Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Arrogância judiciária e a empulhocracia brasileira.

O chefe do sindicato dos juízes federais brasileiros disse que a categoria estava perplexa e chocada – um dia ainda se volta para o português escandalizado – com a resistência da Presidente Dilma Rousseff ao pedido de aumento salarial de 15% dos juízes. Eles têm salário inicial de R$ 21.000,00 e acham pouco, esse é o caso.

À parte o dinheiro, a indignação judiciária deu ocasião à espontaneidade e à sinceridade, coisas maravilhosas, um tanto raras, a revelarem profunda arrogância e percepção enviesada da realidade. O líder da corporação judiciária teve ocasião de afirmar que o governo não pode tratar um poder independente como se estivesse em uma negociação com motoristas de ônibus.

Mais adiante, outra afirmação interessantíssima e sistematicamente incoerente, a de que o governo não pode desconhecer o poder político dos juízes. Enfim, depois da arrogância, a volta ao disfarce e à confusão conceitual. Essa estória de poder independente associa-se à função deste poder e nada mais, ou seja, a independência é para aplicar a lei cabível a um caso. Não existe independência para resolver quanto se ganha, independentemente do resto do país e dos outros poderes.

O poder político dos juízes é uma impossibilidade no plano teórico, embora haja no plano real, evidentemente, como qualquer poder, que se baseia em chantagem. Não se trata de qualquer ilegalidade afirmar e praticar o poder político, apenas não se deve pretender que ele seja alguma prerrogativa institucional dessa classe burocrática. Trata-se, pura e simplesmente, de fazer pressões, como as podem fazer quaisquer classes.

A entrada em cena com formas de pedir explícitas e próprias de barganhas políticas vulgares é reveladora e significa uma boa tomada de riscos. É difícil recuar depois de se apresentarem as mais poderosas armas da chantagem, depois de chegar-se às etapas mais explícitas, sem se ter passado pelas sutilezas iniciais de rotina.

Com relação à arrogância e ao preconceito expressados contra os condutores de ônibus, a reação foi previsível e bem pensada. O chefe do sindicato dos motoristas afirmou o óbvio, ou seja, que houve preconceito explícito, e disse que dará entrada em ação contra o líder dos juízes federais. Isso basta, não interessa se terá êxito ou não.

É bastante complicado prever o esgotamento de algum ciclo, porque as condicionantes são muitas e diversas e ocorrem as euforias pré – morte. De maneira geral, a burocracia estatal brasileira não vive ciclos, porque sempre tem sido bem aquinhoada. Falo de maneira geral, porque dentro dela, há ciclos a envolverem uma e outra classe.

Como nunca alternamos propriamente momentos históricos marcados pelas opções políticas puras entre esquerdismo e direitismo, ficamos restritos a perceber os momentos pelas alterações nas classes burocráticas alçadas a intermediárias privilegiadas na simbiose do Estado com as grandes corporações privadas.

Enfim, na intermediação da predação privada dos dinheiros públicos alternam-se grupos e classes burocráticas, ao sabor de um padrão perceptível de alternâncias. Os limites cronológicos entre o predomínio de um e outro grupo não são fixos nem claros como uma linha divisória, evidentemente.

A lógica interna dos grupos demanda que sempre se busque mais, porque nunca se pode consolidar a idéia de ter-se chegado a um máximo, por razões evidentes: depois do máximo, sempre se decai!

Apenas como exemplo, lembro que recentemente, há pouco mais de vinte e cinco anos, os intermediários privilegiados da relação entre o Estado e as grandes corporações privadas eram os grupos burocráticos das empresas públicas de energia, telefonia, petróleo e do setor bancário. Esse grupo teve sua posição privilegiada demolida em poucos anos, em decorrência dos consulados de dois Fernandos Presidentes.

As linhas burocráticas jurídica e fiscal retornaram ao centro da cena e instalaram-se nas posições destacadas de apropriação das rendas estatais e de interlocução com os capitais privados. Na verdade, para os grande capitais, pouco ou nada importa essa alternância que se dá nos estratos médios – superiores da sociedade, porque essa camada ganhará as migalhas e sempre prestará vassalagem ao poder real.

Para que se constitua o que chamo empulhocracia jurídica são necessárias demandas e problemas judiciais em grande escala. O setor privado não as consegue prover na quantidade suficiente, a despeito das causas trabalhistas. Então, o Estado tem que desempenhar esse papel de criar o problema cuja existência interessa a todos.

O Estado atende a esse chamado, porque afinal sua vontade resulta das muitas vontades minimamente divergentes dos funcionários que dele se apropriam. Nesse ponto, alguém pode objetar o previsível, ou seja, que não se faz isso ou aquilo deliberadamente para que dê errado e crie problemas.

Realmente, se se vir a coisa toda com lupa, tomando-se um agente público isolado e o analisando, indagando suas inclinações psicológicas, seus motivos determinantes, suas finalidades declaradas, não se extrairá que aja deliberadamente para alimentar o sistema de problemas artificiais que se retro-alimentam.

Mas, o sistema todo confirma a tese e age por uma cumplicidade inercial independente dos seus componentes isolados. Se é preciso uma justificação, ainda que aparente, se são precisos atos que depois parecerão absurdos, para que um grupo tenha seus momentos de destaque, eles serão feitos.

No caso da empulhocracia jurídica, convém dizer que o sistema não atende somente aos interesses de uma burocracia estatal, porque os advogados privados são parte de uma estreitíssima simbiose, em que todos têm interesse nos problemas. Claro que todos viverão a falar mal da qualidade das leis, do desrespeito a elas, dos arbítrios do Estado, ou seja, de tudo que lhes resulta em ganhos.

A parte maior da litigiosidade judicial brasileira envolve o Estado. Alguém que não seja parte dessa cumplicidade, quero dizer, alguém que veja a coisa de fora e que tenha conhecimentos jurídicos, dirá que isso é um absurdo. Sim, porque o Estado – na forma de república democrática representativa constitucional – é a entidade em que o poder soberano do povo está funcionando praticamente.

