Um trecho de A Farsa e a Preguiça Brasileira. Introdução por Ariano Suassuna à sua obra A Farsa da Boa Preguiça:
É por isso que, como eu dizia antes, tenho um certo preconceito de raça ao contrário. Preconceito que – não é preciso dizer – absolutamente não existe diante do bom estrangeiro ou do bom imigrante de qualquer raça ou cor, que traz para cá sua pessoa, sua família, sua vida, sua cultura, enriquecendo-se e enriquecendo a nossa grande Pátria. Preconceito que deixará de existir também, extramuros, quando esses Povos brancosos que, por enquanto, são os poderosos do mundo, não puderem mais nos oprimir e explorar.
Agora, sempre me senti muito bem, ao contrário, em contacto com os europeus mediterrâneos, principalmente os gregos, os italianos e os ibéricos, assim como com os africanos – inclusive os árabes – e com asiáticos como os judeus ou os hindus. É por isso que, na minha Poesia, escolhi como símbolo do Povo brasileiro a “Onça-Castanha” e, às vezes, a “Onça-Malhada”. E se não faço referência expressa aos outros latino-americanos, é porque, inconscientemente e naturalmente, no meu espírito eles formam com os brasileiros uma só coisa.
Isso que Ariano diz chama bastante minha atenção. É engraçado ver alguns a defenderem um universalismo total, por um lado, ou uma segregação absoluta, por outro, duas posturas que não passam de dominação e tentativa da destruição das identidades.
As identidades existem e quanto maior for o afã de negá-las, como instrumento mal disfarçado de domínio, mais elas reforçam-se.
Os círculos de pertencimentos culturais são evidentes. É sumamente falso que alguém repute, por exemplo, diferente um paraibano estar em Alagoas ou um alagoano na Paraíba. É a mesma coisa!
É louco quem estranhar se eu disser, por exemplo, que me sinto muitíssimo bem em Portugal. Evidentemente que não é a mesma coisa estar aqui e lá, mas as similitudes culturais são imensas.
Também é louco quem postular a incomunicabilidade e a impossibilidade de alguém situar-se à vontade em cultura profundamente diferente da sua. É possível, sim, mas é mais raro.