A Poção de Panoramix

Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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O monstro corporativo e a rejeição à democracia.

Acentua-se nas camadas médias da sociedade e principalmente naqueles instalados no serviço público a rejeição à democracia, seja explícita ou disfarçadamente. No estágio atual, as rejeições explícitas são minoritárias e isoladas em grupos extremistas de pouca elaboração narrativa.

Prepondera a rejeição à democracia da maneira mais vil e desonrosa, que é mediante o disfarce e o discurso profundamente hipócrita da defesa da própria prática democrática. Essa postura é de regra para algumas corporações que se apropriam do Estado em benefício próprio. Hoje, notadamente, todos os serviços jurídicos e adjacências, serviços de contenção social – polícias – e as universidades.

 Os grupos formalmente instruídos que compõem estas corporações insertas no Estado agem contra a prática da democracia representativa, mesmo que o façam dissimuladamente. A ação centra-se na democracia interna e transplanta para o público um discurso que somente tem coerência para o privado. Quem é pago por todos de forma impositiva não pode gerir-se como se fosse pago por serviços privados, optativos, específicos.

O protótipo do modelo por todos desejado encontra-se num arcaísmo destituído de sentido, mas nunca seriamente discutido, adotado pelas universidade. Trata-se da eleição dos reitores das universidades públicas pelos votos dos docentes, discentes e funcionários, eleição que, embora não tenha formalmente caráter vinculante do executivo, tornou-se vinculativa na prática reiterada de ser aceita.

Ora, a escolha do reitor da universidade pública no âmbito restrito da universidade – que via de regra tem um imenso orçamento alimentado por dinheiro coletado junto a toda a sociedade – é algo nitidamente anti democrático, embora seja divulgada como o ápice da prática democrática. Aqui, tem-se o triunfo quase completo dos interesses corporativos, pagos com dinheiro da sociedade, em detrimento dos interesses realmente públicos.

Isso é a democracia dos sem votos; a democracia que escolhe como gastar o dinheiro de todos sem perguntar nada a estes todos. Democracia haveria se o reitor, para ficar neste exemplo, fosse escolhido em eleições gerais ou simplesmente nomeado pelo chefe do executivo, que se submeteu a eleições gerais e majoritárias e, portanto, tem mandato popular e legitimidade para a escolha.

Os poderes judiciais – o de decidir e o de acusar – já contam com uma curiosa variante da restrição democrática corporativa. Ela não se conhece em parte alguma e atende pelo nome de autonomia administrativa. A corporação judicial brasileira conseguiu transbordar uma garantia essencial que é a autonomia funcional, isto é, para decidir, para um privilégio sem sentido que é a autonomia para gastar quanto quiser, como quiser, onde quiser, sem dar contas a ninguém.

Eis que corporações adjacentes à judicial anseiam pelos mesmos privilégios e chegam às raias da absurdidade de pretenderem escolher seus chefes por eleições corporativas internas e impor ao chefe de Estado – que teve a inglória tarefa de ir buscar 50 milhões de votos populares – suas escolhas internas, que só atendem aos seus interesses. É uma investida frontal contra o modelo democrático, embalada no costumeiro besteirol jurídico-moralizante, com uso de lugares-comuns da moda, claro.

 É contrassenso absoluto pretender a autonomia de órgão do Estado relativamente ao povo em geral e aos governantes eleitos em particular. Pelo menos é contrassenso postular isso e manter-se aparentemente alinhado ao modelo da democracia representativa. Isto que se propõe e que se deseja é um modelo híbrido do Estado fascista corporativo, com um pouco mais de desconcentração interna que os modelos históricos recentes.

É ilegítimo pretender atuar à margem de qualquer controle hierárquico e gastar dinheiro público à margem de qualquer crítica social. É patifaria embalar este desejo de apropriação do Estado em causa própria com os papéis e fitas do discurso democrático.

O sequestro do ex-Presidente Lula.

O golpe judicial-mediático segue um guia muito bem definido e hoje promoveu o sequestro do ex-Presidente Lula para humilha-lo. Falou-se em condução coercitiva para prestar depoimento à polícia federal. Ocorre que o sistema jurídico desconhece condução coercitiva de quem não se recusou a ir depor.

Montou-se uma encenação digna de filme ruim de hollywood; uma verdadeira palhaçada, cara e desnecessária. O sequestro de Lula implicou a participação de duzentos policiais vestidos como soldados de elite, todos a portarem metralhadoras. Envolveu dezenas de veículos e cinco helicópteros. Como se um velho de setenta e tantos anos oferecesse algum perigo…

A encenação faz parte da narrativa. É talvez a parte mais eloquente, posto que de apelo visual de uma linguagem a que a classe média está acostumada precisamente por ser a dos filmes que ela aprecia. É a linguagem visual da violência, cujo protótipo é o militar em indumentária de combate e fortemente armado.

De pouco adiantaria o golpe final a ser dado contra Dilma e o Estado de direito no TSE com um Lula politicamente viável para as eleições presidenciais de 2018.

