Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Brasil: a quem interessa o faz-de-conta?

Já é tempo do Brasil pensar no custo do faz-de-contas e se convém mantê-lo.

O faz-de-contas serve bem a interesses de um certo modelo político, à justificação de uma burocracia estatal que se julga o centro do mundo e a meia dúzia de advogados.

Por exemplo, a quais interesses serve a litigiosidade previdenciária que existe no Brasil? A vários, excepto àqueles dos beneficiários. Serve para justificar o aumento da burocracia judiciária, para justificar o aumento da advocacia pública, para justificar pedidos de aumentos de salários.

Serve para custear desnecessariamente escritórios de advocacia, com dinheiro público de uma sucumbência certa.

Ora, se em um certo tipo de causa judiciária, uma das partes perde 80% das ações e essa parte é o Estado, é muito mais barato reconhecer esse direito que fingir um litígio!

O sistema das transferências de recursos para municípios, nomeadamente nas áreas de saúde e educação, é outra farsa, outro faz-de-contas. Aqui, justificam-se as estruturas de fiscalização.

Realmente, estruturas burocráticas precisam de problemas que as justifiquem, a posteriori. Depois a da merda feita, ou seja, depois do desvio dos recursos, entra em cena o faz-de-contas das tomadas de contas e ações judiciais.

Pouquíssima coisa recupera-se. Na verdade, o sistema não funciona para que haja boas prestações de serviços de saúde e educação públicas. Ele funciona para irrigar um modelo político baseado na fidelidade dos prefeitos municipais.

E para justificar sucessivas camadas burocráticas de fiscalização. Fiscalização que chega depois do problema ocorrido, claro.

É óbvio que sairia muito mais barato, que seriam melhor prestados e que haveria mais transparência, se a União Federal prestasse diretamente aquilo que ela paga aos municípios para não fazerem.

Reuniões no serviço público e o amor involuntário do vaudeville.

O serviço público brasileiro tem um fetiche-mor: a reunião. Ela não é, como pode parecer a princípio, uma necessidade, convocada à vista da utilidade de haver mais de um servidor público reunido, para resolver o que só se resolve coletivamente. Claro, às vezes, ela desempenha precisamente tal papel, mas é raro.

Ela não é, na maioria imensa das vezes, uma abertura democrática ou uma assembléia deliberativa. Envergonhada de não ser a assembléia, ela também não se quer o palco de uma comunicação vertical de decisão, ou seja, não aceita ser uma oportunidade de exposição, pura e simplesmente.

Ela tem todos os ingredientes do amor das aparências, do nome consagrado, da exibição narcisística, do discurso tão longo como vazio, do falso escândalo. Ela é, enfim, uma encenação que, como teatro sai-se mal. As personagens, mais ou menos livres de roteiros minuciosamente estabelecidos, fazem o improviso previsível da competição na eloquência oca. Perde-se tempo…

Poucas coisas são menos aptas a desaguarem em alguma decisão coletivamente construída que uma reunião deste tipo. Ou bem a decisão já está tomada e a reunião é apenas um nome e a ocasião do convocador para expo-la, ou bem não há decisões a se tomarem e será o palco do desfile de pavões de parcas penas.

Essa ociosidade, falta de resultados, o câmbio oportunista de posições e o amor do discurso eloquente e oco foram retratadas magistralmente por Eça de Queiroz, a propósito do Parlamento Português no século XIX, acho que n´A Capital, mas não tenho certeza. Bem pode ter sido e foi que Eça distinguiu o assunto e seus atrozes ridículos mais de uma vez. Herdamos isso com uma avidez de herdeiros que superam o falecido.

Nada é mais proibido em uma reunião que a sinceridade, seja do silêncio, do comentário objetivo ou da afirmação da desimportância dela. Nada é mais bem-vindo que a competição das mesquinhezas que se afirmam, solenes, em discursos que se julgam merecedores de publicação. Tudo implica o recurso ao argumento do interesse público, embora só se trate de interesses individuais pequenos e rivais.

A reunião no serviço público atende, basicamente, a duas inclinações: primeiro, o hábito que as recomenda; segundo, a oportunidade de exposição da personagem afirmativa e participativa. Essa segunda inclinação merece algumas palavras. O serviço público joga no tabuleiro da pequena política corporativa, aquela que engrandece o mérito de não o ter, ou de te-lo pela reinvenção da roda, ou ainda de apenas afirma-lo em círculos.