Ora, a ação estatal não pode resultar em tantas e tamanhas ilegalidades, na medida em que ele é e faz a legalidade. Um problema do Estado ou contra ele resolve-se legalmente, nele. A demanda judicial contra o Estado é, portanto, uma anomalia, uma excepcionalidade, assim como são suas consequências práticas: uma justiça só para demandas estatais, um corpo de advogados do Estado, um corpo de fiscais da lei deste próprio Estado.

Se o número estupidamente elevado de causas deve-se aos defeitos das leis, está óbvio que todos são partes interessadas em que as leis tenham defeitos, porque não se cuida aqui de uma ciência obscura, para iniciados, senão que se cuida pura e simplesmente um sistema hierarquizado de adequações modelares.

As engrenagens desse sistema terão que seguir seu rumo de repetição de críticas aos erros e abusos, sempre dos outros, assim indefinidamente, porque não podem ou não conseguem ver o substrato do que está em marcha. Os serviços, entre eles os de resolução de conflitos legais, existem para a excepcionalidade deles acontecerem e, não o inverso. Ou seja, os conflitos não existem para que haja os serviços.

No final e ao cabo, trata-se de decisões políticas, que os agentes políticos tomam para atender aos mais variados interesses e sentem-se à vontade para tomá-las nas piores formatações possíveis. A cumplicidade na má-conformação dos atos legais é amplíssima, portanto, e se alimenta dela mesma.

Se, por exemplo, uma qualquer matéria legal dá ensejo a milhões de causas nos tribunais e se quer sinceramente que essas causas deixem de existir, basta resolver legalmente o que está a ser resolvido no mesmo sentido em milhões de processos diversos! Quem perde com a obviedade, essa é a questão!

 

 

 

Neopentecostalismo: ideologia condutora de significativa parte da classe-média ascendente.

Lamento que essa seja a ideologia de eleição da classe-média ascendente brasileira, mas não lamento minimamente que haja mais e mais ascensão das classes médias baixas. Na verdade, esse movimento de crescimento e redistribuição de riquezas é tímido, embora melhor tímido que nulo.

Desse modelo ideológico, muito precariamente pode-se dizer que é uma variante das denominações reformadas históricas, porque seu substrato teológico é muito rarefeito e disperso e mesmo divorciado do que se tomam como suas bases: as escrituras bíblicas judáicas e do novo testamento.

As estruturas da reforma original são, sim, bibliólatras, em sentido muito restrito, até porque usam de livros escolhidos para anunciar uma reforma contra quem os escolheu. Detém-se no estudo desses livros e dão-lhes um caráter revelado, o que sugere uma contradição entre o gosto pela história das fontes e a crença na sua natureza revelada. Ademais, não se servem de textos cristãos primitivos apócrifos, aceitando a escolha feita por aqueles de quem se querem diferenciar.

A princípio, é algo que se parece inspirado na simplificação e na razão, dois problemas quando se trata de religiosidade. O cristianismo de Roma – que não vou ater-me à parte mais próxima das origens, a ortodoxia, porque não temos sua ocorrência – prendeu-se muito à razão, mas não à simplificação. Apropriou-se de Platão e de Aristóteles, o que resultou em um sistema bom e em uma religião vazia e morta.

A reforma veio a ter seu São Tomás em Kant, tão pouco lido como muito celebrado. O que sai dele é um moralismo profundamente sofístico, no que são as premissas iniciais, puras, abstratas, sabe-se lá de onde tenham vindo. Esse conjunto de idéias, que de religiosidade tem a hierarquia e a aceitação de que se decifram designios divinos, serviu bem a uma classe – ou ordem – que se insinuava no protagonismo social.

Da mesma forma, o cristianismo de Roma tinha servido bem a uma classe de libertos e soldados que reivindicavam sua presença no palco social, mil anos anteriormente.

Não quero reduzir as religiosidades a utilidades sociais, apenas destaco essa função que têm. Até porque, as funcionalidades existem a par com as crenças profundas e a sinceridade existente nessas últimas. Não são as religiosidades apenas meios de controle  e coesão social, evidentemente, mas também o são.

Tampouco quero estratificar as religiosidades em seus períodos de florescimento a partir de seus graus de sinceridade de crença e de utilitarismo social. Quero apenas diferencia-las, tanto no tempo, como no espaço. Por esses critérios, elas são diferentes, assim no que têm de religioso, como no que têm de estrutura social.

O neopentecostalismo é nitidamente um fenômeno de raízes norte-americanas. As ideologias reformadas que chegaram à América no Norte, com a colonização, eram basicamente as mesmas que havia na Europa. Lá, mutaram-se, em prazo médio, no que originou o neopentecostalismo atual.

A construção da nação norte-americana não se podia basear em muitos mitos fundadores comuns, porque a fundação era recentíssima e as diferenças regionais imensas. Ou seja, não havia discurso de história nacional a dar o sentido de coesão e a servir de argumento de controle social. Algo devia ocupar o espaço vazio.

Esta ocupação não era possível com tradições alheias, em ambiente de terra-de-ninguém e dissolução de costumes permitida pela ausência de poderes normativos efetivos. E a dissolução ameaçava a prosperidade material. Então, a base reformada foi adaptada e simplificada, para tornar-se em código de conduta e em promessa de recompensa material para quem o seguisse.

Isso – com todas as várias diferenças pontuais óbvias – foi transplantado para o Brasil e cumpre seu papel. Não significa, todavia, que outros modelos não pudessem ter sido adotados, embora evidencie o fracasso deles em se apresentarem para a tarefa. O modelo dominante, o cristianismo de Roma, parece ter sido incapaz de ocupar o espaço por elitismo.

Elitismo, aqui, deve se considerado com algum rigor e sem preconceitos. É a postura que aceita quase tudo, materialmente, ainda que aceite poucos desvios formais. Nas formas está seu código e na complexidade delas sua exclusividade. Para quem as domine, o campo é aberto e de vasta tolerância, mas para quem não as domine, abre-se a perspectiva da submissão hierárquica.

