A Poção de Panoramix

Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Michel Temer entra no golpe.

Para os reais patrões do golpe de Estado que está em marcha no Brasil pouco importa que ascenda à presidência Pedro, Maria ou João; pouco importa que seja preto, branco, amarelo ou verde, desde que entregue o petróleo.

Porém, para os agentes internos, políticos profissionais, importa muito, sim, quem ascenderá, porque o poder, mesmo num país espoliado de sua maior riqueza, é sedutor e meio de vida desta gente. O festim no Estado ainda é muito grande mesmo sem as riquezas do pré-sal.

A facção golpista funciona como uma máfia; todos desconfiam de todos e não é senão ingenuidade ou jogo de cena usar o termo confiança. Ninguém se esforçará para dar o golpe para a ascensão dos outros. Para ser sócio minoritário, pode ser melhor deixar como está, principalmente para o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer.

Recentemente, Temer entrou no golpe explicitamente. À partida, foi uma bela jogada que, a par com a manobra desesperada de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, parecia ter sido o prenúncio do xeque-mate na honrada presidenta Dilma Rousseff. Todavia, a matemática do golpe é complicada.

A adesão do vice-presidente ao golpe seria capaz de envolver na manobra uma peça fundamental: o PMDB, partido sem matizes ideológicas, extremamente capilarizado, sempre sócio de todos os governos desde a redemocratização. À exceção de um ou outro quadro com densidade ideológica e honradez, o PMDB sempre tem sido um partido de aluguel; o maior deles.

Sem o apoio deste partido e depois que Eduardo Cunha admitiu a abertura do processo de impedimento da presidenta, qualquer governo cai, no Brasil. Acontece que o falso motivo jurídico invocado para o impedimento atinge também Michel Temer.

A abertura de créditos orçamentários que dependiam ainda de ajustes na meta fiscal – uma coisa muito corriqueira e sempre feita, para que o país não pare – foi feita também por Temer, em várias ocasiões em que esteve no exercício da presidência.

Logo, a puerilidade invocada como motivo para impedir Dilma atingiria o imaculado Michel e a coisa teria enormes chances de sair do controle e serem ambos derrubados por um falso motivo. Não é muito inteligente supor que o PMDB trabalhará para derrubar o puro Michel também, depois de perder o honesto Eduardo Cunha, que, hoje, precisa ser logo expurgado, pois mais dificulta que facilita o golpe.

O Eduardo Cunha tentou chantagear o governo com a abertura do processo de impedimento. Do ponto de vista dele, não resultou bem. Ele fê-lo como estratégia pessoal de defesa no processo aberto para sua própria cassação. Hoje, desesperadamente, ele retarda os andamentos de ambos os processos. Ou seja, para os golpistas é melhor que se vá logo, mesmo que leve consigo um ou outro parlamentar que navegou nas suas caudalosas ajudas eleitorais.

O Cunha fez o que se esperava dele, mas agora precisa ir-se para destravar o processo. Acontece que ele não quer sair de onde está, até porque, como muitos sabem e dizem, não é um mau lugar e ele precisa de mandato e de não sangrar, porque se verter sangue as piranhas da inquisição o pegam.

O golpe que leve Dilma e Michel juntos não interessa ao governador Alckmin, evidentemente, porque instalaria na presidência o senador Aécio. Obviamente, não interessa tampouco ao senador Serra, que queria ser ele mesmo o homem a servir aos patrões o precioso óleo mineral. Ademais, Serra não teria quaisquer chances para 2018, tanto por ser péssimo nas urnas, quanto por ser detestado por Alckmin, que hoje manda no PSDB.

Em um partido como o PSDB, nenhum desses dois políticos paulistas proeminentes acreditaria em acordo com Aécio para que ele, uma vez instalado na presidência, não concorresse em 2018. Haveria, isso sim, a desintegração do partido, em lutas fraticidas piores que as ocorridas nas últimas presidenciais.

Por outro lado, a tentativa de focar o golpe do impedimento apenas em Dilma, quando os motivos invocados atingem tanto ela quanto Michel, seria muito arriscada. As farsas devem ter tamanhos adequados, não convindo as exagerações demasiado grotescas.