O mérito é a abstração que mereceria quilos de papel profanado por tinta. Poucas coisas são menos percebidas e mais faladas que ele. A redenção estaria no seu reconhecimento, como se isso nunca houvesse ocorrido e como se não continuasse a não haver, em iguais proporções. Dele se fala como se nunca tivesse sido tomado como critério para algo, no serviço público.

Mas, esse critério mágico, ao tempo em que é incensado e cantado em maus versos, permanece esquivo e inatingível, porque assim tem que ser. A meritocracia é o Reino de Deus do serviço público; é a contradição em termos perfeita, porque pode ser atingida em vida!

O triunfante meritocrático é a figura perfeita do intrigante de longos discursos de reuniões e de pequenos pedidos individuais. Seu mérito é rotina de carreirismo de teto baixo, que se afirma intrépido e disposto a sacrifícios. Tudo estaria bem se o discurso casasse com a prática e o sacrifício pelo público não visasse a interesses privados.

O mérito, como a Graça, não se invoca; ou se tem, ou não se tem. O mérito pequenino que se proclama na reunião vem travestido de esforço, sacrifício e humildade. É instrumento de pequenas ambições, reconhecidas como válidas pela platéia de atores, que também valida os meios.

Olhar para o relógio de pulso é aceito. Pode ser um tanto descortês, se o espetáculo estiver no início, mas em geral é aceito.Objetar dentro da lógica dos sofistas em aparente conflito, também é válido. Que o espetáculo está mal encenado, vá lá, é ríspido mas não rompe as regras. Que o espetáculo não devia acontecer, é proibido, porque não se pode insinuar sua inutilidade.

A lógica a presidir essa encenação de mau gosto parece a tautologia que seria o desejo de protagonismo da prima-donna do teatro de fantoches! Em tal situação, todas as aspirantes combateriam o inexistente combate, guiadas todas pelas mesmas mãos. Pois é o que acontece na tal reunião no serviço público, um combate falso de vaidades expressas em discursos tão longos quanto pedantes, tudo guiado previamente e de desfecho previsível…

Vazamento de óleo da Chevron. Para quem trabalha a grande imprensa brasileira?

Passou-se uma semana do início do vazamento de petróleo no poço da Chevron-Texaco no Campo do Frade, ao largo da Bacia de Campos. A ANP estima que estejam vazando entre 200 e 330 barris por dia. Não é mais um pequeno vazamento: isto representa entre 32 mil e 52 mil litros diários. Essa informação, copiei-a do blogue do Brizola Neto, o Tijolaço.

Nada obstante, silêncio obsequioso da grande imprensa. Não surpreende, na verdade, pois estão todos comprados por interesses outros que não brasileiros. Só fazem escândalo por conveniência política.

Só convocam indignações e marchas e moralismos udenistas, seletivamente. Sua absoluta amoralidade e infidelidade ao factual são coisas evidentes.

Sua fixação é por o governo de joelhos. A grande impresa é a oposição ao governo, no Brasil. E só ela, porque o povo não é, obviamente!

Se vazasse um décimo do que está a vazar do poço da Chevron de um poço da Petrobrás, seria um bombardeio diário. Catilinárias contra a ineficiência da empresa estatal, que deveria ser vendida a preço de banana, no dia seguinte.

Onde estão os ambientalistas histéricos que se reúnem em partidos políticos que, na verdade, propõem a despolitização e assim escondem seu direitismo e entreguismo trânsfuga?

Argentina e Uruguai, países mais sérios que o Brasil. E, por isso, melhores.

Alfredo Astiz, Capitão de Fragata da Armada Argentina e traidor da pátria.

Assassino, sequestrador e torturador de civis compatriotas dele e de estrangeiros. Por ocasião do golpe militar de 1976, na Argentina, o Capitão de Fragata da Armada Argentina Alfredo Astiz foi designado para trabalhar na ESMA – Escola de Mecânica da Armada. Um centro de sequestro, tortura e eliminação de quantos se pudessem contar no número dos perigosos para o novo regime militar ditatorial.