No que diz respeito às crenças religiosas propriamente ditas, o modelo romano antes dominante foi incapaz de assimilar os gnosticismos populares – muitos de origens africanas – mesmo que tenha havido muita propaganda de algum sincretismo, na verdade discretíssimo e somente aparente.

Foi incapaz porque sua racionalidade é imensa, tão grande quanto sua insinceridade religiosa. Não se encontraram lugares para tantos demônios e mensajeiros sem nome no panteão original, mesmo que esse panteão tenha sido, ele próprio, uma concessão inteligente ao paganismo, dois mil anos atrás. As corporações dificilmente conseguem repetir grandes idéias.

O modelo neopentecostal que seduziu vastamente as classes mais baixas e as médias ascendente assimilou medos, demónios, anjos, aspectos particulares da divindade e tudo o mais, despersonalizando-os e metendo-os todos em um grande esquema de recompensas, de mão dupla.

A idéia da via de mão dupla entre o postulante e o seu deus de escolha é genial. Por ela, justificam-se situações díspares. O sujeito que quer uma recompensa adota comportamentos que agradam ao deus e pede-lhe o que quer; se não conseguir, é porque pediu pouco ou não adotou os comportamentos que agradam ao deus. O que já tem aquilo desejado por todos – o rico, enfim – está previamente justificado, na mesma lógica, porque foi aquinhoado pelo deus. Ora, se foi aquinhoado, significa que cumpriu as obrigações.

Ficam todas as situações justificadas, portanto. Aquela do que cumpre as regras de um manual de condutas e quer ficar rico e aquela de quem é rico, embora não se saiba se cumpriu as tais regras mas que,  se já é, inútil discutir se cumpriu as prescrições.

Bem, o fato é que as classes médias ascendentes brasileiras querem sua oportunidade de ganhar dinheiro, de gastá-lo e de impor-se como grupo, ou seja, divulgar suas ideologias e seus valores. E essas são basicamente o ideário neopentecostal que, no plano social, é uma moralidade retributiva, repleta de prescrições de costumes que nada têm a ver com prescrições bíblicas, o que não vem ao caso e não importa.

Adotar e impor prescrições comportamentais a título de religiosidade é algo tão incoerente como qualquer racionalização de vontade de justificação  e de poder. É dizer que se seguem regras e que elas são universalmente válidas, ou seja, é afirmar a validade de regras inquestionáveis , cuja implementação não obedece a limites, porque afinal são divinas.

Mas, alterando-se um tanto o viés, chega-se a resultados desagradáveis dessa neopentecostalização do Brasil, para além das teorias. Trata-se da intolerância e da má educação cívica. A primeira é filha dos moralismos médio-classistas alçados a desígnios divinos, algo que os conservadores de classes mais altas acham desprezível e controlável, porque sempre ignoraram o poder das vontades populares e nunca se ocuparam em compreender-lhes.

A segunda é mais do mesmo, agora também justificada,  moral e religiosamente. Assim, barulhos imensos, invasões de privacidade, e invasões várias às esferas de liberdade individual vão consagrando-se e cristalizando-se como hábitos sociais válidos.

A arrogância das classes dominantes percebe-se no desdém e na crença de que não passam de movimentos aparentemente controláveis dos mais pobres. Desprezam os pobres e acham nesse desprezo razões para desprezarem a necessidade de compreensão da dinâmica social. É a gente que perde o controle, perde a compreensão e fica com raiva.

A intolerância suportada teoricamente por neopentecostalismos só viceja porque vem ao encontro de arcaicos modelos de poder social. Esses modelos já existiam e precisavam de um suporte teórico. Agora que o têm, ampliam-se.

Precisamos de 60 Rafales e outros tantos Scalp nucleares, além de 10 submarinos. Ou, a Bomba Atômica, para ser claro.

O discurso do desarmamento no galinheiro alheio é meio de roubar-lhe as galinhas. Nesse assunto – como geralmente nas coisas sérias de vida – vale o tudo ou nada. O contrário é hipocrisia e moralismo de escravos, de jornal das oito da noite. Ou seja, coisa que pressupõe superioridades morais que não existem nas relações internacionais.

Com relação à detenção de armamentos nucleares, pouco não é diferente de tudo. Para o mundo, é indiferente que um, dois ou mil países detenham armas nucleares, pois os riscos são os mesmos. Diferença haveria se nenhum  as detivesse: essa é a verdade despida dos mil-e-um acessórios que existem para estupidificar a discussão.

A pergunta óbvia que esclarece o raciocínio é a seguinte: por que eu quero que você não tenha bombas atômicas, embora queira eu tê-las? Porque eu quero mandar em você, roubar-lhe e ser árbitro final de suas decisões.

Mas eu digo que você não pode tê-las porque elas só estão seguras comigo. Por que essa idéia obtém tantos adeptos, a repeti-la como a um frase mágica? Porque é a idéia mais tola e falsa e, precisamente por isso, a mais apta a ser maioritariamente seguida.

Embora canse e não atraia atenções, um pouquinho de lógica vem a calhar. Se alguém, ou mais de um, têm bombas em quantidades suficientes para dar cabo do mundo, não há qualquer sentido em afirmar-se que a segurança mundial diminui se outros mais as tiverem.  O elemento principal, que deve ser apontado como qualquer obviedade deve, é a quantidade suficiente para acabar com tudo. Pronto, eis o risco, o número mágico; depois disso, o absurdo.

Para manter-me honesto comigo mesmo devo dizer que haveria também diferença se apenas um as detivesse. Sim, porque bastaria a ele ameaçar usa-las. Mas essa suposição é inútil, por duas razões: a primeira, de cunho fático. Ora, as armas nucleares são possuídas por mais de um, então, volta-se ao caso de a única solução ser ninguém as deter.

A segunda razão é que um mundo em que só um as detivesse seria a dominação absoluta e a redução dos restantes à mais aviltante subserviência e miséria. Algo difícil de afirmar-se preferível a qualquer outra situação, até mesmo ao fim total.

A bomba é das coisas mais geniais que já se inventaram, ao lado da penicilina e dos opiáceos sintéticos. Ela é a maximização do poder de negociação, com os menores custos. Ela é, inclusive, o que torna as escaladas militares o contra-senso de despesas absurdas que se vê. Prova que o complexo industrial-militar – na terminologia brilhante de Eisenhower – é um sistema auto-alimentado e sem sentido.