Claro que sempre há um punhado de juristas de algibeira a soldo da imprensa dispostos a sustentarem a aberração de que o processo de impedimento é puramente político. Não é. Puramente político, do ponto de vista teórico, é o processo eleitoral, principalmente tratando-se de eleição para cargos majoritários.

O povo – detentor da soberania, ao menos em tese – vota diretamente para presidente da república. Os parlamentares, mandatários e, portanto, exercentes da soberania em segundo grau, em nome do povo, não podem decidir derrubar o presidente apenas porque o querem fazer. Os parlamentares não têm mandato para violar a vontade popular expressa na eleição do presidente, sem razões jurídicas sólidas para tanto.

Assim, o impedimento sem motivos antecedentes – a prática de ilícito que implique responsabilidade do presidente – é um impedimento de fancaria, uma inconstitucionalidade clara como o céu de Brasília, uma coisa que pode destampar reações inesperadas, de tão farsesca.

O chefe de Estado eleito por maioria do povo não é apeado do cargo por capricho ou porque o parlamento acha que está sem condições de governar. Não cabe ao parlamento revogar o mandato outorgado pelo povo por qualquer outra razão exceto a pratica delituosa nítida. E, no caso de tentarem separar os casos de Dilma e Michel, terão de partir para tal aberração.

Claro que aberrações têm sido comuns no jogo político, seja ele jogado no congresso, seja nos tribunais. A destruição do Estado de Direito já vem de algum tempo e é realizada sistematicamente pelo judiciário e pela imprensa. Todavia, nos últimos processos políticos conduzidos nos tribunais fez-se hercúleo esforço para manter as aparências, para que parecesse haver forma jurídica.

No caso do impedimento não antecedido de motivos e focado apenas na presidenta, a fraude será desmedida. Até os processos políticos que contam com o acobertamento da imprensa requerem proporcionalidade. Quando um processo é visivelmente desproporcional, acontece o que se dá diante do muito feio, diante do grotesco: a incompreensão.

O STF deve julgar, não se vingar, se emocionar, ou se indignar.

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Constituição da República Federativa do Brasil

Não tenho quaisquer especiais simpatias ou antipatias pelo Senador Delcídio do Amaral. Não votaria nele para qualquer cargo eletivo e isso não somente a partir dos acontecimentos desta semana, notadamente sua prisão ilegal.

Tenho, sim, profunda antipatia por um poder de Estado destituído de legitimidade popular que nega vigência à Constituição da República. Principalmente quando o faz por meio do seu órgão máximo, a que compete precisamente a defesa da lei mais importante.

O aplicador da lei, ou mesmo o intérprete dela, se se preferir essa manobra semântica, não cria a regra geral nem a deve violar frontalmente, mesmo na forma sub-reptícia de negar-lhe vigência com amparo em discurso emotivo e farisaico.

A prisão do Senador Delcídio é uma aberração jurídica perpetrada pela mais alta corte de justiça do Brasil.

A prisão de um congressista somente pode acontecer em flagrante de crime inafiançável. Não há prisão preventiva de um congressista diplomado, segundo a Constituição. O decreto de prisão do Senador ampara-se no art. 324, IV do Código de Processo Penal. Essa norma diz que não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva.

Essa norma veda a fiança, mas não amplia o rol dos crimes inafiançaveis. São inafiançáveis os crimes de racismo, de tortura, de tráfico de entorpecentes ilícitos, os crimes hediondos, de terrorismo, e de genocídio e praticados por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. Isto se encontra nos incisos XLII e XLIII do artigo 5º da Constituição Federal.

A prisão do Senador não foi pedida e deferida por qualquer um dos crimes inafiançáveis. Logo, teria de ter sido feita e acatada por crime em flagrante. Mas, em caso de flagrante, o preso teria de ser imediatamente conduzido à autoridade judicial responsável, no caso o ministro relator no STF, o que não ocorreu.

