Os meios de comunicações audiovisuais são instrumentos fortíssimos de dominação, que atuam sem que os dominados consigam percebê-lo. Melhor dizendo, atuam com certas sutilezas que levam os dominados a assimilarem padrões de superioridade e de inferioridade, ao tempo em que tudo aparenta igualdade.
Um exemplo trivial, que me vem agora à mente, são as séries televisivas norte-americanas. Todas elas seguem o modelo de personagens padronizados, segundo a lógica de oferecer os protótipos de identificação social básicos. Oferecem também as piadas permitidas, ou seja, o campo encontra-se previamente delimitado.
Especificamente, penso agora no chamado Big Bang Theory. Essa série apresenta quatro personagens principais: dois norte-americanos brancos wasp, um norte-americano judeu e um indiano. São físicos ou engenheiros, ocupantes daquela tipologia comportamental que em inglês chama-se nerd.
Seus ridículos são seus traços únicos e, no fundo, não-ridículos. Aparentemente, não há aqui qualquer desnível social, porque todos são objetos de piadas, que se parecem iguais em termos valorativos, mas não são. Há uma estratificação entre dominados e dominadores, perceptível na escolha das piadas.
Sabe-se muito bem que a indústria do entretenimento de massas é detida, em significativa proporção, por judeus norte-americanos. Sabe-se também que é estúpido apresentar uma personagem infalível, porque então a inverossimilhança evidencia o absurdo. A grande jogada é escolher as piadas que se aceitam contra si.
Na série dos físicos, a personagem judia é alvo de piadas por nariz grande, pela indumentária e por uma ginecofilia exacerbada e desproprorcional à maturidade esperada da idade. Isso é precisamente aquilo que foi estabelecido pelos próprios como as piadas aceites.
A personagem indiana é alvo de piadas, mais ou menos sutis, relativamente a homossexualidade e misoginia, o que insinua inferioridade, notadamente em sociedades androcêntricas, em que o tipo dominante é o conquistador. Todavia, o público é levado a não perceber as diferenças valorativas, preso ao fato de que todos são alvos de piadas que, todavia, são muito distintas.
Não é à toa que a personagem do judeu não é alvo de insinuações de homossexualismo, porque essa característica é objeto de uma rejeição profunda pelo judaísmo. Pela mesma razão, não se fazem piadas com o suicídio de judeus ou com deles que tenham inclinações suicidas.
E assim funciona porque eles escolhem os estereótipos e para si permitem aqueles que não têm maiores cargas ofensivas e na medida para dar aparência de igualdade e tolerância.
Claro que fazer anedotas ou apontar os ridículos dos outros em caracteres rejeitados no seu grupo social ou étnico é algo de péssimo gôsto. Mas, é precisamente o que se faz com as personagens que simbolizam o outro. Com o outro, os limites de gôsto ou de cordialidade simplesmente não existem.
E o público fica na sua confortável tolice de achar que os espetáculos mediáticos são inertes em valorações.