Depois das 100 ogivas e dos mísseis para leva-las, quem precisa de biliões de dólares gastos em navios, metralhadoras, soldados e outras coisas mais deste gênero? Quem precisa são os militares e os industriais que vivem em perfeita simbiose para roubar o dinheiro do povo pagador de impostos.

Os países roubam-se e isso não constitui qualquer novidade. Rouba quem pode e é roubado quem não pode evitar e tem o que ser levado. Depois do assalto consumado, o aparelho de propaganda vem fazer seu serviço de convencer os roubados de que nada aconteceu, de que se trata de livre mercado, meritocracia e outras tolices mais.

Sempre roubou-se e sempre se produziram discursos para justificar os roubos. Uns roubam para civilizar, outros roubam para converter a uma fé. Alguns não são roubados porque conseguiram evita-lo.

O Brasil é um país extremamente atraente para ser roubado. Hoje, nem tanto o roubo da força de trabalho, que essa é melhor de roubar-se na Ásia. Mas, quanto a recursos naturais, é bastante atrativo. Trata-se de óleo combustível, minérios sólidos metálicos e não-metálicos, água e soja, basicamente, embora não apenas.

Coisas que, não à toa, a propaganda vem dizendo que serão menos necessárias, por conta do avanço tecnológico. Discurso para tentar convencer os roubados de que seus recursos valem ou valerão pouco. Mentiras, enfim, porque não há tecnologias que permitam a redução significativa da demanda por tais recursos.

Mentiras rasteiras que seduzem pseudo-modernos com discursos pueris como, por exemplo, o do carro elétrico. Ora, a energia que move o carro elétrico não sai do nada, ela sai da queima de alguma coisa que alguém deixou de comer, das quedas d´água, da fissão do urânio…

A única forma de equalizar a produção e o consumo de recursos naturais e, consequentemente, a necessidade de rouba-los, seria o que ninguém quer falar: o empobrecimento de quem está mais rico. Claro que acontecerá, mas haverá percalços.

Para não sermos roubados, mais imediatamente falando de óleo, precisamos da bomba. Claro que precisamos dos seus vetores, os aviões, mísseis e submarinos, mas isso é o mais fácil. Precisamos da bomba, a despeito de tratados de imposição de subserviência – como o de não proliferação nuclear.

Coisas de pequena monta, bastando lembrar o exemplo israelense, que revela a desimportância de ONUs da vida e suas resoluções, reiteradamente descumpridas por Israel sem quaisquer consequências pois, afinal, Israel tem a bomba e a ONU que se f… A imprensa cuida bem de demonizar os outros por tolices e fazer esquecer quem descumpre os papéis da ONU, com sucess0 e, provavelmente, com a anuência da própria ONU.

Há um risco? Sim, há. De termos a bomba e passarmos a querer, além de evitar o roubo dos nossos recursos, roubar os dos outros. Há precedentes disso? Muitos, basta lembrar o que fazem todos que as detém em nome de sua segurança.

Risco foi tê-las inventado…

A marca da diferença. Umas palavras sobre a tacanhez social.

A marca pela diferença é atitude social. Ela precisa de indivíduos adultos – ou semi-adultos – reunidos em grupos. Adultos porque as crianças pré-púberes diferenciam em termos individuais absolutos, pouco induzidos por valorações sociais: aqui, está-se em nível ainda muito subjetivo. A evolução biológica e a sociabilização conduzem à marcação social.

O termo marca utiliza-se aqui com nítida significação de selo negativo, ou seja, marca-se alguém ou um grupo para evidenciar juízo de valor negativo e, se possível, de exclusão. Fica claro que é um dos vários mecanismos de obtenção e manutenção de poder em sociedade.

Não me parece que haja sociedades menos tendentes à marcação social que outras, até porque são constituídas da mesma matéria humana. Suas diferenças estruturais operam dentro do limite material que é a mesma constituição básica. Quer dizer, vários arranjos são possíveis com pessoas, mas todos eles limitados pela circunstância de sua constituição. Da mesma forma, podem-se fazer várias coisas de pedras, mas nada além dos limites da pedra.

É possível identificar, todavia, modelos estruturais sociais em suas várias etapas de desenvolvimento. Portanto, é possível perceber a mudança dos padrões de marcação social, até como uma espécie de maneira de datação de uma estrutura social. Claro que isso pressupõe a existência de modelos culturais mais ou menos uniformes, a caracterizarem que um grupo encontra-se em uma determinada linha civilizatória.

As diferenças, obviamente, dependem da proximidade com que se vêem os objetos. As formas de vida contemporâneas brasileira urbana e dinamarquesa urbana podem ser muito diferentes, observando-as de próximo. Se, todavia, afastamos a lupa e tomamos uma distância que permita colocar no campo visual a Indonésia, percebemos que as diferenças reduzem-se bastante entre os dois primeiros exemplos e tornam-se mais destacadas em relação ao terceiro.

Por isso, fala-se em civilizações, aqui sem qualquer juízo de valor, apenas como taxonomia psicológica, social, econômica, religiosa e política. Classificação a partir de raízes comuns e semelhanças e dessemelhanças, maiores ou menores. E os grupos civilizacionais podem encontrar-se em estágios diferentes de uma marcha que, se não é muito previsível, ao menos atende a certas probabilidades, devido às suas semelhanças.

Falar em estágios não significa dizer que as marcações sociais que lhes são próprias caracterizam uma evolução valorativa, senão que são diferenças, pura e simplesmente. Ou seja, o termo evolução tem aqui um sentido mais propriamente cronológico, ou histórico, embora não sejam conceitos iguais, tempo e história.

As marcações são prisões inescapáveis das maiorias. Sem fazê-las, sentem-se inseguras, impotentes, sem chão que pisarem. Como quero apontar os juízos de valor meus, deixo claro que o ser modo de agir das maiorias qualifica-lhes como um meio tacanho, na medida em que comuns e mais frequentes hábitos sociais são os que revelam menores usos das capacidades humanas. Assim é, mesmo que pareça desagradável a idéia de que a excelência implica minoria.

