Lia e relia o poema de João Cabral de Melo Neto, A palo seco, postado mais abaixo. Não se trata aqui de falar analiticamente da obra do poeta, o mais grande deles brasileiros. Nem de fazer associações fáceis ou de lembrar a lâmina na obra cabralina. Ou, talvez se trate exatamente de fazer isso. Não sei.
A lâmina da faca é uma imagem tremenda, imagem clara, mesmo que a lâmina não brilhe. A faca e a facada são coisas nossas, nordestinas, ou eram. A faca acrescida de sol e seco é uma faca ainda mais tremenda, que se molha de sangue, molhado e quente. Não, ela não sai molhada, é tentativa poética vã: ela sai seca.
Quem já viu um homem ser esfaqueado talvez entenda a minha confusão. Posso lembrar-me quadro a quadro do esfaqueamento que vi e ainda lembro da faca e ela era só lâmina, na entrada e na saída. Rapidíssima a faca e a facada, dada de lado, a faca a entrar deitada, como convém. E não há romantismo nem poética de faca revirada e volteada; a facada é rápida, direta, firme, entra e sai.
Ela sai seca, o sangue sai depois. A mesma faca foi, deixou de ser, pois entrou, e torna a ser, quando volta. A mesma faca fria e vulgar; lâmina enferrujada que ainda assim brilha; é o ponto de fuga do quadro gravado em quem a viu.
A facada tem ligação mecânica, ela não trai a lógica. Pode ser feia ou bonita, mas não subverte o mundo. Ela é acompanhada quadro a quadro, do início ao fim. O tiro de bala é diferente. Quem já viu um homem ser baleado deve perceber o que digo. Entre o que atira e o que é baleado, não há a bala, não há nada. Será por isso que o tiro fica bem no cinema e a facada não?
Nunca vi uma facada ou um tiro. Não sem ser através da televisão. Mesmo assim, esta descrição da facada me parece perfeita. É como se eu tivesse visto! Toda a minha vida eu tive isso na mente: eu teria coragem de matar alguém, mas nunca com uma facada! A crueldade deste meio aparenta ser bem maior. Por este motivo eu discordo do ponto final do texto, no qual o senhor afirma que a facada não fica bem no cinema. Talvez seja assim porque o homem é incapaz de interpretar a dor e a crueldade do ato. Um tiro é bem mais fácil. Tanto é que na maioria das cenas nem sentimos a dor. Numa facada (bem interpretada) nós sangramos juntos!
Foste ao ponto, Gustavo. E, talvez concordemos mais que discordemos. Disseste o essencial: talvez não fique bem a facada no cinema, porque não se a sabe interpretar.