa. Podem acarretar inclusive prisão em regime fechado de cumprimento. À vista do crime cometido, o Presidente da Seccional de Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil encaminhou ao Ministério Público representação pedindo a persecução criminal da jovem paulista incitadora de assassinatos de nordestinos.

Foi uma medida auspiciosa do Presidente da Ordem porque, além de serem crimes mesmo, convém tentar estancar a fermentação dessas manifestações que logo tendem à exacerbação e à disseminação do ódio sem razões muito tangíveis, ou seja, de postura proto-fascista.

A enorme maioria das pessoas razoáveis repudiou as manifestações racistas e preconceituosas, até mesmo as pessoas que as estimularam como modo de ação eleitoral, durante a campanha. Realmente, não convém terem seus nomes vinculados a coisa tão vil, embora tenham reputado conveniente estimular a vilania quando acharam interessante.

Curiosas mesmo são algumas reações de um e outro sujeito da mesma origem daqueles que a jovem paulista queria assassinados. É algo como a solidariedade da vítima com o algoz, mas é mais profundo. Tem um quê de subserviência, de tentativa de identificação com o algoz e de diferenciação com os semelhantes e, claro, de profundo oportunismo e vontade de obter destaque pelo escândalo.

Um e outro sujeito de alma subalterna e vontade de protagonismo pelo escândalo apressou-se a minimizar os crimes cometidos pela jovem paulista por meio de redes sociais. Como se fosse coisa desprezível. Sucede que isso só pode ser desprezível pela ótica do criminoso, então o fulano que minimiza o fato identifica-se à conduta delitiva, na verdade.

Procede a partir de um julgamento equivocado, segundo o qual a questão seria mais social e econômica que cultural. Ou seja, aceita que o preconceito dá-se entre mais ricos e mais pobres e põe-se ao lado dos mais ricos. Está ao lado do preconceituoso, como a dizer que ele mesmo exerce tal preconceito relativamente aos seus conterrâneos mais pobres.

Não percebe que a questão de fundo é muito mais cultural que propriamento social e econômica. Não percebe que pode estar um dia em São Paulo, com toda a indumentária de novo-rico, relógio rolex no pulso, modos afetados, tentativa de modificar o sotaque, mas que será reconhecido, ele mesmo o solidário com o algoz, como um nordestino. Bastará que abra a boca e diga qualquer bobagem.

E provavelmente seguirá sem perceber que ele é o que fala, identifica-se pela forma com que fala, que não perderá seu sotaque nem mesmo se tentar transmudar-se em uma caricatura absoluta. Mas tentará, porque sua alma é uma caricatura, porque seus valores são um adorno da sua ambição, porque seus elementos de identificação são algo que ele quer suprimir.

Não compreendeu que o preconceito regional é um movimento pequeno-burguês exercido por pessoas exatamente iguais a ele, ou seja, sem identidade, oportunistas, superficiais, ambiciosas de servir ao chefe que tenha o rolex maior no pulso, esse o grande critério de hierarquia. Não compreendeu que sendo iguais na pusilanimidade- senão não se identificariam – são ainda desiguais no critério fundador do preconceito: ele, a vítima subserviente, não fala como o algoz, embora tente.

Uma gente proclítica e intransitiva.

Pronomes pessoais oblíquos querem mandar nos verbos, mas findam por deixar clara sua sucumbência a estes. Por serem oblíquos, não é o agente a comandar a ação, antes é a ação que consente em dar ao sujeito a posição de aparente comando, consente em que fique, obliquamente, na primeira posição, antesposto ao real.

Porém, manda o real e delicadamente permite ao sujeito – que já não é agente – que se insinue afirmando sua pessoalidade, obliquamente: Me dá! Curiosa afirmação de pessoalidade, que prescinde do pronome do caso reto: Me dá fica a parecer mais pessoal que Tu, me dá.

Intransitivos e, consequentemente, reticentes. Sem complementos, diretos ou indiretos, ação pura e, portanto, abstrata! Somos muito mais abstratos do que supomos, nós que nos queremos tão concretos e atuantes.

Queremos domar a ação, afirmar-nos principais em relação a ela, por-nos antes dela. Precisamos, pois, de uma ação sem complementos, aberta à compreensão das reticências, que precise antes da compreensão do sujeito para ser compreensão de qualquer outra coisa.

Assim, os complementos são um estorvo para nós. Eles podem conferir muita objetividade, muita concretude; podem reduzir drasticamente o campo aberto das reticências e as várias possibilidades da ambiguidade.