Em dois anos ou pouco menos que isso as atuais oposições aplicam políticas brutalmente regressivas e condenam milhões de pessoas ao reempobrecimento, que isto se encontra no seu programa. Um governo das atuais oposições terá de satisfazer o anseio das classes médias de devolução dos servos às senzalas. Terá de cortar programas de rendimentos mínimos porque é isso que espera deles pelos que os apoiam.

Todavia, pouco menos de dois anos não serão suficientes para cumprir a íntegra do programa entreguista que prometeram aos patrões reais.

Daí que um candidato de esquerda como Lula, em 2018, depois da deterioração da qualidade de vida e do poder de compra dos que ascenderam nos anos de governo dele, seria muitíssimo competitivo. Exatamente por isso, talvez mais importante que derrubar Dilma é interditar Lula.

É possível que os golpistas adiram à mais vil das estratégias que é tornar o país caótico e ingovernável até o término do mandato de Dilma, sem contudo consumar o golpe de Estado. Assim, chegaríamos a 2018 sem candidatos nacionalistas viáveis e os entreguistas teriam reais chances de ganhar nas urnas e cumprir todo o programa de empobrecimento dos que ascenderam e entrega das riquezas nacionais.

Variante da síndrome de Estocolmo.

Há um processo nítido de golpe de Estado, levado a cabo pelo conúbio entre a imprensa e o judicial. O segundo faz tudo para derrubar a Presidenta da República a partir de qualquer argumento, por mais pueril que seja, além de tentar a humilhação do ex-Presidente Lula e sua interdição política, também a partir de vários nadas reunidos. O processo é jurídico apenas na aparência, pois viola quase todas as garantias constitucionais fundamentais.

A imprensa faz o papel de instigar nas classes médias um ódio moralizante e hipócrita cego. Levou este estrato social ao grau zero do pensamento autônomo. Além disso, leva os setores normais da burocracia judicial à inação diante das aberrações perpetradas, por conta do medo do linchamento público induzido pela imprensa. A parte sensata do judicial foi paralisada pela chantagem mediática.

Além de atender aos interesses dos operadores locais das oposições ao governo, este processo atende aos interesses de desnacionalização das reservas de petróleo e da indústria pesada nacional, que se articulou muito fortemente em torno à cadeia do petróleo e viu renascer um setor voltado às altas tecnologias, notadamente no âmbito militar. O golpe serve, preponderantemente, aos interesses entreguistas.

Por meio de barbaridades travestidas de medidas judiciais enfraqueceu-se a ligação entre o governo e a grande burguesia nacional. Grandes capitães de indústria foram e são chantageados por meio de privações de liberdade ilegais, de que escapam se disserem precisamente o que o sistema golpista quer ouvir, pouco importando a veracidade do que é dito.  A bem de investigar contratos entre empresa meio pública e empresas privadas, o golpe judicial trabalha assiduamente para quebra-las ambas, de maneira a serem adquiridas pelo capital externo a preço de quase nada, ou simplesmente destruídas.

Esse processo cansa e confunde. Não que este cansaço signifique, para as classes médias enfurecidas contra roubos que não compreende absolutamente, alguma regressão no estado de ânimo pre-fascista a que foi levada. Mas, no âmbito das pessoas que conservaram alguma lucidez e pensam com o cérebro e não com fígado o processo tem cansado e confundido, realmente.

Essa espécie de reação tem padrão histórico, ou melhor se diria que este tipo de reação advinda do cansaço e da confusão implica uma postura muito estável relativamente a processos semelhantes. O que muitos dizem hoje relativamente à situação da Presidenta Dilma, já disseram sobre os casos de Getúlio Vargas e de João Goulart. Este último catalisou o tipo de análise que chamo quase síndrome de Estocolmo.

Cansados e confusos, alguns começam a crer que o processo destrutivo que sofrem alguns governantes deve-se, em muito, à inação ou incapacidade políticas deles próprios, o que não deixa de ser identificação, mesmo que parcial, com os algozes da imprensa, dos partidos e do judicial. O processo é tão brutal e absurdo que muitos são levados a crer que aquilo não poderia nascer e crescer senão com a ajuda da vítima.

É um erro de análise abissal e o caso com João Goulart é exemplar. Passados muitos anos do golpe militar que o derrubou da presidência, começou a formar-se uma narrativa da tibieza e da covardia de Goulart, o que é apenas falso. O mito é que haveria reação eficaz ao dispor do Presidente, que teria preferido a inação.

Primeiramente, convém destacar que não havia reação eficaz alguma contra os navios militares norte-americanos fundeados ao largo do Rio de Janeiro, inclusive entre eles um pequenino porta-aviões da classe Nimitz… Em segundo lugar, mais da metade das forças armadas estava a favor do golpe, uns por estupidez, outros por dinheiro mesmo. Entre os movimentos ditos de apoio ao projeto nacionalistas, muitos não passavam de infiltrados que nunca foram realmente de esquerda ou nacionalistas. A imprensa era majoritariamente favorável ao golpe.