As maiorias marcam para identificar – a si e aos outros – para dominar, para excluir, para compreender o mundo em que vivem. Trata-se, portanto, de uma maneira de referenciação e de localização social. A partir de um ponto – de um complexo de atitudes verificadas na maioria – sabe-se identificar o ponto desviante e apontar esse desvio, convidar ao retorno à curva maioritária e, caso resulte falha a tentativa anterior, distinguir e punir socialmente com a marca da diferença.

A marca social implica que o qualificativo seja negativamente apreciado. Evidentemente, no sentido contrário, o sistema de marcação busca a todo custo evitar que os selos tornem-se inertes axiologicamente. Nesse momento, penso especificamente na marca da homossexualidade.

As pessoas em sua maioria têm avidez por compreender as outras segundo seus modelos. Não têm avidez pela compreensão, mas pela apreensão dos fatos sociais segundo as formas pré-estabelecidas de que dispõem. Querem, em outras palavras, saber em qual prateleira psico-social devem por uma pessoa e seu comportamento. Se não encontram o compartimento adequado, partem para marcar o diferente e marca-lo negativamente.

A necessidade de marcar negativamente tem uma interessante condicionante psicológica, além das previsíveis sociológicas: o ser comum, tacanho, sente-se pessoalmente ofendido por haver categorias que não caibam especificamente nas poucas prateleiras que seu cérebro tem. Algo como uma direta acusação de tacanheza, que deve ser repreendida.

No modelo civilizacional de matriz grega e monoteísta cristã, a marca da homossexualidade é negativa. Em diversos grupos inseridos nesse modelo, todavia, verifica-se que a marca persiste, embora adquira certa inércia valorativa e pareça apenas descritiva. Pode-se observar, nestes últimos, que o selo existe, embora não queira significar necessariamente a diferença negativa.

Há um elemento sutil que desponta nessa marcação e ele apresenta-se nítido em sociedades de recente transição de predomínio de cultura rural para cultura urbana, como dá-se com o Brasil. Trata-se da negatividade da marcação como homossexual, usada sem precisão e com propósito punitivo social exclusivo.

A utilização de uma marcação precisamente corresponde à sua adequação à conduta da pessoa marcada. Assim, chama-se homossexual – advirto que renuncio à utilização dos termos vulgares e à noção de que conferem verossimilhança àlgum texto – àquele que tem práticas sexuais voltadas a pessoas do mesmo sexo e, porque o termo é escasso de significado, àqueles que têm posturas homoafetivas, também.

Ou seja, na hipótese da marcação precisa, a maioria identifica o homossexual evidente para puni-lo, por diferenciação clara para com ela. Chama pelo nome uma conduta que verifica diferente, para marca-la. No limite, aceita-a criando uma prateleira cerebral para coloca-la, no lado em que são colocadas as coisas que reputa perigosas.

Essa forma, acima falada, é a pura marcação. Tacanheza que não impede a existência de outras maiores. As maiores podem fornecer o material da acusação da maior tacanheza, aquela que vem repleta de ignorância, indisfarçável.

Ocorre que o diferente nem sempre é facilmente classificável. E ocorre também que qualquer diferença é ameaçadora, até a indiferença. Logo, a indiferença a certas práticas e valores das maiorias precisa ser marcada. Aqui, volta um aspecto principalmente psicológico, ou seja, precisa ser marcado o que parece infirmar as verdades da maioria. Marca-se por reação do que se julga uma acusação.

Pouco importa, para a marcação social, que as condutas do marcado não estejam orientadas para o confronto do modelo maioritário. O confronto existe pela simples diferença, independentemente de aspectos volitivos. As maiorias sociais não punem pela vontade, mas pela simples diferença, que impede a apreensão de uma conduta por mentes comuns.

Assim, muitas vezes, a rejeição a práticas frequentes é tomada como rejeição à maioria. Esta, a maioria, precisa qualificar para si a rejeição e fá-lo a partir de critérios subjetivos e coletivos, marcando algo meio difuso com o selo que utiliza para negativar o que consegue distinguir mais precisamente.

Chego ao ponto: com preguiça de pensar e avaliar o entorno além dos miseráveis modelos que possui, a maioria qualifica imprecisamente tudo que se lhe afigura diferente. Com preguiça de pensar e tentar elaborar novas categorias negativas de marcação, a maioria usa do que dispõe.

Claro que classificando precisa ou imprecisamente a maioria está a marcar negativamente. Mas, a marcação imprecisa revela mais claramente a perversidade da padronização classificatória das maiorias: a tendência a julgar indistintamente, a julgar sumariamente, a julgar por critérios largos, ávida por punir rapidamente.

Itália percebe que não pode chantagear o Brasil no caso Battisti.

Não utilizo a palavra chantagem, no título, para escandalizar com bobagem terminológica. Utilizo-a porque é precisamente de chantagens várias que são feitas as relações políticas internacionais, embora sob disfarces e com aparência de submissão a regras invioláveis.

O caso é que o governo brasileiro concedeu asilo a Cesare Battisti e, consequentemente, negou a extradição dele, pedida pela Itália. Esse pequeno texto não visa a expor posição sobre o caso, por isso limito-me a dizer que me parece errada a posição do governo brasileiro, porque reputo comuns os crimes de Battisti.

O que chama atenção, abstraindo-se do caso em si, é que a Itália percebeu a inviabilidade de chantagear comercialmente o Brasil, como forma de pressionar pela extradição, ou de retaliar pela não concessão dela. Ou seja, o Brasil tem um peso econômico que não recomenda a travagem de relações comerciais ou a imposição de barreiras fiscais.

Esse é o fato novo com relação ao Brasil: seu peso econômico mundial e os reflexos nas relações com os estados soberanos. Por um lado, o fato parece ser melhor percebido fora do país que dentro dele. Assim, excepto por alguns grupos e pelo governo,  a maioria do povo está alheia a essa entrada no protagonismo internacional.