Se uma pátria – um pertencimento – é sua língua, somos, os brasileiros, isso mesmo: proclíticos e intransitivos.

Vulgaridade.

Uma pessoa muito estimada queixava-se, há pouco, de receber uns vinte e-mails diários com as mais diversas e sórdidas vulgaridades contra a Presidente Dilma Roussef.

A julgar por meu interlocutor – admitindo-se que muitas comunicações dão-se entre pessoas da mesma classe social – trata-se de gente de classe média alta. Ou seja, as classes médias altas urbanas brasileiras são profundamente vulgares e agressivas, além de pouco instruídas e bastante vaidosas.

São profundamente subservientes e incultas e dão o cú à brincadeira para agradar qualquer coisinha que venha de fora, ao mesmo tempo em que esforçam-se ao máximo para exercer seu preconceito de classe contra aqueles cujo trabalho barato os enriqueceu.

São entreguistas: corretores auxiliares dos grandes corretores do país. São aqueles que, relativamente a Lula, faziam piadas grosseiras quanto à falta de instrução formal do Presidente. Faziam piada – suprema vulgaridade – com o fato do Lula ter perdido um dedo da mão, em um acidente de trabalho!

Com a doutora Dilma – que é engenheira mais capaz que nove entre dez desses profissionais no Brasil – qual piada farão? Farão o óbvio, que a vulgaridade é previsível. Farão piadas simplesmente porque ela é mulher, porque é divorciada, porque não está magra.

Com essa gente nada se faz, excepto, é claro, roubar o Estado e promover tertúlias de gente a pensar que uísque é o auge da elegância.

O discurso da Presidente.

Dilma Roussef fala após ser eleita Presidente
Dilma Roussef fala após ser eleita Presidente

Minhas amigas e meus amigos de todo o Brasil,

É imensa a minha alegria de estar aqui.

Recebi hoje de milhões de brasileiras e brasileiros a missão mais importante de minha vida.

Este fato, para além de minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país: pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro portanto aqui meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras, para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural. E que ele possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis, nas entidades representativas de toda nossa sociedade.

A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: SIM, a mulher pode!

Minha alegria é ainda maior pelo fato de que a presença de uma mulher na presidência da República se dá pelo caminho sagrado do voto, da decisão democrática do eleitor, do exercício mais elevado da cidadania. Por isso, registro aqui outro compromisso com meu país:

Valorizar a democracia em toda sua dimensão, desde o direito de opinião e expressão até os direitos essenciais da alimentação, do emprego e da renda, da moradia digna e da paz social.

Zelarei pela mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa.

Zelarei pela mais ampla liberdade religiosa e de culto.

Zelarei pela observação criteriosa e permanente dos direitos humanos tão claramente consagrados em nossa constituição.

Zelarei, enfim, pela nossa Constituição, dever maior da presidência da República.

Nesta longa jornada que me trouxe aqui pude falar e visitar todas as nossas regiões.

O que mais me deu esperanças foi a capacidade imensa do nosso povo, de agarrar uma oportunidade, por mais singela que seja, e com ela construir um mundo melhor para sua família.

É simplesmente incrível a capacidade de criar e empreender do nosso povo. Por isso, reforço aqui meu compromisso fundamental: a erradicação da miséria e a criação de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras.

Ressalto, entretanto, que esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem.

Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, enquanto houver famílias morando nas ruas, enquanto crianças pobres estiverem abandonadas à própria sorte.

A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo, mas para a qual peço humildemente o apoio de todos que possam ajudar o país no trabalho de superar esse abismo que ainda nos separa de ser uma nação desenvolvida.

O Brasil é uma terra generosa e sempre devolverá em dobro cada semente que for plantada com mão amorosa e olhar para o futuro.

Minha convicção de assumir a meta de erradicar a miséria vem, não de uma certeza teórica, mas da experiência viva do nosso governo, no qual uma imensa mobilidade social se realizou, tornando hoje possível um sonho que sempre pareceu impossível.

Reconheço que teremos um duro trabalho para qualificar o nosso desenvolvimento econômico. Essa nova era de prosperidade criada pela genialidade do presidente Lula e pela força do povo e de nossos empreendedores encontra seu momento de maior potencial numa época em que a economia das grandes nações se encontra abalada.

No curto prazo, não contaremos com a pujança das economias desenvolvidas para impulsionar nosso crescimento. Por isso, se tornam ainda mais importantes nossas próprias políticas, nosso próprio mercado, nossa própria poupança e nossas próprias decisões econômicas.