Ai, neste passo, quem insiste na possibilidade de reação lança a carta da defesa pelo povo. Ora, o povo não tem consciência de classe hoje, imagine-se há cinquenta anos. O povo cuida do dia-a-dia, de pagar suas prestações, de comer, de procurar trabalho, de algum lazer barato. É muito ingênuo, até para acadêmicos neo-cooptados, supor possível uma reação popular organizada contra o golpe de Estado desferido em 1964.

João Goulart foi extremamente responsável e sincero quando disse que não levaria as coisas a um estado que implicaria um banho de sangue. Se insistisse nessa quimera, geraria um banho de sangue por nada, porque as chances de êxito não havia. Seria um capricho movido por vaidade. Ele foi grandioso.

Pois bem, começam a surgir análises que põem, ainda que parcialmente, na conta de Dilma o massacre mediático de que ela é alvo diariamente. Isso é tolo e vil. Não era a habilidade ou inabilidade política de Dilma que evitava as coisas chegarem ao grau de efervescência golpista atual. Era o tempo demandado para a imprensa conseguir catalisar todas as piores inclinações do médio classista fariseu prototípico. Isso leva tempo; é preciso trabalho constante. Da mesma forma, a construção do processo judicial leva tempo.

Dilma não contribuiu para que o processo golpista chegasse onde chegou, com tamanha intensidade e probabilidade de levar o país ao caos subsequente. Um pouco de pensamento autônomo, amparado nas balizas clássicas da história e da lógica formal, permite ver que nada ela poderia fazer para estancar isso. Não havia, nem há, acordo possível com as forças do golpe, exceto se se tornar também golpista e decidir entregar as riquezas nacionais aos comandos e interesses externos.

O povo está ansioso por suprir suas necessidades – reais e quiméricas – materiais: quer comprar, enfim. Não sairá às ruas para defender um projeto nacionalista em oposição a um entreguista e de submissão, simplesmente porque não concebe nada nestes termos.

Hoje, muito mais decisivo que qualquer ação da Presidenta é o desenrolar da situação geopolítica, notadamente as eleições presidenciais nos EUA, sua situação financeira, sua capacidade de promover desestabilizações por todo o mundo. Se a margem de ação dos EUA reduzir-se, tanto por esgotamento financeiro, quanto por formação de nova vontade política, podemos ter alguma paz…

 

Meu coração tem um sereno jeito.

Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto,
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto,
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa,
Mas meu peito se desabotoa…
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa,
Pois que senão o coração perdoa

Pseudodivergência: poder real.

A maior expressão de poder é estabelecer as condições em que serão postos os discursos da pseudodivergência, que é um dos pilares do mito da imparcialidade. A imprensa majoritária – braço amigo do grande capital – conseguiu atingir este objetivo e domina integralmente o espetáculo do contrário aparente.

Se eu ponho as balizas da discussão sobre mim mesmo, eu sou ponto e contraponto previsíveis. Curiosamente, há um exemplo de sucesso desta estratégia na indústria do entretenimento, em que as piadas com judeus são todas previamente autorizadas por eles mesmos, não estranhamente os donos desta indústria.

Inicialmente, a abundância material atingida no século XX – e abstraio da justeza da sua distribuição – deu as condições da espetacularização da sociedade: condições econômicas para um fato social. Em segundo momento, o processo passou a retroalimentar-se também pela categoria subespetacular da pseudodivergência.

 O debate havido no âmbito dos vários meios de imprensa é o modelo ideal da pseudodivergência, que funciona mesmo se protagonizado por debatedores bem intencionados e não necessariamente assalariados para dizerem isso ou aquilo especificamente. É possível lançar a pseudodivergência que nada diz, nada informa e tudo confunde com pessoas mais ou menos livres das amarras da compra e venda puras.

 Há lugares a serem explorados para a condução da pseudodivergência com bons ares de imparcialidade teórica e política. Um deles é o consenso, tratado implicita e explicitamente como objetivo sempre desejável, embora não se pare para pensar porque o consenso seria algo invariavelmente vantajoso.

Esse arranjo disfarça uma convergência enorme de interesses na reprodução espetacular e conduz a uma aparente polifonia, quando, na verdade, tudo obedece a uma lógica que já não usa nem se refere a valores de uso. A lógica é integralmente de troca e de discursos que se articulam às trocas sucessivas, sem, contudo, nada de substancial dizerem.

Essa aceleração na dinâmica do poder real não se deve tanto ao aperfeiçoamento tecnológico recente. Do rádio em diante, suas condições técnicas suficientes estavam dadas. Bastava, para o triunfo absoluto, que se chegasse ao ponto de inexistência de memória da situação precedente, ou seja, de pertencerem todos desde nascidos ao tempo das tecnologias de comunicações usadas pelo espetacular.

 Assim, o poder determinou em que termos se pode falar dele, forneceu as objeções que ele gosta de receber, forneceu os meios das pessoas serem aparentemente contrários, apropriou-se da contracultura como mercadoria. O poder, não é demasiado destacar, não se confunde com os governos, embora com eles geralmente esteja em franco conúbio.

