Lia e relia o poema de João Cabral de Melo Neto, A palo seco, postado mais abaixo. Não se trata aqui de falar analiticamente da obra do poeta, o mais grande deles brasileiros. Nem de fazer associações fáceis ou de lembrar a lâmina na obra cabralina. Ou, talvez se trate exatamente de fazer isso. Não sei.
A lâmina da faca é uma imagem tremenda, imagem clara, mesmo que a lâmina não brilhe. A faca e a facada são coisas nossas, nordestinas, ou eram. A faca acrescida de sol e seco é uma faca ainda mais tremenda, que se molha de sangue, molhado e quente. Não, ela não sai molhada, é tentativa poética vã: ela sai seca.
Quem já viu um homem ser esfaqueado talvez entenda a minha confusão. Posso lembrar-me quadro a quadro do esfaqueamento que vi e ainda lembro da faca e ela era só lâmina, na entrada e na saída. Rapidíssima a faca e a facada, dada de lado, a faca a entrar deitada, como convém. E não há romantismo nem poética de faca revirada e volteada; a facada é rápida, direta, firme, entra e sai.
Ela sai seca, o sangue sai depois. A mesma faca foi, deixou de ser, pois entrou, e torna a ser, quando volta. A mesma faca fria e vulgar; lâmina enferrujada que ainda assim brilha; é o ponto de fuga do quadro gravado em quem a viu.
A facada tem ligação mecânica, ela não trai a lógica. Pode ser feia ou bonita, mas não subverte o mundo. Ela é acompanhada quadro a quadro, do início ao fim. O tiro de bala é diferente. Quem já viu um homem ser baleado deve perceber o que digo. Entre o que atira e o que é baleado, não há a bala, não há nada. Será por isso que o tiro fica bem no cinema e a facada não?