Não houve crime inafiançável, nem flagrante. A decisão é uma monstruosidade jurídica advinda do tribunal maior do país.

Os juízes do STF ficaram melindrados porque uma gravação ambiente sem conhecimento do gravado dizia que ele obteria vantagens inclusive por meio de juízes daquela corte. Ficar com raiva, com espírito de vingança, com vontade de punir exemplarmente é algo adequado a jornalistas de programas policiais vespertinos, na TV.

A vingança está no âmbito da honra privada, não da pretensão punitiva do Estado.

Neste caso, não estavam presentes as condições exigidas pelo parágrafo segundo do artigo 53 da Constituição da República. O decreto do stf é inconstitucional, portanto.

A narrativa é mais poderosa que a experiência e que o interesse.

É impressionante como, nos confrontos entre as palavras e a experiência direta, a palavra frequentemente sai vencedora: muitas pessoas acreditam no que lhes é dito, e não naquilo que seus próprios sentidos indicam.

As linguagens do Cérebro, Horace B. Barlow

 

Todas as classes sociais defendem seus interesses. Uma delas nunca se confunde, nem discursa a favor do próprio suicídio: a dominante. Nas outras, as posturas são cambiantes e há o flerte com a prática real do discurso contra si mesmas.

As classes baixas são variadas; a média é muito mais uniforme nas suas contradições. O poder do 01% é exercido por meio da classe média, a mais tensionada e hipócrita de todas. Assim, ela tem funções demais, porque é a corrente de transmissão do poder do 01% e precisa simultaneamente emular padrões da classe altíssima e conter as aspirações das classes baixas.

O medo e o moralismo vicejam na classe média, que é relativamente pequena no Brasil, porque ela não se define adequadamente somente pelos padrões de rendas e consumo, mas por outras variáveis também. Ela, como a dominante, define-se por herança, ainda, mais que qualquer outro fator. Herança de hábitos, de modos, de linguagem, de bens e rendimentos.

Cresceu muito a classe baixa ansiosa por consumir bens duráveis e não duráveis e isso foi bom, porque além de ser anseio legítimo de um grupo acostumado às privações, impulsionou o mercado interno. Mas não fez destas pessoas médio-classistas no sentido próprio, que é aquele a implicar uma identidade que transcende a aquisição de capacidade de pagamento.

A classe média propriamente dita elaborou uma narrativa para ser levada a esses emergentes, com basicamente duas mensagens: 1) se vocês melhoraram não foi por nada devido ao Estado, mas por vossos próprios méritos e 2) vossos méritos esgotaram-se e assim não se vai adiante. Claro que esse discurso não vai em embalagem tão crua quanto enunciado acima.

As camadas médias fornecem mão de obra técnica especializada para fazer funcionar o poder real. A burocracia estatal e os níveis médios e altos das grandes corporações são lugares cativos da classe média. Os filhos dela estudaram, comeram, foram estimulados a ler e a escrever, tiveram onde dormir, tiveram adequada prevenção de doenças. Tudo isso põe por terra o mito da meritocracia, porque evidencia a inexistência de igualdade à partida entre classes diferentes. Claro que há competição dentro da classe, mas há bastantes lugares cativos.

Dizer que o Estado é um mal é lugar-comum nos discursos elaborados pelos intelectuais, acadêmicos ou não, médio classistas, que alugam suas penas ao 01%. É algo essencialmente tolo, porque tanto os patrões do 01%, quanto a própria classe média vivem da predação do Estado, que põem a seu serviço para predar o povo.

Caso isso que chamam redução do Estado seja posto em prática, não haverá problemas para o 01%, que manterá formas mais sutis de predação. Todavia, se isso implicar redução de número de funcionários e de contratos pequenos e médios, a classe média sofrerá com isso, mesmo que tenha defendido as medidas.

O discurso, na essência, visa a dar legitimidade à redução de despesas com programas sociais, como os de renda mínima. E, contra essas despesas, as cabeças pensantes da classe média dispõem-se a elaborar discursos meio científicos, supostamente elaborados, para serem repercutidos na imprensa, basicamente. Ocorre que esse processo anti-Estado, como todos os que se baseiam em falsas premissas e histeria de cunho moral, pode sair do controle e assumir uma dinâmica mais concentradora que o inicialmente planejado.