Astiz empenhou-se fortemente na sua missão. Infiltrava-se em grupos de direitos humanos e indicava os que deveriam ser sequestrados e eliminados. Responsável direto por inúmeros assassinatos, incluindo-se os de duas freiras francesas.

A arte dos militares argentinos no eliminar oponentes – os menos perigosos possíveis – era inovadora. Criaram – devia ser por algum deleite especial – o método de pô-los em um avião e lança-los ao mar, depois de torturados brutalmente…

É muito rico, nessa figura, o traço da vileza. Infiltrava-se entre os seus oponentes, buscava sua intimidade, sua confiança, descobria-lhes as crenças e, depois, bem, depois, levava-os à ESMA, para um destino certo.

Alto, louro, altivo, militar empertigado nas suas vestes de oficial da Armada, alcunhado el ángel rubio. Doce nas suas infiltrações, doce como todos os infames agentes duplos. Crudelíssimo com suas vítimas, sem limites. Corajoso com vítimas reduzidas à despersonalização e sabedoras da morte.

Eis que a Argentina – e não vou discutir se por cálculo ou orgulho nacional – entra em guerra com a Inglaterra, pelas ilhas argentinas Malvinas. Astiz é designado para assumir um grupo de comandos nas ilhas Georgias do Sul. Acossado pelos ingleses, trava um embuste de combate e rende-se, logo em seguida, aos ingleses.

Esse homem tão valoroso na tarefa de sequestrar, torturar e matar gente incapaz de defender-se, rende-se aos inimigos do seu país, sem uma perda. Sem combate efetivo. Sem combater o combate que sua farda nunca vira, sem um traço do verdadeiro sangue castelhano que traz nas veias. Podia ter lutado, de verdade, uma vez na vida, e morrido fardado.

Rende-se aos ingleses de uma forma que, se fosse um inglês a fazê-lo, seria enforcado, essa vileza que os ingleses destinam aos traidores da pátria.

Ontem, Astiz foi condenado à prisão perpétua, pelos crimes cometidos. Já o fora, na França, à revelia, pelo assassinato das duas freiras gaulesas.

Ontem, o Senado da República do Uruguai julgou imprescritíveis os crimes praticados na ditadura militar havida lá. Por unanimidade. Crimes contra a humanidade não prescrevem, claro.

Enquanto isso, no Brasil, uma lei de auto-anistia, promulgada pela própria ditadura que torturou e matou, foi julgada válida pelo tribunal constitucional. É difícil perceber porque são países tão diferentes e porque vive-se melhor na Argentina e no Uruguai que no Brasil?

Integração sul-americana e derrubada de corporativismos. Precisamos reconhecer diplomas automaticamente.

O Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai mantém uma união aduaneira e a liberdade de circulação de pessoas que, cautelosamente, não evolui para mais que isso. A lentidão no aprofundamento do Mercosul revela-se sensata. É difícil partir-se para moeda única, para a criação de instâncias governamentais únicas mais poderosas e para a liberdade comercial plena.

Nossas histórias não têm turbulências bélicas que recomendem tal nível de integração como prevenção de futuros conflitos. E nossas origens coloniais, com a colonização a sobrepor-se a culturas pre-existentes, não indicam que pensemos um pertencimento único, nem um futuro único.

Claro que boa parte desses aspectos aparentemente desagregadores foi estimulada e destacada pelo novo colonizador, os EUA, que nunca tiveram interesse no êxito da união. Mas, por outro lado, também é claro que nossas semelhanças recíprocas são maiores ou, no mínimo, semelhantes àquelas que inspiraram a União Europeia. A coisa é possível, enfim.

Hoje, a circulação de mercadorias é praticamente livre, embora haja casos de taxações extraordinárias. Mas, de regra, o comércio entre os países do Mercosul não se submete a impostos de importação e exportação, o que configura uma quase união aduaneira.

A circulação de pessoas também é deveras facilitada. As estadias dos nacionais em qualquer dos quatro países independem de visto e de passaporte, para estadias de até noventa dias. Para permanências a trabalho ou por qualquer outra razão, exige-se o visto, mas, na prática, as políticas soberanas dos países não impõem dificuldades à obtenção desses vistos. O trânsito de estudantes é muito intenso, por exemplo, e duvido muito que tenham se preocupado em pedir vistos e, no fundo, ninguém os molestará.