Longe de dizer, com isso, que pretendamos fechar o país ao mundo. Muito ao contrário, continuaremos propugnando pela ampla abertura das relações comerciais e pelo fim do protecionismo dos países ricos, que impede as nações pobres de realizar plenamente suas vocações.

Mas é preciso reconhecer que teremos grandes responsabilidades num mundo que enfrenta ainda os efeitos de uma crise financeira de grandes proporções e que se socorre de mecanismos nem sempre adequados, nem sempre equilibrados, para a retomada do crescimento.

É preciso, no plano multilateral, estabelecer regras mais claras e mais cuidadosas para a retomada dos mercados de financiamento, limitando a alavancagem e a especulação desmedida, que aumentam a volatilidade dos capitais e das moedas. Atuaremos firmemente nos fóruns internacionais com este objetivo.

Cuidaremos de nossa economia com toda responsabilidade. O povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios. O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável.

Por isso, faremos todos os esforços pela melhoria da qualidade do gasto público, pela simplificação e atenuação da tributação e pela qualificação dos serviços públicos.

Mas recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos.

Sim, buscaremos o desenvolvimento de longo prazo, a taxas elevadas, social e ambientalmente sustentáveis. Para isso zelaremos pela poupança pública.

Zelaremos pela meritocracia no funcionalismo e pela excelência do serviço público.

Zelarei pelo aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo.

Valorizarei o Micro Empreendedor Individual, para formalizar milhões de negócios individuais ou familiares, ampliarei os limites do Supersimples e construirei modernos mecanismos de aperfeiçoamento econômico, como fez nosso governo na construção civil, no setor elétrico, na lei de recuperação de empresas, entre outros.

As agências reguladoras terão todo respaldo para atuar com determinação e autonomia, voltadas para a promoção da inovação, da saudável concorrência e da efetividade dos setores regulados.

Apresentaremos sempre com clareza nossos planos de ação governamental. Levaremos ao debate público as grandes questões nacionais. Trataremos sempre com transparência nossas metas, nossos resultados, nossas dificuldades.

Mas acima de tudo quero reafirmar nosso compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados e das conquistas estabelecidas.

Trataremos os recursos provenientes de nossas riquezas sempre com pensamento de longo prazo. Por isso trabalharei no Congresso pela aprovação do Fundo Social do Pré-Sal. Por meio dele queremos realizar muitos de nossos objetivos sociais.

Recusaremos o gasto efêmero que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança.

O Fundo Social é mecanismo de poupança de longo prazo, para apoiar as atuais e futuras gerações. Ele é o mais importante fruto do novo modelo que propusemos para a exploração do pré-sal, que reserva à Nação e ao povo a parcela mais importante dessas riquezas.

Definitivamente, não alienaremos nossas riquezas para deixar ao povo só migalhas.

Me comprometi nesta campanha com a qualificação da Educação e dos Serviços de Saúde.
Me comprometi também com a melhoria da segurança pública.

Com o combate às drogas que infelicitam nossas famílias.

Reafirmo aqui estes compromissos. Nomearei ministros e equipes de primeira qualidade para realizar esses objetivos.

Mas acompanharei pessoalmente estas áreas capitais para o desenvolvimento de nosso povo.

A visão moderna do desenvolvimento econômico é aquela que valoriza o trabalhador e sua família, o cidadão e sua comunidade, oferecendo acesso a educação e saúde de qualidade.

É aquela que convive com o meio ambiente sem agredi-lo e sem criar passivos maiores que as conquistas do próprio desenvolvimento.

Não pretendo me estender aqui, neste primeiro pronunciamento ao país, mas quero registrar que todos os compromissos que assumi, perseguirei de forma dedicada e carinhosa.

Disse na campanha que os mais necessitados, as crianças, os jovens, as pessoas com deficiência, o trabalhador desempregado, o idoso teriam toda minha atenção. Reafirmo aqui este compromisso.

Fui eleita com uma coligação de dez partidos e com apoio de lideranças de vários outros partidos. Vou com eles construir um governo onde a capacidade profissional, a liderança e a disposição de servir ao país será o critério fundamental.

Vou valorizar os quadros profissionais da administração pública, independente de filiação partidária.

Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégios ou compadrio.

A partir de minha posse serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política.

Nosso país precisa ainda melhorar a conduta e a qualidade da política. Quero empenhar-me, junto com todos os partidos, numa reforma política que eleve os valores republicanos, avançando em nossa jovem democracia.

Ao mesmo tempo, afirmo com clareza que valorizarei a transparência na administração pública. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. Serei rígida na defesa do interesse público em todos os níveis de meu governo. Os órgãos de controle e de fiscalização trabalharão com meu respaldo, sem jamais perseguir adversários ou proteger amigos.