A essência do poder é não ser percebido; quando consegue atingir este estágio, é pleno. O dinheiro reunido aos meios de comunicação levou a um poder quase pleno, por todo o mundo. Determinar o que é assunto e contra assunto permite-lhe atuar livre de críticas efetivas e mais, reduzir as hipóteses de deserções efetivas do modelo.

A deserção efetiva implica a percepção do caráter fetichista da mercadoria e isto é cada vez mais difícil e consequentemente mais raro, o que leva a crer na longevidade deste modelo espetacular, permeado aqui e acolá de crises que ele mesmo gera, como reservas de energia para sua constante reprodução.

A divergência seria rejeição ao consumo – à falta de termo mais adequado – de mercadorias e de informações; a rejeição à terminologia fornecida pela imprensa; aos seus loci discursivos pseudohumorísticos. Seria necessário perceber que a divergência não acontece pelas regras de quem as forneceu, exceto se ele assim o quiser e neste caso, interessa ao espetáculo e não passa de pseudodivergência.

Discurso jurídico e farsa.

Recentemente, falou-se da descoberta de uma carta manuscrita de Adolf Eichmann para o presidente de Israel na época de seu processo de eliminação física. Por meio desta missiva, Eichmann teria pedido para ser poupado do assassinato. Não sei se isto é verídico e não fui averiguar a tal notícia.

Não sou dos que nutrem especiais admiração ou repulsa por Eichmann. Se fosse dos primeiros, certamente o nível de admiração cairia, na medida em que o pedido de clemência é a tolice suprema de um desesperado. Compreende-se que não se queira morrer na forma vil que é a forca, mas pedir aos executores da vingança que a não executem é patético, além de inútil.

Se fosse dos segundos, certamente a repulsa aumentaria, porque sempre se compreende um pedido de clemência como algo necessariamente antecedido de uma confissão de culpa implícita. É como se o fulano dissesse que fez o que fez, mas por razões que lhe fugiam, por cumprir ordens e coisas deste gênero.

O pedido de clemência, caso tenha havido, é bastante revelador. Tanto da ingenuidade do pedidor, quanto da total ausência de juridicidade no processo em que se decretou sua execução após o sequestro. Ou, talvez ainda mais, revelador do correto significado da judicialidade.

 Nossa cultura judaico-cristã sente necessidade imensa de disfarçar as vinganças e o exercício do poder. Eles têm de ser confundidos num processo que os legitime formalmente. Para isso serve o direito, essa forma cambiante de conferir aparências civilizadas às coisas mais brutais. E serve para tanto mesmo expondo suas contradições enormes. Por exemplo, em termos criminais, não se admitem crimes nem penas sem leis anteriores que os definam.

Todavia, os famosos tribunais de exceção desprezam absolutamente este princípio e o da territorialidade. Realmente, a extraterritorialidade é algo aberrante em termos de justiça criminal, porque o suposto criminoso nunca agiu a pensar que estivesse submetido a uma nebulosa jurisdição universal baseada numa lei que ainda não existia.

O que há – e é profundamente humano – é a vingança. Mas, como em relação a quase tudo muito humano, a cultura judaico-cristã tem vergonha da vingança e precisa chamar-lhe julgamento.

O escravo não deve perceber a escravidão. Por isso a imprensa nega a luta de classes.

O capital serve-se da imprensa como se serve da repressão policial. São meios de ilusão e controle social que devem inicialmente impedir a tomada de consciência da luta de classes e, secundariamente, reprimir violentamente qualquer ameaça ao patrimônio.

O discurso é mais eficaz, historicamente. A imprensa, assim como o poder judicial, apropriou-se sagazmente do mito da imparcialidade e ficou livre para mentir e deformar à vontade, em atividades editoriais disfarçadas em jornalismo.

Vendeu a ilusão de que noticia fatos, pura e simplesmente, o que é muito distante da realidade. Ela vende pacotes prontos de idéias simples a serem repetidas pelo público não pensante.

Mas, além da imprensa e do judicial, é interessante perceber que quase toda a sociedade adotou narrativas que tendem a negar a luta de classes, como se os mais díspares grupos em termos de apropriação de rendas tivessem os mesmos interesses.

O discurso corporativo tem exemplos interessantíssimos. Em supermercados, os empregados mais subalternos são chamados colaboradores ou, o que é mais perverso, associados. Colaborador dá idéia de proximidade, de semelhança entre empregado e patrão, algo muito longe de ser verdade.

Associado é perversão e piada. Tudo isso visa a afastar a percepção de exploração e das diferenças imensas na apropriação dos resultados. E resulta bem, a despeito do empregado saber que trabalha muito e que se cansa muito e que ao final ganha pouco.

Essa sagacidade é, talvez, ainda maior nas classes médias, que chamam suas empregadas domésticas pelo eufemismo secretária. Ora, como é que é secretária quem não ganha salário desta função, quem não faz trabalho de secretária? É uma piada de alta perversidade.

Neste caso de secretária, a família médio classista expia um pouco de sua culpa esclavagista, além de suprimir o termo estigmatizante empregada. Claro que do estigma só se extirpa o nome e o restante permanece nesta que é a pior função laboral existente no Brasil.