Tal alheamento é resultante de falta de educação formal, de falta de tempo para ocupar-se com coisas outras além da sobrevivência e da massiva desinformação promovida por setores da imprensa que jogam pela tese da dependência.

O problema da idéia da dependência é que ela propõe a impossibilidade de rompimento desse tipo de relação, ou seja, é uma tese que se retro alimenta. Assim, é mais uma proposição política que uma teoria científica das relações internacionais.

O país necessita compreender bem a situação que ocupa e ocupará cada vez mais, para não ser aquilo que os argentinos diziam e ainda dizem: um elefante desgovernado. Precisa compreender quais vantagens pode retirar do seu crescente peso econômico e político internacional, para não subestimar, nem superestimar a realidade.

E agora, Brasil? Texto de Fábio Konder Comparato.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de decidir que o Brasil descumpriu duas vezes a Convenção Americana de Direitos Humanos. Em primeiro lugar, por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na chamada Guerrilha do Araguaia. Em segundo lugar, pelo fato de o nosso Supremo Tribunal Federal haver interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro de oponentes políticos, a maior parte deles quando já presos pelas autoridades policiais e militares.

O Estado brasileiro foi, em conseqüência, condenado a indenizar os familiares dos mortos e desaparecidos.

Além dessa condenação jurídica explícita, porém, o acórdão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contém uma condenação moral implícita.

Com efeito, responsáveis morais por essa condenação judicial, ignominiosa para o país, foram os grupos oligárquicos que dominam a vida nacional, notadamente os empresários que apoiaram o golpe de Estado de 1964 e financiaram a articulação do sistema repressivo durante duas décadas. Foram também eles que, controlando os grandes veículos de imprensa, rádio e televisão do país, manifestaram-se a favor da anistia aos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar. O próprio autor destas linhas, quando ousou criticar um editorial da Folha de S.Paulo, por haver afirmado que a nossa ditadura fora uma “ditabranda”, foi impunemente qualificado de “cínico e mentiroso” pelo diretor de redação do jornal.

Mas a condenação moral do veredicto pronunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos atingiu também, e lamentavelmente, o atual governo federal, a começar pelo seu chefe, o presidente da República.

Explico-me. A Lei Complementar nº 73, de 1993, que regulamenta a Advocacia-Geral da União, determina, em seu art. 3º, § 1º, que o Advogado-Geral da União é “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão” do presidente da República. Pois bem, o presidente Lula deu instruções diretas, pessoais e imediatas ao então Advogado-Geral da União, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, para se pronunciar contra a demanda ajuizada pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal (argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153), no sentido de interpretar a lei de anistia de 1979, como não abrangente dos crimes comuns cometidos pelos agentes públicos, policiais e militares, contra os oponentes políticos ao regime militar.

Mas a condenação moral vai ainda mais além. Ela atinge, em cheio, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciaram claramente contra o sistema internacional de direitos humanos, ao qual o Brasil deve submeter-se.

E agora, Brasil?

Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que se o nosso país não acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele ficará como um Estado fora-da-lei no plano internacional.

E como acatar essa decisão condenatória?

Não basta pagar as indenizações determinadas pelo acórdão. É indispensável dar cumprimento ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, que obriga o Estado, quando condenado a indenizar alguém por culpa de agente público, a promover de imediato uma ação regressiva contra o causador do dano. E isto, pela boa e simples razão de que toda indenização paga pelo Estado provém de recursos públicos, vale dizer, é feita com dinheiro do povo.

É preciso, também, tal como fizeram todos os países do Cone Sul da América Latina, resolver o problema da anistia mal concedida. Nesse particular, o futuro governo federal poderia utilizar-se do projeto de lei apresentado pela Deputada Luciana Genro à Câmara dos Deputados, dando à Lei nº 6.683 a interpretação que o Supremo Tribunal Federal recusou-se a dar: ou seja, excluindo da anistia os assassinos e  torturadores de presos políticos. Tradicionalmente, a interpretação autêntica de uma lei é dada pelo próprio Poder Legislativo.

Mas, sobretudo, o que falta e sempre faltou neste país, é abrir de par em par, às novas gerações, as portas do nosso porão histórico, onde escondemos todos os horrores cometidos impunemente pelas nossas classes dirigentes; a começar pela escravidão, durante mais de três séculos, de milhões de africanos e afrodescendentes.

Viva o Povo Brasileiro!

Serra e o entreguismo escancarado.

Essa maravilha que são os vazamentos do Wikileaks deixou claro que o entreguismo era a força motora da campanha de José Serra, o corretor do Brasil.

Uma comunicação diplomática de dezembro de 2009, revela que a executiva da Chevron Patricia Pradal conversou com o então candidato José Serra sobre o modelo de exploração do petróleo brasileiro. E que o candidato assegurou-lhe que mudaria o modelo novamente, para diminuir a participação da Petrobrás e, evidentemente, leiloar a festa entre as petroleiras estrangeiras.

A representante da Chevron relatou as conversas ao Cônsul norte-americano no Rio de Janeiro, que as repassou ao Dep. de Estado. A preocupação dessa gente é o modelo de partilha, adotado para a exploração das imensas reservas do pré-sal brasileiro. Eles temiam que a Petrobrás assumisse papel muito destacado na exploração e queriam, como sempre querem, espaço para o saque.

Que José Serra representou os entreguistas, todos sabem, embora nem todos queiram aceitá-lo. Agora, o que sempre se soube está documentado sem eufemismos em uma correspondência oficial da diplomacia norte-americana, com aquela clareza de identificar os nossos e os outros.

Brasil: as raízes da deformação social – Atualizado.

O Programa Internacional de Avaliação de Alunos – Pisa divulgou os resultados das avaliações de 65 países. O Brasil ficou na 53º posição, ou seja, muito próximo das últimas. Ainda que tenha melhorado em relação a 2006, a situação é terrível. Como disse a Economist, a situação brasileira evoluiu de desastrosa para muito ruim.