Interessante que cada país tem coisas que muito interessam aos outros. Falo aqui de profissionais licenciados naquelas que se costumam chamar profissões liberais. Ora, os quatro países julgaram-se reciprocamente confiáveis a ponto de permitirem o trânsito de mercadorias sem impostos, por que não deveriam liberar totalmente o trânsito de pessoas e franquear-lhe a liberdade de exercício profissional?

O que já foi feito significa um elevado nível de confiança e de vontade de integração. Significa que eles se reconhecem em situações institucionais semelhantes. Significa que reconhecem situações semelhantes para suas aduanas, para seus órgão de imigração, para seus órgão de regulação da qualidade industrial.

Por que não significaria reconhecimento igual de suas instituições de ensino superior? Se um carro feito na Argentina é legalmente idêntico a um feito no Brasil, por que um engenheiro licenciado na Argentina seria diferente de um brasileiro? Ou um médico? Tecnicamente, por razão nenhuma, claro.

A razão da vedação do livre exercício das profissões regulamentadas é puramente reserva corporativa de mercado. Reserva que se esconde atrás dos argumentos mais pueris possíveis. É hilário, por exemplo, uma corporação de ofício, a dos médicos, por exemplo, a defender a reserva de mercado amparada no argumento qualidade.

Qualidade? Qual o indicador que os levou a dizer que a qualidade da formação de um médico argentino é inferior à de um brasileiro? Na verdade, vistas as coisas de longe, sob perspectiva ampla, a conclusão contrária seria muito mais provável! E, mais provável ainda, é que a corporação de ofício queira, atavicamente, reservar-se o poder de dizer quem pode e quem não pode exercer o mister semi-divino e bem remunerado.

Não haveria maiores dificuldades práticas – e haveria nenhuma jurídica, além da empulhação habitual dos juristas – em tornar os currículos iguais, no caso da medicina e da engenharia. Afinal, são coisas que funcionam segundo as mesmas lógicas, independentemente das fronteiras políticas e geográficas. Mas, as corporações de ofício defendem seus poderes corporativos.

Com relação a advogados, a coisa seria mais simples ainda. Trata-se de um grupo em que a maioria é tão mal alfabetizada que a competição não precisa de reservas de mercado muito intensas. Além de ser grupo muito abundante, claro. Que problema haveria se uma invasão de advogados tomasse a Argentina? Nenhum, pois mal escrevem em português e em castelhano nada!

Para o público em geral, pouco importa que o médico a lhes atender seja brasileiro, paraguaio, uruguaio ou argentino. Importa que seja bem atendido e aos menores preços. Isso incomoda a corporação médica brasileira que, relativamente escassa, cobra o que quer e atende como quer. Superficialidade, negligência, erro são coisas do dia-a-dia, a que os clientes resignam-se.

São bons, muito bons e orgulhosos de suas competências? Então, não deviam temer a concorrência dos outros, que nada indica serem piores, ao contrário.

Ponhamos os bons frente aos ruins, então. Reconheçamos diplomas automaticamente, libertos dessa falsa noção de superioridade que quer manter uma qualidade que não se vê, ou coerentes com a noção de que os melhores não temem os piores. Escolham a lógica segundo a qual querem defender-se!

Salário de R$ 30.600,00 para juiz do supremo: a ditadura da burocracia e a pretensão à imunidade crítica.

Muitas coisas são comparáveis. Os tolos e os mal-intencionados sabem disso, mas só comparam segundo suas conveniências. Bem, dito isso, é bom saber que o salário mínimo, no Brasil, é de R$ 545,00, o que resulta em U$ 328,00, na taxa de câmbio comercial de hoje: 1,66 real/dólar norte-americano.

Em 2012, o salário mínimo será de R$ 620,00, ou seja, U$ 373,00. Os juízes do supremo tribunal federal e o procurador-geral da república querem que seus salários aumentem para R$ 30.600,00, ou seja, U$ 18.433,00. Eles querem ganhar 50 vezes um salário mínimo, diferença proporcional escandalosa, sob quaisquer parâmetros. Tal diferença não existe em canto algum, onde haja um salário mínimo legal e um salário máximo para a função pública.