O que se observa nestas tensões entre interesses de classes e nas narrativas que o poder utiliza para pregar medidas concentradoras é que há muita tendência ao suicídio involuntário. O sujeito apropria-se de um discurso que é essencialmente contra seus próprios interesses, sem se dar conta disso, porque foi ensinado a não pensar ou a pensar a partir de dados e conclusões pre fornecidos.

Na sofreguidão de se distanciar ou, ao menos, manter a distância pelos de baixo, a classe média trabalha para os de cima e produz e reproduz narrativas que, ao final e ao cabo, são contra ela mesma. Em determinado momento, o sujeito passa a acreditar naquilo que foi produzido por ele mesmo como um trabalho encomendado. Ele acredita na narrativa mais que na realidade sensível. A partir deste ponto, não adianta mostrar dados, números, nem lembrar que existe história…

Barcelona 4 x 0 Real Madrid. E os escravos tristes…

Vejo Real Madrid x Barcelona num canal de televisão que não importa dizer qual é.  O jogo é no Bernabeu e, à despeito das ausências de Messi e Xavi, o Barcelona dá espetáculo. E vence, até a hora em que escrevo, no intervalo, por dois a zero, com gol de Suárez e Neymar.

Muita gente acredita que esportes, em geral, são algo que não se politiza na imprensa. Ótimo para a apreensão do mito da imparcialidade pela imprensa. Mas, politiza-se sim e isso percebe-se pela ênfase. Trágico é que não precisa uma ordem direta de cima para baixo – como ocorre em um jornal – para essa parcialidade: o funcionário oferece-se voluntariamente.

A ênfase, o que se diz e o que não se diz, mesmo à vista duma realidade que não precisava de narrador nem comentarista, enviesa até um jogo de futebol.

Um jogo de futebol não precisa de narrador nem comentarista, nem muito menos de comentarista de arbitragem. Na forma atual, são coisas inúteis. Necessário é apenas um narrador que diga quem está com a bola, porque o espectador nem sempre sabe imediatamente quem é o futebolista. Mais que isso não precisa, porque quem vê, vê.

A construção da narrativa molda o vedor. Por exemplo, o primeiro gol do Barcelona foi belíssimo. Após gritar gol, o narrador da TV começou a falar de bobagens outras que nada tinham a ver com o gol ou qualquer importância tinham. Medidas de segurança e outras coisas mais foram comentadas e o gol esquecido, embora tenha sido bem real e belo.

O segundo gol, o de Neymar, também foi muito bonito.

Termina o jogo, o Barcelona vence por 4 x 0, com mais um de Suárez e um de Iniesta. O narrador da TV brasileira não consegue negar o evidente, mas celebra a superioridade do Barcelona com lamento. Ele diz que o Barcelona é superior com tristeza; é um dizer adversativo.

Pelas tantas, começam a buscar explicações para a derrota do Madri. Ora, só se buscam explicações para coisas improváveis, difíceis ou indesejadas. Essa busca revela uma parcialidade. Para quem pense com a própria cabeça sobre o que vê, o Barcelona ganhou por 4 gols porque jogou muito mais.

Buscar explicações não é sempre buscar conhecimento; pode ser buscar justificações. A imprensa espanhola, a TV, mente menos que os brasileiros que compram o sinal para transmitir aqui. A TV focou Rajoy com cara de tristeza na arquibancada.

Esse jogo podia ser apenas futebol, mas não é. A única coisa que o galego madridista Francisco Franco permitiu, como expressão nacional, foi a equipe do Barcelona. Por isso, tornou-se um símbolo. E tornou-se um símbolo de futebol bonito e eficaz, superando o modelo holandês dos anos 70, que era só bonito.

Em campo, é apenas futebol e bonito. Fora dele é algo mais a evidenciar a lógica deformada da dominação madridista. Ora, se a Catalunha quer se separar, que se separe!

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