Há dois dados que merecem olhar atento e menções cuidadosas e sem eufemismos, por isso transcrevo adiante passagens da matéria da revista, citada na BBC em português:

Mesmo escolas privadas e pagas são medíocres. Seus pupilos vêm das casas mais ricas, mas eles se tornam jovens de 15 anos que não se saem melhor que um adolescente médio da OCDE”

“Apesar do avanço, a revista diz que dois terços dos jovens de 15 anos são incapazes de fazer qualquer coisa além de aritmética básica.”

A primeira conclusão é que a falta de educação é bastante democrática e permeia todas as classes sociais, embora as mais altas não o aceitem.

A segunda conclusão é que o nível de escolaridade médio é obscenamente baixo. A enorme maioria das pessoas não é capaz de compreender um texto, qualquer que seja ele, nem de expressar-se por escrito, ainda que em um bilhete.

E expressa-se oralmente por uma linguagem repleta de termos ambíguos, repetidos e plurisignificantes. Claro que sempre haverá um e outro linguista a chamar essa imprecisão de riqueza da oralidade. Mas, isso é o germe da pobreza e da aceitação da dominação, sem percebê-la.

Nesse ambiente, os que dominam razoavelmente algumas ferramentas lógicas, ou seja, sabem construir um período minimamente coerente, têm aberto o caminho da pequena sofística e obtém as migalhas que bastam-lhes para serem 10% da população.

O incremento da concentração de rendimentos permite que as camadas médias permaneçam mais ou menos onde se encontram, na escala social, com menos competências. Isso porque as vastas camadas baixas e baixíssimas não possuem, de regra, educação alguma. É aquilo que vulgarmente enuncia-se naquele dito genial: em terra de cego, quem tem um olho é rei.

É interessante que a revista Economist não consegue escapar da prisão das suas condicionantes ideológicas. Ela diz que o problema é de dinheiro. Ela tem que referir tudo a dinheiro, é claro, mas incorre em uma contradição. Se a publicação diz que o nível das escolas privadas e públicas é muito semelhante e se sabe que as primeiras são caríssimas, devia perceber que a associação está errada.

Gasta-se muito dinheiro em educação privada no Brasil e, nada obstante, ela é péssima. Evidentemente que mais dinheiro ainda poderia significar um incremento marginal de qualidade, mas a falta dele não é a causa principal dessa comédia de horrores.

O ponto central é o pacto pela mediocridade. Esse acordo é daqueles que se pactuam com Satanás de fiador e os contratantes acham imensas vantagens nele. Dá-se algo como o sujeito que está feliz por pagar juros de 10% porque algum vizinho está a pagar 11%. Apenas o fulano desconhece que há quem pague 09%.

O pacto pela mediocridade funciona assim: um pequeníssimo grupo chama outro menos pequeno e garante-lhe que não se deve preocupar com bobagens de livros, investigações e coisas do gênero, porque eles estão a engendrar um mundo maravilhoso de abundância, que será obtida por duas razões, a primeira mágica, a segunda o trabalho de um terceiro grupo.

O segundo grupo – o menos pequeno – acha a idéia sedutora, mas antevê por entre algumas sombras que ainda falta algo para fechar a conta. Claro, diz o grupo mais pequeno, mas pensamos nisso também. O pacto vai ser firmado com o terceiro grupo também!

O grupo intermédio, sincero nas suas desconfianças, objeta timidamente que talvez o terceiro grupo não queira aderir. Mas, a verdade descortina-se a uma revelação do primeiro grupo: ora, o terceiro grupo é incapaz de expressar sua vontade, precisa ser tutelado. Fiat lux!

Firmamos por ele, que precisa ser tutelado e afinal não compreende coisa alguma do extenso contrato.

Permito-me inserir, aqui na postagem, o comentário de Rafael, porque corrige informações que retirei da Economist por meio da citação da BBC. Porque traz informações precisas e porque traz uma boa análise. Segue o comentário do Rafael:

As performances das escolas privadas e das públicas não são semelhantes. A nota média das escolas privadas brasileiras no teste da PISA foi de 519. A das públicas foi de 398. Há um gap na qualidade delas, e ele é enorme. A distância entre um estudante de escola privada brasileira e um de escola pública é semelhante àquela entre um estudante britânico e um colombiano. Em média, aliás, a nota do estudante de escola privada brasileira supera a de um estudante americano médio (497), e também a de um estudante britânico médio (502) ou a de um estudante médio de um país médio da OCDE (497). Nem por isso a The Economist chamará de medícores as escolas de seu país, do Reino Unido. Mas com países da América Latina, usa-se muito nos textos dessa revista de adjetivos vazios como sucedâneo de uma análise dos fatos. Essa revista, aliás, se notabiliza por sempre tentar interpretar a realidade dos fatos e prever tendências futuras com um número muito reduzido de conceitos, todos eles invariavelmente extraídos de uma visão de mundo liberal. Que a The Economist prevê como fadada à ineficiência qualquer tentativa de melhorar a qualidade do ensino público através do aumento de gastos no setor, é prova disso. O argumento dela nesse sentido – um argumento, aliás, muito tosco e simplista – é o de que os gastos relativos ao PIB do Brasil nesse setor já são maiores que a média dos gastos dos países membros da OCDE. Em vez disso, a The Economist recomenda como exemplar a estratégia adotada pelo governo São Paulo – um estado que, apesar de rico, fornece uma educação pública muito ruim, até abaixo daquela da média brasileira, algo que a maioria dos brasileiros que lêem jornal já devem saber bem.

Criminalização da pobreza.

Muita gente exulta com manobras militares como essa que ocorre no Rio de Janeiro. Todavia, significativa parcela compraz-se não com os aspectos positivos que essa manobra específica tem.

A invasão de áreas de onde partiram ataques violentíssimos de traficantes de entorpecentes ilícitos foi exitosa porque bem coordenada. Implicou na prisão e na morte de vários criminosos e na fuga de outros tantos. Significou uma tomada de controle de áreas anteriormente sem presença estatal. Estancou a onda de violência promovida pelos traficantes.

Ao mesmo tempo, não consistiu em uma invasão com destruição indiscriminada de tudo quanto houvesse pela frente e assassinato aleatório de quantos estivessem na linha de tiro. Sim, porque um pequeníssima proporção de quantos se encontram em alguma favela é de criminosos.