Mino Carta aponta algo interessantíssimo no âmbito da imprensa. Diz que não conhece outro país onde os jornalistas e repórteres chamem os patrões de colegas. Ora, o fulano que escreve o editorial é o patrão ou funcionário qualificado deste – um quase patrão. O jornalista é empregado, nunca colega de patrão algum.

É necessário expurgar dos discursos todas as menções, todos os termos que indiquem a relação patrão – empregado explicitamente. É preciso que não se percebam com nitidez as diferenças enormes e obscenas entre os 2 ou 4% que se apropriam de mais e os rentantes. Claro que diferenças percebem-se, mas o discurso leva as maiorias a ignorarem qual grandes são elas.

Diferenças que não se percebem nas suas reais e abissais dimensões parecem aceitáveis e podem ser explicadas pelo besteirol comum do mérito e outras mentiras deste tipo. Assim, os escravos seguem a aceitar suas servidões, na medida em que não de veem como servos.

Por conta da negativa da luta de classes – a maior tarefa da imprensa que funciona como uma corporação mundial a serviço do grande capital financeiro – as maiorias são levadas a descrer da política e pensar que o farisaísmo é mais importante que a escolha política. São levadas a acreditar num sistema burocrático supostamente virtuoso, meritocrático e imparcial.

A negação da luta de classes é a negação da política também. Implica a idéia de não haver escolhas, opções, hipóteses, nada variável conforme uma decisão que vise aos interesses próprios de uma classe. É um estado quase religioso de verdade única, de gestão por manuais, ou seja, de naturalização da história. Isso é conservadorismo na forma mais pura.

Por terem tido grande êxito em fazer a maioria das pessoas crerem que compartem interesses com seus exploradores, os avanços políticos, sociais e econômicos, nomeadamente no que se refere a melhor distribuição de riquezas, são espasmódicos, episódicos e sempre sujeitos a travões ou retrocessos.

As pessoas chegaram, em sua imensa maioria, ao grau zero do pensamento autônomo. Não há originalidade para dizer algo belo nem feio, só repetições. Não há noção de história, nem de realidade.

Presentemente, para travar as melhoras nas vidas da maioria das pessoas – algo que repugna às classes médias e altas – a imprensa investe contra governos sob argumentos não provados de haver neles corrução elevada.

Ora, não há hoje corrução mais elevada que em qualquer outro período histórico e só os tolos crêem que há, porque é próprio dos tolos serem ignorantes de história e não pensarem por si mesmos.

Assim, muitos são levados a esquecerem as melhoras de níveis de vida e a bradarem contra algo que é historicamente estável e não mereceu estes ataques, exceto quando havia governos mais favoráveis ao povo, claro.

Conduzido por uma imprensa hedionda o povo busca o suicídio, oferece sua servidão e marcha para um fascismo perigosíssimo.

Uma questão de gênero.

Esse último ano certamente me deu pena do rapaz que teve que preparar uma retrospectiva da política nacional brasileira. Foi um ano intenso, e a cada novo acontecimento de seus últimos dias o ano mais parecia um seriado em que o roteirista brincava de ligar as pontas soltas do ano todo.

Também nesse ano, mais do que em outros, houve um acirramento político no Brasil entre os que se dizem de “esquerda” ou de “direita”, podendo ser considerados representantes de cada lado e tendo visibilidade nacional, estão os deputados federais Jean Willys e Jair Bolsonaro. Um homossexual que defende as políticas de gênero que acha pertinentes, e o outro um ex-capitão do exército brasileiro que as rechaça por completo, ou quase isso.

Esse fato levou à uma distorção não somente do assunto em si, como também de como tratá-lo. Ora, esse não é exatamente um assunto nacional, senão que é discutido em todo o mundo e não é de hoje. Em alguns lugares é mais bem recebido, ainda que não sem resistência a um ou outro de seus questionamentos.

Considerando gênero como a construção psicossocial do masculino e do feminino. há diversos conceitos, para determinar o que chamamos “gênero”: como símbolos culturais evocadores de representações, conceitos normativos como grade de interpretação de significados, organizações e instituições sociais, identidade subjetiva (SCOTT, 1988); como divisões e atribuições assimétricas de características e potencialidades (FLAX, 1987)”

Entre esses lugares onde o assunto é bem recebido, estão todas as nações ditas desenvolvidas, mais explicitamente América do Norte excluindo-se o México, Europa ocidental e Austrália. Via de regra são os mesmos lugares que o “típico brasileiro” se acostumou a dizer que são melhores em tudo, quando se referem diretamente ao Brasil. Esse costume eu identifiquei, ainda que não massivo como no caso Brasileiro, na Espanha com referência a assuntos pontuais, um exemplo seria um “típico espanhol” dizendo que o cinema espanhol é pior que o norte americano. O caso brasileiro é muito mais conhecido por mim, dai vem o “massivo”, não é que em outros lugares não exista, apenas que a situação de meu país é a que mais conheço.

Acontece que na Austrália um grupo de meninas iniciou um grupo de estudo sobre violencia machista que se formou numa aula de literatura, ou seja, contra violência de… Gênero!

