Todas as entidades, sejam públicas ou privadas, com origens culturais no mundo greco-romano-judáico recorrem ao discurso jurídico para afirmar-se. O que caracteriza a cultura ocidental, mais que qualquer outra coisa, é a lógica de tribunal e a hipocrisia.
Justiça, no sentido de equidade, nada tem a ver com lógica de tribunal. Na verdade, esta última é a grande avalizadora da injustiça, o que não representa problema algum para nós, que afastamos esta contradição com boas doses de hipocrisia.
A FIFA é aquela entidade a cuidar do futebol no mundo todo, servindo-se de seus tentáculos em cada país. É um negócio multi milionário mesmo se não se contabilizarem os dinheiros sujos que por ela passam.
Recentemente, a inclinação da FIFA para a delinquência financeira, notadamente o pagamento de subornos e o branqueamento de capitais, vem merecendo mais destaque. Aqui e acolá sabe-se de algum caso e não é de todo impossível que algum funcionário menor tenha que haver-se com a justiça na Suíça.
Suárez é um brilhante atacante uruguaio que atua no Liverpool, atualmente. É o atual artilheiro do campeonato inglês, tendo marcado apenas trinta e um gols…
Eis que Suárez, num lance típico de área, em que atacantes e defensores se agarram numa cachorrada imensa, mordeu o ombro do defensor italiano. Começou um movimento estranhíssimo para tornar esta imensa banalidade num ilícito gravíssimo.
Pois bem, a FIFA puniu Suárez com suspensão de nove jogos, multa de U$ 247.000,00 e banimento por quatro meses, por este nada acontecido no jogo entre Uruguai e Itália. Um dia depois de anunciada esta punição redentora, de caráter preventivo, como tem que ser alardeado para seduzir as massas, a própria vítima da mordida disse que era um despropósito.
Coisas muitíssimo mais graves ou nunca foram punidas, ou mereceram punições muito mais suaves. Basta lembrar a cotovelada de Leonardo em Tab Ramos, que caiu desacordado imediatamente, no jogo entre Brasil e EUA, em 1994. Por esta ação violentíssima, Leonardo foi punido com suspensão de quatro partidas.
O mais significativo desta encenação de vaudeville no caso Suárez é como é fácil tornar uma banalidade, um nada, em algo a espelhar a seriedade da entidade, que pune exemplarmente as ações violentas. A construção dessa fraude discursiva faz lembrar o pensamento de Foucault.
O discurso baseia-se fortemente na premissa de que é necessário punir para evitar que ocorra novamente. E todos dizem, a todo momento, que esta já foi a terceira mordida dada por Suárez, como se isso tivesse alguma importância. Há futebolistas que dão dez ou mais pancadas violentas por partida, enquanto o sacrificado Suárez deu três mordidas em toda a carreira.
Aqui, novamente, algo que Foucault sempre chamou atenção relativamente à construção discursiva da figura do infrator: há que se fazer um arrolamento de condutas, uma listagem pregressa que constitua um fio delitivo contínuo a indicar que se trata de uma personalidade anormal.
É curiosíssimo perceber como a enumeração de três condutas iguais leva a frêmitos e acusações de reincidência, como se não houvesse dezenas de casos muito mais graves e mais constantes, que não merecem qualquer punição.
A coisa tem ares de fetichismo, por outro lado. Das mordidas de Suárez não resultaram quaisquer danos aos outros jogadores. Muito diferente das cabeçadas, cotoveladas, soladas na canela, carrinhos por trás a prender o pé de apoio da vítima, pontapés e até socos, que não são incomuns. Muito ao contrário, o futebol, hoje, é bastante violento e duro.
O que mais escutei falar disso, depois de opinar que se trata de uma palhaçada, foi: porra, mas foi uma mordida! Sim, foi uma mordida, e daí? Acaso é pior que uma cotovelada? O caso é que poucos param para um momento e daí, em que se pensa com calma e se vê a bobagem erigida em delito grave.
Qual o problema que foi uma mordida? Nenhum. O caso é que mordida é como se fosse algo impróprio ao futebol, como se houvesse algum tipo de violência própria a este esporte. Este é o campo da interdição simbólica, do medo e do fetichismo.
Não pode morder, embora possa dar pontapés, por em risco tíbias, perônios, tendões e outras coisas mais cujas lesões são graves e de difícil recuperação. A mordida foi erigida em quase tabu e um mal em si mesma, independentemente de considerações sobre sua lesividade potencial e real no caso concreto.