Nada obstante, os entusiastas da operação vêm nela somente a realização material de um modo de fazer que eles querem perpetuar. Vêm a confirmação da eficácia da violência, como se fosse o remédio de todos os males. Vêm a confirmação da crença de que as áreas pobres são um problema em si, identificadas umbilicalmente a zonas de crime.

As áreas pobres têm as mesmas concentrações potenciais de criminosos das outras áreas. O que difere são os tipos de crimes e as faixas de rendimentos dos habitantes, além da intensidade da violência que se pratica nelas.

Acontece que os crimes contra a vida e contra a integridade pessoal chamam mais atenção, por razões evidentes. E, as zonas mais pobres apresentam mais ocorrências, realmente. Todavia, a seletividade das percepções fica bastante evidente se tomarmos em conta a criminalidade contra o patrimônio.

Essa última forma repugna tanto quanto as duas primeiras, embora menos, naturalmente. E a percepção quanto à subtração patrimonial é bastante enviesada, porque a opinião pública ocupa-se preponderantemente dos eventos mais pequenos e mais visíveis. Claro que a opinião pública sabe e fala dos grandes roubos, mas daquela maneira de transbordamento e indignação moralista pequeno-burguesa.

Com relação à criminalidade menor contra o patrimônio, as posturas são de histeria assassina, muito mais que de moralismo romântico e complacente com o vizinho de porta. Porque o vizinho de porta dificilmente estará a roubar relógios e carteiras, mas pode estar a fazer outras atividades mais rentáveis e menos arriscadas, também criminosas. Há um forte componente de solidariedade de classe social, portanto.

As ações desenvolvidas pelas forças policiais devem ser adequadas aos casos específicos e às tipologias delitivas. Assim, por exemplo, não há outra forma de combater grupos armados de fuzis e granadas senão com policiais mais armados ainda. E não há como combater delitos sofisticados de branqueamento de capitais e de roubos de dinheiros públicos e privados senão com sofisticados instrumentos de inteligência policial.

Essas diferenças não autorizam, todavia, que o tratamento violento que os casos violentos merecem acarrete o morticínio indiscriminado dos que circunstancialmente encontram-se no mesmo lugar. Porque encontrar-se em uma favela ainda não foi formalmente tipificado como crime, embora haja muitos que assim o desejem.

Ao contrário do que muitos crêem, as situações não permitem nem impõem o vale-tudo, que é um estádio posterior às cogitações de necessidade e conveniência. O vale-tudo não é uma categoria cuja apreensão passe por considerações preliminares, assim como uma reação em cadeia de fissão nuclear não é o momento de explicações, justificativas ou de perguntas. Ou seja, no momento anterior toma-se uma decisão e aceita-se o rompimento da cadeia ontológica e teleológica. Os momentos posteriores sucedem-se segundo outro modelo.

O depois rege-se por uma lógica própria e as desculpas ou justificativas que se queiram apresentar são uma impossibilidade. É, como se diz habitualmente, algo que se sabe como começa, mas que não se sabe como termina. Portanto, convém não buscar o vale-tudo, para não se ficar, ao depois, buscando justificativas incabíveis.

Soberania hipoteca-se? Ou, poderia o empréstimo vir de outro lugar?

Antes da crise financeira de 2008, Portugal tinha um défice público inferior ao limite da UE, que é de 03%. Superou-o uma e outra vez, assim como sucedeu com a Alemanha e com a França. Pecadilhos comuns, enfim.

Antes da crise financeira de 2008, o risco de Portugal era considerado menor que o da Itália e um pouco maior que os da Alemanha e França. Hoje, esse risco considera-se altíssimo e faz o país comprar dinheiro a bancos para pagar a bancos a 08% ao ano, patamar estratosférico de remuneração do capital.

Hoje, instalados todos os efeitos da crise financeira – para que não concorreram despesas públicas, nem programas sociais – Portugal tem um défice público à volta de 09 a 10% e uma dívida pública que representa 83% do PIB. São números elevados, mas há coisas muito piores na Europa, bastando lembrarmos-nos da Itália.

Ninguém quer chamar as coisas por seus nomes adequados e parece que não o farão nem mesmo quando os nomes não importarem mais. As dívidas que põem tudo em risco são as privadas, não as públicas. E o euro, superada a euforia do enriquecimento rápido com dinheiro emprestado, é uma trava, não uma solução. Bruxelas é a sede de um grande banco 60% alemão e 40% francês.

O parque de diversões ensolarado de alemães e ingleses não gera receitas suficientes para o padrão de consumo que esses mesmos turistas fizeram crer possível. E, a essas alturas, dá-lo em garantia só vai acarretar uma mudança: as faturas sairão com mais consoantes que vogais.

Se, juntamente com a entrega total da soberania a Bruxelas viessem as maiores plantas industriais da Volkswagen, da Siemens, da Peugeot-Citröen e da Alstom, talvez as coisas até andassem bem. Sem elas, todavia, as coisas vão andar mal, porque há doenças que evoluem melhor sem remédios que com remédios errados.

Estava, há pouco, lendo sobre as respostas e comentários que os irlandeses fizeram a um artigo do economista Kevin O´Rourke. Uma delas constitui uma jóia de serenidade em palavras vulgares. O comentarista anônimo sugeria, entre outras coisas, que seria muito mais eficaz subornar as agências de classificação de riscos que fazer um orçamento apropriado sob a ótica da austeridade.

Claro que ele está certo e claro que será considerado louco ou ignorante, mas está certo. Já que se trata de uma lógica de casino, é muito melhor comprar a opinião dos senhores que dizem o que é bom ou ruim, seguro ou arriscado.

Já que estou a divagar, que mencionei um comentário que será tido pelos sábios como loucura ou estupidez, acrescentarei um meu, sem receios de que seja tido também por loucura ou estupidez: e que tal se a Petrobrás comprasse a dívida portuguesa, sem pedir em troca o parque de diversões algarvio, nem que as faturas sejam grafadas com tantas consoantes?

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