Deixei para o final os meus agradecimentos, pois quero destacá-los. Primeiro, ao povo que me dedicou seu apoio. Serei eternamente grata pela oportunidade única de servir ao meu país no seu mais alto posto. Prometo devolver em dobro todo o carinho recebido, em todos os lugares que passei.

Mas agradeço respeitosamente também aqueles que votaram no primeiro e no segundo turno em outros candidatos ou candidatas. Eles também fizeram valer a festa da democracia.

Agradeço as lideranças partidárias que me apoiaram e comandaram esta jornada, meus assessores, minhas equipes de trabalho e todos os que dedicaram meses inteiros a esse árduo trabalho.

Agradeço a imprensa brasileira e estrangeira que aqui atua e cada um de seus profissionais pela cobertura do processo eleitoral.

Não nego a vocês que, por vezes, algumas das coisas difundidas me deixaram triste. Mas quem, como eu, lutou pela democracia e pelo direito de livre opinião arriscando a vida; quem, como eu e tantos outros que não estão mais entre nós, dedicamos toda nossa juventude ao direito de expressão, nós somos naturalmente amantes da liberdade. Por isso, não carregarei nenhum ressentimento.

Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silencio das ditaduras. As criticas do jornalismo livre ajudam ao pais e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório.

Agradeço muito especialmente ao presidente Lula. Ter a honra de seu apoio, ter o privilégio de sua convivência, ter aprendido com sua imensa sabedoria, são coisas que se guarda para a vida toda. Conviver durante todos estes anos com ele me deu a exata dimensão do governante justo e do líder apaixonado por seu pais e por sua gente. A alegria que sinto pela minha vitória se mistura com a emoção da sua despedida.

Sei que um líder como Lula nunca estará longe de seu povo e de cada um de nós.

Baterei muito a sua porta e, tenho certeza, que a encontrarei sempre aberta.

Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade. A tarefa de sucedê-lo é difícil e desafiadora. Mas saberei honrar seu legado.

Saberei consolidar e avançar sua obra.

Aprendi com ele que quando se governa pensando no interesse público e nos mais necessitados uma imensa força brota do nosso povo.

Uma força que leva o país para frente e ajuda a vencer os maiores desafios.

Passada a eleição agora é hora de trabalho. Passado o debate de projetos agora é hora de união.

União pela educação, união pelo desenvolvimento, união pelo país. Junto comigo foram eleitos novos governadores, deputados, senadores. Ao parabenizá-los, convido a todos, independente de cor partidária, para uma ação determinada pelo futuro de nosso país.

Sempre com a convicção de que a Nação Brasileira será exatamente do tamanho daquilo que, juntos, fizermos por ela.

Muito obrigada,

Dilma Roussef Presidente do Brasil.

Dilma Roussef, Presidente da República

Dilma Roussef, Presidente da República

Dilma Roussef foi eleita Presidente da República Federativa do Brasil. Será combatida pelos média e rejeitada por alguns poucos setores das classes médias, de tendências fascistas e anti-liberais.

Não será antagonizada por uma verdadeira direita liberal, que isso falta ao Brasil. O antagonismo que a espera é resultante basicamente de ódio, preconceito, mesquinharia, ignorância e entreguismo.

A Presidente é verdadeiramente a pessoa adequada para levar adiante a realização de um país condizente com suas potencialidades, que são imensas.

Um Brasil proporcional às suas possibilidades é um país que rompa com o esclavagismo, ou seja, um país em que as riquezas naturais e os resultados do trabalho revertam para os seus detentores, sejam os trabalhadores, sejam os velhos, sejam os banqueiros.

Isso foi o que o Presidente Lula inaugurou: um pouco de liberalismo social-democrata. Esse pouco foi suficiente para despertar a ira de alguns oportunistas que se queriam liberais e meritocráticos sem, todavia, o serem. Isso foi o que pôs o país na rota do crescimento econômico.

Foi o que agora aprova-se nas urnas, o fim da segregação absoluta.

De Saramago para quem o quiser ler.

Eu sugiro aos entreguistas brasileiros, até porque está em linguagem bastante direta e assim não lhes doem os miolos, como acontece quando deparam-se com alguma sutileza maior ou com poesia.

“A mim parece-me bem. Privatize-se Machu Picchu. (…) privatize-se a Capela Sistina, privatize-se o Partenon (…) privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei (…). E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. (…) E já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.”

(José Saramago, in “Cadernos de Lanzarote – Diário III”, págs. 147/8)

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