Eles passam ao largo dessa obscena desproporção, porque ela os favorece. Por isso, dizem que as comparações são incabíveis. Se se tratasse de comparar para mostrar um eventual salário reduzido dos juízes, eles se serviriam das comparações com toda a tenacidade possível. Se fosse de seus interesses, eles publicariam nas portas dos fóruns as tabelas de salários de juízes e de salários mínimos, no mundo inteiro.

Apegam-se a aspectos formais desprezíveis, em posturas incompatíveis com a dignidade que pretendem e com a insistente ênfase para os tais cargos de soberania. Curioso, cargo de soberania que nunca passou por consulta popular, ou seja, pelo crivo dos soberanos, o povo.

Dizem que a constituição assegura a reposição das perdas inflacionárias. Realmente, a constituição tem esse objeto arqueológico e estúpido de indexação. Acontece que eles, os juízes do supremo, já decidiram várias vezes que essa cláusula constitucional é meramente formal! Sim, em várias questões sobre carreiras de funcionários públicos, esses senhores disseram que a garantia é de revisão anual, pouco importando de quanto.

Quando se trata dos interesse deles, a garantia assume ares materiais, diferentemente do que decidiram para outros. Isso é o que se espera de juízes? Espera-se que a mesma cláusula valha diversamente para classes em situações idênticas? Que julguem em causa própria?

Outra coisa notável é a arrogância que se descobre nas suas posturas. As mesmas pessoas que gostam de pedir tudo aos outros bem explicadinho, detalhadamente, que gosta de por os mortais a lhes pedirem suplicantemente, com genuflexões, como quem pede a deuses mal-humorados e caprichosos, expõe seus pleitos com uma superioridade mal-disfarçada.

Pedem um aumento absurdo como se fosse a maior trivialidade, uma coisa óbvia e previamente devida, certa, impassível de dúvidas. É de comover! Todo o restante do mundo assalariado tem que se expor a insistências, a explicações, a dar razões consistentes, mas esses senhores apenas devem comunicar o que desejam, para que seja ratificado. Mas, quantos votos eles têm?

Eles têm que explicar que valem o que pedem, porque pedem a todo o povo que custeia o Estado que lhes conceda o que acham devido por direito divino. Podiam lembrar-se que, há pouco mais de dez anos, pediam mais discretamente e recebiam nada, no caso específico do consulado de Fernando Henrique Cardoso. E este, Fernando Henrique, não os deu nada  e não foi porque tenha consultado o povo, mas simplesmente porque não quis e não se preocupou com isso, forte em patrões robustos e ideologias religiosas que se queriam liberais.

Não há qualquer razão para o governo e o congresso cederem à chantagem judiciária. Uma greve de juízes? E daí? Se a fizerem, a imprensa contrária ao governo vai dar ênfase, mas o fará não porque queira que eles tenham o aumento, apenas porque qualquer coisa que sirva para falar mal do governo calha bem. Entrarão nesse comércio de cabeça, assumirão os riscos do flerte com a imprensa de baixo nível que domina a cena?

Zé Dirceu mete medo na Veja.

Aconteceu um episódio que mistura patifaria e ridículo, em doses imensas. Um repórter da revista Veja – o maior lixo editorial brasileiro com pretensões informativas – tentou invadir o apartamento do Zé Dirceu, no hotel em que ele hospeda-se, em Brasília.

Sim, o fulano tentou enganar a camareira, dizendo-se o hóspede daquele apartamento e que tinha perdido as chaves. Uma estratégia tosca, que não deu certo, porque a camareira sabia muito bem quem era o hóspede costumeiro do quarto.

Desmascarado, pois a camareira avisou à gerência do hotel, o tal repórter saiu às pressas, sem pagar a conta! Mas, o agente semi-secreto da Veja tornou à carga. Retornou ao hotel, identificou-se com outro nome, disse que era assessor de um certo prefeito e que precisava deixar uns documentos importantes no quarto do Dirceu. Novamente, a ação dessa mistura de Clouseau com empregado de Corleone resultou mal.

O hotel apresentou queixa formal, na polícia, por tentativa de invasão.