As interdições de matriz no tabu são assim, elas não são por parâmetros objetivos e racionais dirigidas a condutas mais graves que quaisquer outras. Elas são graves porque subjaz algo de sexual nessas condutas, algo de fetichista e algo de religioso.
A gravidade da mordida que não machuca é semelhante à interdição católica da masturbação, algo cuja lesividade é zero e cuja reprovação é puramente baseada em simbolismo.
Fato é que esta comédia em que se sacrificou Suárez no altar da delituosidade criada a partir de fetichismo serviu à FIFA, que pode pôr em prática o discurso de tribunal, invocar a sedução das punições exemplares e preventivas e distrair a atenção do público das coisas reais que são seus casos de profunda corrupção.
Perfeito.
O que um desonesto pode fazer melhor do que punir alguém mais fraco por uma bobagem?
É assim que os covardes costumam agir.
Andrei, concordo com tudo, menos com a irrelevância que queres dar ao fato.
Primeiro, porque não é irrelevante.
Segundo, porque o argumento que você usa pra defender a mordida é falso. No episódio do chigamento a Dilma, Leandro Fortes respondeu argumento semelhante dessa forma:
Não pode xingar ninguém, ô babaca. @serklarvel: Autoridade não pode xingar, só juiz,bandeirinha, torcida e jogadores adversários e argentinos.
(https://twitter.com/leandrofortes/status/477872512010027008)
O fato é sim relevante, pode ter sido sobre valorado pelos motivos que você mesmo já disse. No mais, seguindo o pensamento de Fortes, não pode nada, nem chutar canelas, nem carrinhos criminosos, e nem morder. Mesmo a sobre valoração, não é motivo suficiente para que ocorra a absoluta não valoração.
Não defendi a mordida Severiano.
Defendi que os ilícitos praticados em campo não se diferenciam pelos meios, apenas pela lesividade potencial e pela lesividade efetiva.
Não dá para fazer a taxonomia dos iguais.
A mordida, como meio da violência não merece reprovação em si. Merecem reprovação quaisquer condutas que machuquem os outros atletas.
A mordida não é diferente, ontologicamente, de um pontapé no saco escrotal.
“A mordida, como meio da violência não merece reprovação em si. Merecem reprovação quaisquer condutas que machuquem os outros atletas.”
Agora sim, então a mordida não se puniria por irrelevante… Ainda assim poderia concordar com a não punição, mesmo sabendo que houve punição por “estranheza”, e de saber que foi sobrevalorado, não concordo com irrelevar a mordida…
Olhe que estou me contendo em argumentos ainda mais conservadores como, os efeitos que a mordida dele tem sobre as criancinhas do mundo, e o faço apenas por saber que estou discutindo com você viu! Eu podia ser mais conservador!!! kkkkkkkkkkkkkkkkkk
Vou me conter também e abster-me de comparações mais explícitas kkkkkk.
A decisão tomada pela FIFA não levou em conta apenas este fato isolado da Copa do mundo. Soares é reincidente convicto em agressões e atitudes covardes. Já levou 7 jogos de suspensão pela primeira mordida, voltou a cometer o mesmo ato e aí vieram mais 10 jogos de suspensão e agora na copa do mundo levou mais 9 pela mesma conduta.
Fora outros atos de agressões como chutar adversários enquanto caídos, puxar cabelos, dar socos, e golpear a barriga com as cravas da chuteira como podemos ver na coletânea abaixo! Sinceramente, acho que além da suspensão e multa, ele deveria ser OBRIGADO a se submeter à tratamento psicológico caso queira continuar jogando.
Quem quiser ver 3 minutos de pancadaria por parte dele, basta acessar o link abaixo!
https://www.youtube.com/watch?v=DmJPLssZd1Y
Foucault tá cada dia mais útil.
Obrigar alguém a tratar-se é dizer que ele está doente psiquicamente. A construção do doente obedece à mesma lógica da construção do criminoso.
Engraçado é não nos darmos conta de que é aberrante achar alguém doente por uma mordida…
“Los de FIFA son una manga de viejos hijos de puta!”
https://www.youtube.com/watch?v=QqzhT1DUCqQ
Pepe Mujica é um homem sério, inteligente e sem compromissos com a alma do escravo, nem com o pensamento que não pensa.