Duas fotos tiradas na universidade de Letras de Salamanca enquanto eu esperava a chuva passar. Tudo bem, são fotos de telefone, e usei uns filtros um tanto quanto ruins, mas afinal o prédio da faculdade de Letras é muito bonito, ele se fotografa sozinho.
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Esse texto poderia começar dizendo: A Apple acabou… Seria uma injustiça, porque de fato, a empresa não acabou, e além de não ter acabado, é uma das empresas/marcas mais conhecidas no mundo atualmente, claro que tem um nicho específico, não é como a Coca-Cola que até os ratos conhecem.
Seria mais justo constatar a morte de Steve Jobs, e a falta que ele faz na empresa. Jobs não era um gênio da informática, estava muito mais pra gênio do marketing, tanto que o embrião do que hoje são os mega eventos de lançamentos da Apple, já aconteciam 30 anos atrás quando ele fazia o lançamento dos primeiros Macintoshs em salões com outros cinquenta candidatos a “computadores do futuro”.
Jobs tinha algum senso diferente das outras pessoas no que tange ao funcionamento das coisas, nunca inventou nada, já haviam computadores, quando ele lançou o Macintosh, já existiam telefones celulares quando ele lançou o iPhone, e já existiam tablets quando lançou o iPad. Noves fora, originalidade: ZERO.
E ai entra Jobs… Os executivos da BlackBerry, na época a empresa de telefones celulares “para executivos”, riram de Jobs quando souberam que ele testava um telefone celular com tela sensível ao toque. A Microsoft, já havia tentado anos antes do iPad, viabilizar um tablet comercial, sem sucesso. Esses entre outros exemplos ilustram que o negócio da Apple nunca foi inventar nada, antes sim, aprimorar o que já existia. Hoje, a grande maioria das pessoas usam telefones celulares com tela sensível ao toque, ou tablets, pra ficar nesses dois exemplos, graças a Steve Jobs.
Essa introdução era necessária ao texto, por um motivo simples, e mais simples impossível, posto que é ideia do próprio Jobs, a simplicidade, para o usuário final. Desenvolvendo a idéia: o usuário final é demente. Isso é fato. Então quanto mais fácil for de usar o novo aparelho, claro, melhor. E isso é obvio.
Chegamos então no “produto” Apple, e esse não é o telefone, não é o tablet, não é computador. Insisto, o produto vendido pela Apple é a experiência do usuário, e nesse sentido, eles vendem não só um sistema operacional, senão, que além deste, um sistema operacional móvel, entre outra gama de softwares que funcionam em ambos sistemas operacionais, e ainda assim, com a definição de sistema operacional, eu não definiria perfeitamente a tal “experiência de usuário”.
Sem embargo, esse é o produto Apple, a experiência de usuário, que claro, para quem nunca experimentou, não existe, e para quem sim, se a entende, acaba por se tornar uma facilidade. No último evento foram lançados novos modelos de aparelhos, já antigos, até para padrões da própria Apple. A grande novidade ficou por conta dos próprios aplicativos, e sistemas operacionais.
O OSX, um tipo de “windows” para usuários de Macintosh, foi lançado grátis. Além dele, o pacote office da Apple também ganhou nova versão grátis, diga-se de passagem, o pacote “Apple” office, para telefones móveis e para computadores.
Pra mim, esse foi o grande passo dessa bateria de lançamentos, a google já tem a sua suite office online há tempos, agora a Apple, lança, não só a gratuidade de seus sistemas operacionais, como também a de seu pacote office, e também do iLife que é mais um pacote de entretenimento, com edição de fotos, vídeos e música. E essa notícia pra mim é importante porque não obstante os aparelhos sejam os mesmos com atualizações de processadores entre outros hardwares, a atualização dos softwares, e sua gratuidade, farão empresas que trabalham apenas com software, sim falo de Microsoft e adobe por exemplo, decidirem novos rumos para suas linhas de produtos e respectivos preços.
É a Apple, ainda que não inovando, ou melhor dizendo, não aprimorando nenhum produto já existente no mercado, pressionando em outras frentes, e fazendo novamente o mar se mover na direção que eles querem de novo? São boas novas pra quem pensava que a empresa acabava em Jobs, esperemos pra ver agora, que novidades haverão no próximo ano, porque nem só de minha percepção torta vive a empresa, há o “hype“, que Jobs fazia tão bem…
O custo do sistema judicial brasileiro – incluindo-se todas as adjacências a ele – é altíssimo e nitidamente desproporcional à sua utilidade, à complexidade de suas tarefas e ao nível dos seus funcionários.
Este último aspecto chega a ser assustador, porque à capciosidade bizantina das provas de admissão corresponde profunda ignorância de qualquer outra coisa que não sejam prazos e teoremas jurídicos da moda mais recente. São técnicos estreitos, desconhecedores de teoria do Estado, de História e de qualquer outra coisa que não seja técnica e modismos elevados a novidades.