Está claro que se ia produzir um escândalo, essa coisa difusa de que vivem meios de comunicação do nível da Veja. Ou iam implantar escutas no quarto, ou forjar documentos acusadores ou qualquer coisa desse jaez mafioso que está por trás da falta absoluta de limites e atuação clara no âmbito mafioso.

Zé Dirceu é um sujeito inteligente, muito tenaz e político vinte e cinco horas por dia. Tem, além dessas características, outra muito interessante: mete-se em tudo e assume os riscos correspondentes. Nesse sentido, não é um canalha, porque joga as regras do jogo e fá-lo com mais desenvoltura que a enorme maioria dos políticos.

Ele foi alvo – o que não carrega juízo de culpa ou inocência – de uma manobra bem orquestrada para fragilizar o ex-presidente Lula, no início de seu primeiro mandato. A imprensa contrária ao ex-presidente criou uma coisa chamada mensalão. Essa coisa seria um esquema governamental de pagamento mensal e constante por apoio parlamentar.

A criação da farsa baseou-se em duas coisas existentes. A primeira é o financiamento ilegal – por fora – de partidos políticos, que gastam nas campanhas eleitorais muito mais que o declarado oficialmente. Outra, foi a filmagem de um  pedido trivial de suborno, por parte de um funcionário subalterno da Empresa de Correios, que nenhuma ligação a Dirceu tinha. O valor é bastante esclarecedor, pois esse imenso meliante recebeu R$ 3.000,00! Sim, a república devia ser abalada por um pedido de U$ 1.500,00, feito por um subalterno!

O público recebe a bomba já armada, tudo misturado e uma versão final pronta e já com os acusados condenados. Todavia, Lula e Dirceu estão muito longe de serem estúpidos. O ministro poderosíssimo afastou-se do cargo e cuidou de defender-se. O presidente afastou de si o tal escândalo e o mundo seguiu seu rumo.

O problema desses escândalos é precisamente sua vacuidade e a diferença entre alguma base fática e a versão oferecida pelos media. São instrumentos táticos que servem à uma estratégia maior, de longo prazo. Assim sendo, destinam-se a terem vida curta e a sucederem-se, uns aos outros. Então, ou bem um desses escândalos tem massa crítica suficiente para uma total derrubada do alvo, ou bem vai esvair-se aos poucos, à espera do próximo.

O lastro do mensalão são coisas diversas do que se acusou Dirceu e o governo em geral. Trata-se do fluxo de caixa dos partidos políticos e envolve a todos eles. O mensalão, como foi vendido, é profundamente improvável, embora fosse uma grande idéia, caso posto em prática, porque comprar continuadamente é mais barato que esporadicamente.

O caso é que o problema do financiamento ilegal de partidos, se levado às últimas consequências, implicaria enormes prejuízos em todo o espectro político partidário e isso não convinha, obviamente, a um escândalo desencadeado por visões politico partidárias. E Dirceu, evidentemente, sabe disso e sabe de muito mais.

Levaram o caso ao supremo tribunal. O ministério público denunciou algumas figuras políticas, entre elas o Zé Dirceu, pelo que seria o mensalão. Ou seja, denunciou pelo que não aconteceu, mas pode levar, ao menos hipoteticamente, a descobrir-se o que acontece…

Da forma que se fez a denúncia e tratando-se de réus poderosos e dispostos a defenderem-se adequadamente, parece claro que redundará em absolvição. Não sei se os media, Veja principalmente, terão coragem de apostar ainda mais e atacar o tribunal, a insistir na inexistência que encobre outra coisa. Por isso, a tentativa de invasão – prova da possibilidade da convivência da patifaria com o ridículo – faz bastante sentido.

A publicação precisa de alguma coisa, e qualquer uma serve e qualquer meio é para ela possível, para manter a pressão sobre Dirceu. Não pode haver um Zé Dirceu absolvido e sempre sabedor das coisas e disposto ao combate.

 

Saúde pública e o lugar-comum do problema de gestão.

Um resquício interessante de positivismo é o discurso que aponta os problemas de gestão como pontos centrais. Quase cento e sessenta anos depois do surgimento da ideologia que aceitava ser chamada assim, ela continua a servir de mote aos que chamam atenção para os detalhes e – agora – não querem ser classificados como ideológicos.