Não somente isso, não satisfeitas com a ausência de assuntos como feminismo nos curriculums escolares australianos, as garotas de 8 a 15 anos ajudadas pela professora, iniciaram uma campanha de Crowdfunding para a elaboração de um KIT contra violência de gênero para ser distribuído e usado por professores e alunos em outras escolas australianas. O objetivo era conseguir 3000U$, as meninas conseguiram 12.000U$. Quatro vezes mais, certamente ajudadas por… Pais e amigos!

Na Espanha, onde de momento estudo e na mesma universidade, que é pública, existe um mestrado em… Gênero!

Nos EUA, mais exatamente em Nova Iorque, uma garotinha de 13 anos, passou a escrever um blog e defender mais ou menos o que defendem as meninas australianas, representando a ONU, que não é pouco, e falando de… Gênero. É um blog para adolescentes feministas.

Agora, eu sou do nordeste do Brasil. Lugar notoriamente conhecido por filosofias avançadas com as quais presenteou a humanidade fazendo-a evoluir muito… Só que não…

Não obstante eu compreendo exatamente como se sente um conterrâneo meu ao assistir um vídeo como esse:

Compreendo exatamente porque eu vejo o vídeo e sou tentado a pensar: “A criança claramente foi treinada nesse discurso!”. E não obstante, por morar ali, eu mesmo vi e tive companheiros de classe “afeminados”, que se vestiam de “homem” e eram ridicularizados inclusive pelas meninas de quem eram mais amigos. Crianças e jovens podem ser e efetivamente são bem cruéis quando querem. Por haver tido tais companheiros, me pergunto o que aconteceria se seus pais tivessem desde o princípio acatado a opção do filho e reagido como os pais dessa criança, defendendo-a incluso de outras crianças e outros pais.

Agora… Não sou pai. Falo sem conhecimento completo de causa, e sem medo de afirmar, quando vejo um pai que compra uma boneca para seu filho, vejo muito mais possibilidades nessa criança do que na nordestina, como eu, que foi, é, e será criada para reproduzir velhos preconceitos.

Acreditar e mais que isso, aceitar que existe o problema e lidar com ele, são apenas primeiros passos. É uma coisa no mínimo engraçada que no mesmo Nordeste em que dizem segundo a situação que você “seja homem”, porque de um “homem” se espera uma série de atitudes tais, adquiridas ao longo do tempo, também seja o Nordeste que rechaça que uma mulher também se edifica, e que em ambos os casos, o corpo biológico é mero detalhe. A referência é clara, as críticas a Simone de Beauvoir e seu texto presente no ENEM. Era preferível TENTAR desconstruir a filósofa, do que minimamente pensar sobre sua afirmação.

Da mesma forma que a aceitação é um dos passos para a solução, a politização exacerbada do problema é o primeiro passo para o abismo. Assumir a preferência por político A ou B que via de regra não fazem ideia do que estão falando e são contra ou a favor de partidos políticos com ideologias tal ou qual, é o abismo em si mesmo, e esse é o caminho que seguimos no Brasil.

Continuaremos durante muitos e muitos anos, vendo gerações de brasileiros visitarem Espanha, Austrália, e EUA, regressando de suas viagens a cantar a perfeição nesses lugares, enquanto são contra as coisas mais básicas que lá existem, em seu próprio país. Ações que caso seus filhos realizassem, com certeza seria motivo de seu orgulho, sendo defenestradas de dentro de casa, pelos mesmos pais que gostariam que seus filhos escrevessem para a ONU.

São Jerônimo: patrono da crítica?

Um bárbaro dálmata do século IV a.C. traduziu a bíblia hebraica e os evangelhos canônicos para o latim. Fê-lo mesmo alfabetizado tardiamente em grego e em hebraico, o que é notável! A Vulgata, tradução dos textos hebraicos e dos textos gregos do Novo Testamento para o latim, deve-se a ele.

O homem fez de tudo e devia ter um senso de oportunidade muito apurado, pois foi de asceta do deserto a proto acadêmico e acompanhante e confessor de senhoras ricas piedosas. Viajou o mundo que a cristandade conhecia, ou seja, a bacia do mediterrâneo oriental, a Palestina, a Síria, a Lídia.

Pegado a livros e principalmente a livros sem autoria definida – o que não constituía qualquer problema – ele desenvolveria a técnica da crítica, que é uma forma de tradução ou, no mínimo, uma derivação desta. Estabeleceu regras para a fixação de autoria, a partir basicamente de conceitos de continência. São critérios de validade e canonicidade por autenticidade consigo mesmo.

Assim, por exemplo, se de vários livros atribuídos a um autor, um apresenta nível inferior, ele deve ser considerado fora da obra. Deve haver uma constante de nível e uma obra inferior às demais retirada do conjunto. A obra que contradiga a corrente ideológica do autor deve ser considerada não dele. Este é um critério de coerência a afastar tudo quanto inicialmente desdiga a linha maior do autor.