Qualquer um que se detenha a pensar e, dispondo de alguns dados de outros países, disponha-se a algumas comparações percebe que a litigiosidade no Brasil é desviante e abrange em larga margem causas contra o Estado e contra prestadores de serviços públicos concedidos. A lide contra o Estado, em si, já é algo dificílimo de sustentar-se com algum rigor conceitual, porque é necessário muito privatismo jurídico para assumir o Estado como parte em juízo, a ser julgado por órgão dele mesmo. Claro que o direito é o mundo das ficções, mas algumas vão demasiado longe.
Tudo isso, custo elevado, profusão de funcionários, excesso de lides, não é assim porque tem que ser, inexoravelmente, ou porque vivemos no melhor dos mundos de amplo e irrestrito acesso ao judicial. Isso existe porque se insere na lógica da apropriação privada do Estado, seja pela colocação de vários funcionários bem pagos, seja pela indústria de honorários pagos pelo Estado a bancas privadas, seja pela necessidade de um bastião defensor da classe dominante, em penúltima instância, ou seja, antes das baionetas.
Uma das tolices que vicejaram passava por objetar à conformação do sistema uma suposta falta de trabalho. Isso é absolutamente falso e é mirar no ponto errado. Há bastante trabalho porque há realmente muitíssimas causas. A questão é que essas causas existem para justificar o sistema e não o inverso. Esse número aberrante de causas é algo que se consente que haja, enfim.
Sempre pensei qual seria o porquê da classe dominante permitir a escalada insensata dos custos do sistema judicial brasileiro, quando é óbvio que, se não pretendesse, não teria havido esta aceleração vertiginosa. A princípio não faz qualquer sentido consentir este aumento disfuncional, quando se poderiam apropriar deste dinheiro de outras maneiras mais rentáveis, como por exemplo obras e isenções fiscais.
Mas, de algum tempo para cá, dei-me conta de algo sagazmente percebido pela classe dominante a levar-lhe à complacência com a hipertrofia do sistema judicial. Ela, a classe dominante, adquiriu com recursos públicos um sentimento de identidade social deslocado para cima dos pontos originais dos funcionários isoladamente.
Com raras exceções, o ingresso nas corporações judiciais – públicas ou privadas – implica mobilidade social ascendente e, consequentemente, o ingresso noutro patamar de identificação social. Isto modifica nitidamente as inclinações gerais do sistema ao produzir alguma decisão, mesmo que haja um e outro que se glorie, ou de ser aleatório, ou de ser quixotesco.
As remunerações muito altas não compram os funcionários em bloco para algo que se lhes peça claramente. Compram-lhes para solidariedade e identidade de classe em níveis superiores à média. O que é muito mais eficaz, porque muito mais sutil e menos percebido pelo neo-cooptado.
Em termos práticos, podemos perceber mais nitidamente o funcionamento da coisa na área criminal. Suponha-se que um jovem marginal de classe alta, com histórico de condutas violentas ao estilo pitt bull tão celebrado atualmente, invista contra outra pessoal que não seja de sua classe e o inflija ferimentos graves por meio de uma barra de ferro.
Essa barbaridade – evidente na provável futilidade da motivação e na desproporção dos meios – implicará a concepção de toda uma rede de pressões e invocações de cumplicidades em torno do agressor. Por proximidade de classe, fatalmente haverá algum funcionário do judicial próximo do agressor, ou de seus parentes, ou de seus amigos, que consciente ou não fará eco ao discurso da complacência.
Rápido a rede de cumplicidade social por identificação de classe evoluirá para o destaque dos aspectos familiares e íntimos do marginal. Dir-se-á que é bom filho, muito amável e carinhoso, que chorava ao receber presentes no aniversário, que rezou muito compungido na primeira comunhão e muitas outras coisas de caráter subjetivo e familiar, que nada têm com o que se chama análise jurídica de um caso.
Breve, não haverá crime, mas um deslize eventual, imprevisto e plenamente desculpável de uma criança amorosa que foi exemplar filho dentro de casa. Isso, claro, se a vítima for de classe social inferior e não dispuser dos meios de fazer girar a máquina da cumplicidade e identidade sociais.
De forma um tanto foucaultiana, da mesma maneira que o criminoso construído e enfatizado afasta o julgamento do crime, o sujeito desfeito de uma suposta personalidade criminosa afasta o crime e ninguém pensa mais em termos objetivos, apenas num histórico muitas vezes forjado para lembrar ao sistema que se trata de um deles, afinal.
Quando nada disso funciona, por fim, recorre-se à chantagem pura e simples, outra coisa fácil de fazer numa corporação que se deve favores reciprocamente e que cala das infrações e oportunismos dos outros para contar com o silêncio deles quanto a si, quando chegar sua vez. Assim caminha o judicial brasileiro e não parece haver quem esteja interessado em cambiar esta perversão.
Um texto de Alcides Moreira da Gama
A inocência pairava no ar. O que importava era ser famoso. Fazer sucesso. Por isso o momento era de pedir por favor para me agradar e agradar a todos, escrever carta com declarações de amor, gritar e remexer. E assim continuou por algum tempo, mês a mês, um dia após o outro, passando por algumas noites de alguns dias difíceis, até chegar o momento de gritar por socorro, pois estava precisando de alguém.