O pessoal que aponta os problemas de gestão pretende que não há problemas de outra categoria, ou seja, que tudo passa por administrar os recursos de forma ótima, por definir estratégias, por reduzir os custos unitários das utilidades produzidas e oferecidas.

O encanto que a ideologia tinha nos seus inícios é quase o mesmo que vem gerando hoje, embora não se oponha, presentemente, às escatologias. Ela própria, a ideologia positivista, tornou-se salvífica, o que significa que se transformou no que era para ser: uma religiosidade com traços de ciência.

Quando se enfatiza a gestão de alguma coisa desvia-se o olhar das escolhas que devem acontecer previamente. Sim, porque a gestão é, de certa forma, a negação da política ou a política a negar-se. Ou seja, quem fala em gerir deixa de falar em escolher.

Não estou a negar a possibilidade de ganhos de eficiência, sejam marginais, sejam grandes, que os processos e serviços possam ter. Mas, a dizer que é preciso antes escolher os serviços que se querem oferecer e gastar o necessário. Percebe-se que o discurso enfatizador da gestão também é, de certa forma, negador dos preços e profundamente religioso no que tem de promessa de êxito incondicionado.

O Brasil gasta menos de 04% de seu PIB com o Sistema Único de Saúde, o que é insuficiente para custeá-lo, excepto se se reduzirem as metas de universalização.Basta comparar o dispêndio brasileiro com os valores de outros países mantenedores de sistemas universais para observar a insuficiência de recursos destinados a saúde pública aqui.

Daí que os problemas evidentes de má gestão sejam colocados em primeiro plano, para que não se pense nas decisões de onde o estado deve gastar. O discurso só funciona se for aplicado isoladamente a tais e quais áreas, sem a interligação evidente que a política faz supor. Por exemplo, a decisão de gastar-se mais em saúde pública ou, antes, de gastar-se mais na remuneração dos rentistas não se aborda, nem se resolve a partir de modelos de gestão.

Aliás, a opção de pagar-se muito em renda do dinheiro pretende-se amparada em uma ciência oculta ou, melhor dizendo, em uma pseudo-ciência que oculta sua natureza real de predação misturada em modelos matemáticos. O problema destes últimos é que o modelado tem realidade própria e sempre de acordo à vontade prévia dos modeladores.

O modelo reproduz uma vontade; ele não antevê uma possibilidade do real. Todavia, tem que se afastar a todo custo dessa palavra vontade, porque ela representa e é representada pela palavra política. Ora, em política nada é impossível, inevitável ou obedece a sólidos limites prévios. O âmbito político tem a dinâmica do imprevisto e do incondicionado, tem uma abertura que não se apreende muito simplesmente pelos modelos.

Ele precisa então ser substituído pela gestão, essa forma de farisaísmo anacrônico, em que uma classe sacerdotal maneja processos indiscutíveis, de origens imperativas e finalidades desconhecidas. É interessante observar que, relativamente às finalidades, as coisas vão se esfumaçando mais e mais, quando são analisadas a partir da perspectiva de gestão, até que o fim confunda-se com os meios.

Esse discurso com ênfase na gestão é parente colateral imediato daquele que afirma não haver mais ideologias, não haver direita nem esquerda. São discursos que pretendem instalar a idéia da falta radical de opções, da inexistência de alternativas, ou seja, da política previamente condicionada e exercida pela classe sacerdotal merecedora de ratificação automática do povo distante.

Esse feixe ideológico que nunca aceita a marca ideológica é um subproduto curiosíssimo do liberalismo. Trata-se de um direitismo clerical, que não se confunde com aristocracia ou tecnocracia. A falta de identidade é sua marca, uma não-marca é seu emblema.

Ele é cool  pelo que apresenta de negativas reivindicadas como signos de sua modernidade: ele não é de esquerda, não é de direita, não é uma ideologia, não é uma ciência, não é uma ditadura, não é tampouco o que chamará de velha democracia, não é contra ninguém, não é coisa de políticos…

É fascinante que uma coisa assim tão religiosa, tão evidentemente teocrática, seja chique, hoje! Sim, hoje que a religiosidade que atendia pelo nome de socialismo soviético foi decretada superada, inviável, impossível, anti-natural e outras qualificações negativas mais.

