Muitos franceses não provençais creem que a chamada cozinha francesa é a melhor do mundo que exclui a Ásia. O restante deste mesmo mundo acredita nisso com a mesma fé que leva multidões a adorarem um livro ou uma personagem histórica. De minha parte, considerando-se este mundo em extinção, deposito minhas crenças e volto minhas preces para a cozinha italiana.
A culinária francesa é demasiado grassa naquilo que frio fica rançoso e tende a mudar de estado. E, embora rica de carnes e de pão, a expressar a riqueza de um dos países mais férteis que há, não teve a inteligência criadora da pasta e das combinações vegetais mais simples e extraordinárias.
Outro dia desses, via um programa de TV de um cozinheiro inglês que faz muito esforço para ser simpático. Geralmente, não levo esse pessoal de TV a sério, porque afinal é de TV e pouco ou nada de bom vem dela. Mas, o rapaz mostrou que não é burro, pois estava em Veneza e cozinhou inspirado em Veneza. Mais precisamente, o cozinheiro fez um carpaccio de carne, encimado por uma salada belíssima das mais coloridas e extravagantes folhas e , afinal, deitou por cima um pesto feito na hora.
A feitura do pesto chamou-me a atenção. Algo trivial que nunca me ocorrera é que os quatro ingredientes do pesto são todos maravilhosos individualmente: manjericão, alho, nozes ou pinhão, azeite e queijo parmesão. Claro, há variações e há quem use pinhão ou nozes ou mesmo castanha de cajú ou mesmo outro queijo forte que não o parmesão. Os pestos industrializados, reparei cuidadosamente que usam óleo de girassol ao invés de azeite de olivas e castanha de cajú, além de serem processados de forma a ficarem muito homogéneos.
O sujeito da TV fez da forma tradicional, triturando e moendo com um pilão e ajustando o alho e o azeite e o queijo aos poucos. Percebi que ele era sincero ao dizer que o instrumento primeiro e mais importante do cozinheiro é o pilão, a forma mais primitiva de misturar ingredientes. E percebi o quanto me faz falta um pilão de madeira…
Por via das dúvidas, adquiri um vidrinho de pesto industrializado, da marca italiana Barilla, para a hipótese do meu dar errado. E adquiri um molho de manjericão fresco, alhos, um pedaço de parmesão e nozes, porque pinhão aqui é impossível encontrar. Separei as folhinhas de manjericão, à mão, cuidadosamente, uma a uma. Descasquei os dentes de alho, todos os que compõem uma cabeça, e não os piquei à faca. Cortei as nozes em pedacinhos.
Pus num potinho de vidro as folhas, as seis nozes picadas e os alhos ralados e um pouco de azeite e comecei a amassá-los com uma colher de pau. À medida que são amassados, deita-se azeite. Esse processo é tão simples quanto demorado e trabalhoso, pois trata-se de amassar mesmo, o máximo possível, para que as folhas, as nozes e o alho derramem suas essências e se misturem ao azeite, veículo a que nada aquoso se mistura.
Depois de algum tempo, é hora de por o queijo ralado e misturá-lo e amassá-lo com força. Convém não exagerar no parmesão, pois é muito saboroso e pode desbalancear a desejada harmonia. No início, a impressão é que a coisa resultará em nada ou quase nada, por conta da aparência. Mas, à medida em que as folhas são trituradas, começamos a ter uma visão de algo mais uniforme.
Para comer com o penne e o pesto, escolhi galinha cozida e depois desfiada. A princípio, pareceu-me estranho e talvez inadequado, porque o peito da galinha é carne de pouco sabor, principalmente cozida. Mas, isso pode tornar-se uma vantagem, se a galinha for mais um veículo para o sabor intenso do pesto que uma carne protagonista a rivalizar com ele.
Cozinhei o peito da galinha na água, sal e pimenta moída, junto com cebolinha fatiada. Nunca havia cozinhado qualquer carne em água com cebolinhas, porque o comum é usá-las no refogado. Desconfiava que pouco do sabor ficaria, mas foi menos ruim que parecia. Depois de cozinhada a galinha, desfiei-a à mão e deixei-a com as cebolinhas fatiadas, murchas já de tanta agua fervente.
Hoje, nada estava previamente resolvido, exceto o pesto que tentaria fazer. Por isso, a mistura da galinha com o pesto foi resolvida na hora e, para meu gosto, ficou ótima. O penne, cozinhei em oito minutos de água fervente, já com sal e um fiozinho de azeite. Ficou propriamente al dente.
Pronto, nos pratos, penne e a mistura de galinha desfiada e pesto, mais um pouco de parmesão ralado por cima e o acompanhamento de um carménère chileno.
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