O estilo também deve ser homogênio e, assim, a obra que se afaste estilisticamente das restantes tampouco pode ser do mesmo autor. Por fim, lança um critério histórico – o único, talvez, a ter algum sentido – pelo que a obra que se refira a fatos e personagens posteriores ao autor não deve ser considerada dele.

Esse padrão, esses critérios, lançaram as bases da fixação de autoria e, mais que isso, de toda a crítica ocidental posterior. Para ele e na época, isso calhou muito bem, pois tratava com a formação de uma tradição que precisava autenticar-se e autorizar-se. Ele acresceu método, aquilo que autoriza mesmo que signifique nada ou quase nada, posto que sempre dogmático, como qualquer parametrização científica.

O texto sagrado pede autor certo e pede intérpretes, assim como o texto jurídico da tradição judaico-cristã. Se por um lado é aberto e pede intérpretes, por outro precisa fechar seus furos de autoria e estabelecer uma unidade que lhe confira autenticidade e historicidade, mesmo que seja para se afirmar revelado e não histórico.

A crítica gira em torno a isso desde sempre e é crítica de autor mais que de obras. Cuida da unidade da obra a partir de elementos que a própria obra fornece. Ela aponta o diferente que não deveria haver porque proveniente do mesmo autor. Ela percebe melhor da coerência que o próprio autor que tem uma obra glosada por diferente em nível, estilo ou ideologia da linha geral. A crítica é basicamente o fetiche da coerência segundo a definição externa ao autor.

O biografo de autor é uma figura de crítico que sabe escrever mais que cinco páginas e quer ser considerado também autor. Evidentemente, isso é tanto inútil, quanto presunçoso, na medida em que não for história pura e simples. A biografia de Napoleão será uma coisa, a de Stendhal outra. Qual o sentido da biografia dum autor, senão o de lhe retraduzir mais uma vez?

A obra sobre a obra e a obra sobre o autor são a obra de alguém sem obra. Ora, se autor e obra forem o mesmo, escreve-se história. Se o primeiro existe sem o segundo, escreve-se psicologia de uma pessoa que pode ter existido. Se a segunda existe sem o primeiro, escreve-se uma tradução.

Embora não seja o que me levou a escrever essas bobagens, recentemente houve algo que, agora, me vem ao pensamento. Um fulano muito importante escreveu um livro a que chamou: Fernando Pessoa – Uma quase autobiografia. É extraordinário! Conseguiu ser extraordinário mesmo num mundo com tanta gente e com tanta gente proveniente das terras narcísicas da capitania de Pernambuco.

Uma autobiografia é a história de si mesmo, escrita pelo que a viveu. Uma quase autobiografia é obra de quem é quase o autobiografado. Assim, o autor da quase autobiografia de Fernando Pessoa é quase Fernando Pessoa!

Até então, nunca tinha visto alguém dizer-se quase outra pessoa, embora já tenha escutado a afirmação da identidade total. Quase Fernando Pessoa é algo interessante, porque fica a dúvida se quase o escriturário metódico ou o autor tão aparentemente diverso em estilos de prosa e de versos.

A presunção em afirmar-se quase Fernando Pessoa não passa por ser este autor algo muito grande e inatingível por outrem; não passa por o quase ser impossível de ser quase o paradigma. Não é uma questão de valor do paradigma ou do quase. É que é difícil saber o que é outrem na integralidade, para poder saber que é quase ele.

Quase algo só se afirma por saber-se totalmente o que é o outro. Assim, sabendo-se a integralidade, pode-se saber as diferenças que fazem o quase. Mas, saber a totalidade é quase presunçoso…

Judiciário: caríssimo e gerador de instabilidade.

Presentemente, duas corporações investem contra o desenvolvimento social, econômico e institucional do Brasil: a imprensa e o judiciário. É até difícil saber qual é pior, mas é certo que da imprensa, como instituição majoritariamente privada – ao menos na aparência – não se espera grande coisa, exceto se se for muito ingênuo. Na verdade, vistas as coisas com rigor, a imprensa é pior, até porque é a garantidora e estimuladora das atuais investidas e excessos do judiciário.

 

Claro que é ingenuidade esperar do judiciário que não seja uma corporação a pensar principalmente em si, a despeito de todo o discurso que produz em sua defesa, a partir do mito da imparcialidade. Ora, é próprio das corporações, estatais e privadas, pensarem principalmente nos seus interesses e isso não é o extraordinário.

 

O que permitiu a essas instituições o poder destrutivo e a imunidade que têm foi a apropriação do mito da imparcialidade. Para tanto, trabalha outro mito, no caso específico do judiciário, o da especialização técnica, que seria algo destituído de conteúdo ideológico ou político, algo como a ciência inerte em termos de valores.

 

Amparado nessas ilusões disseminadas com ajuda da imprensa, o judiciário brasileiro faz o que quer, ao custo que for, e permanece imune a qualquer crítica. Porém, um poder imune à maior de todas as críticas – que são as eleições, a crítica democrática – não poderia jamais fazer pouco da constituição, das leis, decidir casuisticamente segundo o capricho momentâneo deste e daquele juiz.