Fascina, mas não pode surpreender, porque a face religiosa de alguma política e ideologia tem que opor-se a outra religiosidade, da mesma forma que os trens podem ir em sentidos diferentes, mas nunca fora dos trilhos.

Assim, não surpreende que a gestão seja o discurso do político que não quer fazer política e, portanto, não quer falar em opções. Ele quer partir de imperativos categóricos e discutir todas as lateralidades de algum processo em andamento; terá que evitar, a qualquer custo, que se pense em outros processos. E, como não poderia ser diferente, recorrerá à desonestidade intelectual.

Ele dirá que mais ou menos do mesmo é o diferente ou engendrará o diferente. Ele fará crer que pequenas diferenças quantitativas acarretam diferenças qualitativas, o que é falso, de falsidade conhecida pelos clérigos nas posições mais elevadas. Eles sabem, os graduados, que a mudança quantitativa somente é qualitativa quando é imensa nas grandezas.

Por essas coisas, é anátema algum sujeito dizer que se gasta pouco com saúde e muito com juros, por exemplo. Tal proposição foge ao modelo, sugere opções que não implicam a gestão, senão como instrumento posto no seu lugar de simples instrumento. Ela não aceita sua condição instrumental, porque quer uma condição de revelação.

Para o pessoal que reclama de carga tributária, por conta da Veja ou da Bobo.

 

Essa tabela, achei-a no blog do Brizola Neto, que sempre merece uma visita. Diz o que a maioria nega, porque a maioria alimenta-se de rede bobo e revista veja. A moda brasileira é falar mal da carga tributária. Até quem vive de predar o Estado, que vive da tal carga tributária, fala mal dela.

O meritocrático funcionário de classe média alta fala mal da carga tributária, dela que, para ele, além de baixa é regressiva…

O Brasil toma o remédio antes da doença.

A propaganda do estilo de vida norte-americano e, em menor escala, do europeu, fez crer que esse é um padrão a que todos poderão aceder, bastando para tanto vontade, trabalho e adoção de certas regras. Óbvio que isso é mentira e que os divulgadores principais dela sabem-no.

Mas, isso vende-se e compra-se. O fato é que padrões de consumo como o norte-americano são inviáveis, exceto se 90% do mundo continuar a viver em privações e miséria.

Há uma questão de finitude – que não se confunde com maltusianismo puro – inescapável. Finitude de recursos naturais. O caso mais evidente é o petróleo, que se gasta demasiado no modelo de consumo elevadíssimo.

A única solução, exceto, é claro, a continuação da espoliação, é o empobrecimento seletivo dos mais ricos. Digo assim para escandalizar mesmo, embora o dito encubra maiores sutilezas e nuances.

Trata-se de nivelar por baixo e não porque seja um projeto mesquinho, mas porque nivelar por cima é impossível e quem afirma a possibilidade sabe que está mentindo ou é simplesmente um tolo a repetir o que ouviu dizer.

O gasto de uns é de coisas que vieram de outros. Para que o gasto seja elevado, os vendedores devem entregar o que têm a baixo preço. Se o que uns vendem vai escasseando e eles não aumentam o preço ocorre o empobrecimento geral e aumenta o ritmo do esgotamento de recursos naturais.

Se eles aumentam os preços e os compradores não os invadem para levar a preço zero, as coisas equilibram-se mais, equalizam-se por baixo, e o consumo diminui.

Essa receita, mais dia, menos dia, tem que se aplicar. Ou seja, os preços têm que aumentar para aqueles que sempre consumiram excessivamente e a preços baixíssimos riquezas finitas que foram produzidas por ninguém, como é o caso do óleo. Se isso será feito, em escala mundial, dirá o futuro.

Estranho é que o Brasil comporte-se como rico quando ainda é pobre e pague preço de rico quando ainda é pobre. Aqui, tudo é caro, principalmente porque a enorme maioria é paupérrima. Não se trata aqui de repercutir discurso hipócrita dos predadores reclamando da predação que fazem a favor de si mesmos.

Trata-se de dizer que, quando tudo é caro, é mais caro para os mais pobres. Eles estão pagando um preço por algo que não usufruiram, ou seja, tomam o remédio antes de adoecerem.

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