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As raízes do ódio medio-classista ao Bolsa Família.

Há meses, escrevi pequeno texto a demonstrar que o programa de rendimentos mínimos Bolsa Família é algo realmente mínimo e inferior ao que os médio classistas apropriam do Estado por meio de simples isenções tributárias, como aquela decorrente de ter um menor dependente. Basta um pouco de informação e de honestidade intelectual para perceber que o bolsa imposto de renda é maior que o bolsa família dos miseráveis.

A cruzada contra os programas deste tipo, e marcadamente o Bolsa Família, não dá sinais de arrefecer-se; antes, ao contrário, assume ares cada vez mais histéricos. Dois argumentos disputam a primazia na composição do sofisma contra os rendimentos mínimos: um, de caráter nitidamente moralizante, diz que estimula a vagabundagem; outro, pseudo-econômico, diz que enfraquece as finanças públicas e corrói o equilibrio fiscal.

O argumento farisáico plebeu é desmentido diretamente pelos números. Ora, ao mesmo tempo em que avançam as políticas redistributivas baseadas em rendimentos mínimos reduz-se a taxa de desemprego para mínimos históricos, à volta de 05%, o que, em termos econômicos, equivale a pleno emprego. É pueril demais até para moralizantes medio classistas brasileiros defender tamanha contradição.

A segunda bobagem tem maior conteúdo político, embora esconda-se sob o disfarce econômico. As contas públicas brasileiras vão muito bem, hoje, com endividamento público relativo ao PIB realmente baixo. Além disso, se se trata de levar o fetiche da redução do gasto público adiante, como idéia fixa, podem-se cortar inúmeras despesas e não necessariamente o Bolsa Família. Que tal suprimir as deduções de despesas médicas e de educação do imposto de renda de quem tem rendas?

As motivações reais percebem-se se nos mantivermos no âmbito do pensamento político, da disputa pelo poder a partir de seus maiores pilares: dinheiro e prestígio social.

Quem fala contra Bolsa Família não acredita seriamente – exceto uma minoria realmente estúpida demais – nisso de estímulo a vagabundagem, nem está preocupada com o número de vagabundos, até porque quanto maior este número melhor para a Casa Grande. Tampouco há alguém seriamente preocupado com equilíbrio fiscal, desde que o desequilíbrio o favoreça.

A Casa Grande e seus médio servos quer mesmo é apropriar-se deste dinheiro. Ou seja, quer que ele seja gasto com ela e não com os miseráveis. Quer que seja despendido na forma de mais isenções de impostos por despesas que fez porque quis. Quer aumento na cota para importar espelhinhos comprados em Miami sem incidência de impostos. Quer redução de impostos nos bens de consumo de luxo e outras formas de assaltar o Estado.

Por outro lado, a obtenção de níveis mínimos de dignidade impede que os miseráveis submetam-se à escravidão da Casa Grande, sempre disfarçada em bonomia e generosidade. Aquela que troca trabalho por três pratos diários de comida e a falsa intimidade dos que se cruzam dentro de casa. Isso diminuiu, encareceu a mão-de-obra não especializada e retirou algo preciosíssimo para as classes médias e altas: a simbologia do servo à disposição.

É notável que se vejam, com frequência assustadora, as figuras tão clássicas como anacrônicas da senhora que caminha à frente da babá com o filho nos braços. São muito simbólicos o andar à frente e o não precisar fazer esforço físico. Esta é a simbologia do prestígio social, a permanecer quase inalterada mais de cem anos depois das belas pinturas de Debret.

O bolsa imposto de renda da classe média é maior que o bolsa família dos paupérrimos.

O ponto central da histeria das classes médias contra as políticas de rendimentos mínimos é o Programa Bolsa Família. Oito em dez médio classistas que se instruem em Veja, Globo, Folha e Estadão repetem o mantra que receberam desses meios, de que isso é um absurdo, que estimula as pessoas à preguiça e outras tolices deste tipo.

Mais recentemente, os meios em questão resolveram fazer seus repetidores veículos de uma tolice ainda mais tola. A nova moda do perfeito repetidor do que recebe sem pensar é defender que beneficiários de programas de renda mínima, por serem dinheiros do Estado, não poderiam votar!

Essa extravagante proposição, se levada a sério, conduziria ao impedimento da maioria deste país comparecer às urnas, porque todo mundo é sócio do Estado, embora só os pobres devam, aos olhos da imprensa e de seus repetidores, ser excluídos da democracia.

O Bolsa Família é um programa destinado a garantir renda mínima para famílias que tenham renda mensal por pessoa de menos de R$ 140,00 e crianças de zero a quinze anos.

Ou seja, uma família de quatro pessoas que tenha renda mensal inferior a R$ 560,00 é elegível para receber o benefício. Para se ter parâmetro de comparação, um salário-mínimo no Brasil é de R$ 678,00. Conclui-se, inicialmente e fora de dúvidas ou sofismas, que o programa destina-se aos muito pobres mesmo.

Para estas famílias em extrema pobreza é concedido o Benefício Básico, no valor de R$ 70,00 – o que é jantar para dois médio classistas que só bebam água e gostem de pizza, em São Paulo, por exemplo.

Além do benefício básico de R$ 70,00 para a família, há o Benefício Variável, que será concedido se a renda mensal por pessoa for inferior a R$ 140,00 e se houver crianças entre 0 e 15 anos, um benefício de R$ 32,00, até um máximo de cinco por família.

Enfim, uma família de quatro pessoas, com renda pessoal inferior a R$ 140,00 e com duas crianças menores de 15 anos, auferirá, globalmente, o enorme valor de R$ 198,00, composto de: R$ 70,00 + 4 x R$ 32,00 = R$ 198,00.

Para se comparar com esse irrisório valor, que não leva qualquer pessoa à preguiça e não deveria levar qualquer pessoa honesta e minimamente inteligente a repetir as tolices da imprensa, temos que um médio classista deduz, mensalmente, do que pagará de imposto de renda, R$ 180,00 por dependente que tenha.

Se a família médio classista da comparação tiver dois dependentes – e neste caso até aos dezoito anos e não os quinze – a dedução mensal  no imposto de renda será de R$ 360,00, o que supera o maior valor que alguma família extremamente pobre pode receber a título de bolsa família, que são R$ 306,00.

Essa breve comparação aponta que a histeria contra os programas de renda mínima deve-se primordialmente a demofobia.

Os demais pseudo-argumentos laterais revelam, por sua vez, a profunda hipocrisia e espírito de predação das classes mais altas brasileiras, porque sempre ávidas em acusar qualquer redistribuição de renda, por tímida que seja, realizada pelo Estado, enquanto todos são sócios do Estado em muito maior proporção que os mais pobres.