 

Um poder não legitimado democraticamente não pode se arrogar legislador, não pode relativizar garantias, não pode fazer pressão como meio de produção de provas, não pode ter postura exibicionista.

 

Mas, hoje, o judiciário brasileiro não apenas é um poder sem legitimidade democrática sobre que não incide qualquer controle efetivo, como é tudo isso a um custo obsceno. Quando é para extrair conclusões favoráveis aos seus interesses, a corporação  gosta de comparações. Quando as conclusões são-lhes desfavoráveis, não gostam. Claro, nisso são oportunistas.

 

Pois bem, o judiciário brasileiro é o mais caro do mundo! E este preço absurdo foi atingido à margem da legalidade estrita, com a criação de vantagens astronômicas e injustificadas por meio de atos internos. Acontece que a legalidade dessas iniciativas será decidida por eles mesmos, os beneficiários!

 

Por meio do escandaloso expediente das verbas indenizatórias, esses funcionários auferem mais que o teto remuneratório do serviço público. Na verdade, auferem muito mais. Há semi-deuses ganhando em torno a R$ 70.000,00 por mês, o que é aberrante, nada menos. Há verdadeiras festas de auto concessão de vantagens retroativas, sem base em coisa nenhuma além da própria vontade de abrir os cofres públicos em benefício próprio, mesmo quando a situação recomenda austeridade.

 

O Brasil tem a maior relação de funcionários da justiça por cem mil habitantes do mundo. O judiciário brasileiro custa 1,3% do PIB, algo extraordinário para um sistema de resolução de conflitos muito ruim. Na Alemanha, custa 0,3% do PIB e no Chile 0,2%, para ficarmos apenas em dois casos. E não seria digno de ninguém que tenha um cérebro sadio dizer que o brasileiro é melhor que qualquer outro.

 

Não é melhor. É plausível afirmar que é pior e certamente muito mais caro; é uma deformação sem precedentes na história. A média remuneratória do judiciário brasileiro é de R$ 10.000,00, incluindo-se juízes, funcionários, terceirizados, tudo enfim. Isso é cinco vezes o PIB per capita do Brasil, o que revela a magnitude da aberração. Nem os baixos salários dos milhares de terceirizados baixam essa média.

 

Servir-se de manobras ilegais para sugar mais dinheiro foi chegar ao grau zero da honradez. Não que isso seja surpreendente vindo desta gente, mas é um escárnio com o povo deste país, um desdém sem tamanho com quem ao final paga a conta deste convescote imoral.

 

Um semi-deus juiz recebe em torno a cinco mil reais de auxílio-moradia, uma verba sobre que não incidem imposto de renda nem contribuição previdenciária! Por que? Qual a razão disso? O salariozinho irrisório de R$ 30.000,00 não permite o juiz morar em algum canto? Por que todo o restante das pessoas mora à custa dos seus salários e os juízes não o podem?

 

 

Recebem auxílios para se alimentarem, auxílios para pagarem as escolas dos filhos, auxílios para comprarem livros, têm 60 dias de férias remuneradas ao ano, enquanto os mortais têm 30, têm recessos remunerados. Isso são privilégios injustificados, nada mais.

 

Essas aberrações nada têm a ver com garantias para o exercício das funções, são privilégios sem previsão legal, o que é mais grave. Por que em toda parte juízes desempenham suas funções sem essas aberrações remuneratórias e aqui não é possível? Claro que é possível, o que falta é controle social sobre esse corpo autônomo dentro do Estado brasileiro.

 

Falta a esta corporação noção de risco, falta noção de solidariedade social, falta autocrítica, falta conhecimento humanístico, falta autenticidade, falta legitimidade democrática para atuar como legisladores. Para investir contra os cofres públicos desta forma e torcer a constituição do país corriqueiramente a bem de a interpretar, o mínimo que seria necessário era ir a votos ou empunhar armas.

 

Eles contam com a blindagem da imprensa, que silencia sobre essas aberrações enquanto eles estiverem juntos na cruzada golpista e entreguista que paralisa o Brasil. São tão ávidos e imediatistas que não percebem que a imprensa os abandonará tão logo tenha êxito no seu desiderato político, se o tiver.

 

Os realmente poderosos que guiam a imprensa e o judiciário sabem muito bem que se chegarem ao poder central terão de se livrar desta monstruosidade, tanto pelo custo estúpido, quanto pelo que representam de instabilidade, sempre origem de decisões conflitantes, algumas absurdas, outras voluntaristas e quase todas tendentes a gerar o desgoverno.

 

Talvez a única coisa auspiciosa de um governo entreguista direitista resultante do golpe, caso tenha êxito, seja precisamente o expurgo que haverá na corporação.  Isso, porque ninguém governa com uma corporação destas por perto.

 

 

Mas será terrível também porque é previsível que este movimento pendular obedeça à lógica esquizofrênica que governa as mudanças no Brasil. Se o golpe tiver êxito, os golpistas não partirão para ajustar e por os necessários limites a esta instituição fundamental: farão terra arrasada e se servirão da imprensa para desqualificar o judiciário, como sempre fazem com os grupos potencialmente incômodos.

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