A partir desse momento, uma mudança se inicia. Comecei a questionar sobre várias coisas, até sobre nossa própria capacidade. Experiências novas. E fui me perguntando, sentado num quarto de madeira norueguesa, se pertencemos a algum lugar, se temos ponto de vista, se sabemos nossa missão, se sabemos para onde iremos. Todas as pessoas solitárias, de onde elas vêm? Por que o padre escreve o seu sermão se ninguém o ouvirá? E tudo ficou tão diferente, mais misterioso, mais reflexivo, mais introspectivo, até que descubro que todas as coisas gentis que ela disse não fazem mais sentido, aqui, ali e em qualquer lugar. Eu disse: você está me fazendo sentir como se eu nunca tivesse nascido. Passo, então, a desligar minha mente, entregar-me ao vazio, flutuar correnteza abaixo, perceber que isso é não estar morrendo, renunciar a todos os pensamentos. Estou apenas dormindo. É nesse momento que chego ao auge da criatividade, impulsionado por substâncias e experiências novas. Muitas visões e alucinações que me inspiram. Muitos galopes soberanos.
Decido criar uma banda fictícia para fazer apresentações por aí. E assim inicio o show. Acomodem-se e deixem a noite passar. Vocês acham que estou cantando desafinado? Com uma pequena ajuda dos meus amigos eu consigo. O ácido lisérgico me domina e começo e me imaginar em um barco num rio, com árvores de tangerina e céus de marmelada. Lembro-me do tempo da minha escola. Como eu me aborrecia. Muitas regras para serem seguidas. Mas agora está melhorando o tempo todo. Tudo está melhorando. Algo começa a bloquear minha mente. É um buraco onde a chuva entra. Quando minha mente está viajando, começo a pintar um quarto de uma maneira colorida. Não quero que isso bloqueie minha mente. Preciso de mais substância. Chego ao êxtase da inspiração. É quando tenho a visão de que, após escrever um bilhete, a garota está indo embora. Adquiriu independência. Descobriu que a diversão é a única coisa que o dinheiro não compra. E encontra seu parceiro. Em seguida, entro num circo, as famílias assistindo um show de acrobacias. Vejo tudo rodando, parece uma ciranda musical. Está garantido um ótimo espetáculo para todos. Começo a ter inspiração indiana. Perceber que tudo está dentro de nós mesmos, que as pessoas ganham o mundo e perdem suas almas. Começo a me ver velho, com sessenta e quatro anos, junto de meus netos, tentando conquistar a adorável policial. Até a convidei para um chá. Durmo e me acordo numa fazenda dando bom dia a todos. A fazenda está cheia de capim mágico. Os animais se misturam. Pessoas correndo em volta da cidade que está escurecendo. A nossa banda fictícia começa a se despedir. É quando leio um jornal e chego a um orgasmo musical incrível. Isso acontece um dia na vida.
Começo, então, a turnê mágica e misteriosa. Passo por um tolo na montanha. Ele permanece só, errático, sorrindo. Sentado num floco de cereal, misturando-se com sacerdotisas pornográficas e comendo creme de matéria amarelada. Não parecia se preocupar com nada. Nada parecia real. Fecho os olhos e percebo que viver é fácil, principalmente quando se está, para sempre, num campo de morango.
Fico disperso e um tanto quanto revoltado, mas mantenho a unidade, não é querida Prudence? Tenha cuidada. Toco minha guitarra e percebo que ela chora gentilmente. Quero ter a felicidade mas ela parece ser uma arma quente. Decido ir a uma festa. É o nosso aniversário. Depois da festa vem a tristeza. Pela manhã acordo com vontade de morrer. Anoitece e continuo com o mesmo sentimento. Muita confusão na minha mente, até que me despeço e digo “boa noite”.
Pela manhã as coisas parecem mais alegres. Tudo muito colorido, todo mundo sorrindo e indago se todos nós vivemos num submarino amarelo. Uma mulher passa na rua carregando um buldog, bem agitado e interessantíssimo, querendo falar comigo. Atrás dela vem um velho. Parece ser chato. Ele tem cabelos até o joelho. Volto minha atenção na mulher. Percebo algo nela que me atrai. Parece ser tão pesada, mas eu a quero. Oh, querida, não me deixe. Veja que o sol está chegando, porque o céu está tão azul. Curta seus sonhos dourados, bela adorável. É o fim.
Não, antes, como arremedo, deixar tudo como está: um sentimento que não posso esconder, numa longa e sinuosa estrada a percorrer…
A ação penal 470, que atende pelo nome vulgar mensalão, pôs em cena violações a princípios jurídicos básicos: liquidou a presunção de inocência, liquidou a necessidade de lei penal anterior, liquidou o duplo grau de jurisdição e liquidou o princípio do juiz natural.
Estas violações abertas foram praticadas pelo tribunal mais elevado do país, o que revela a que ponto se queria e quer promover o expurgo político de alguns, mesmo que isso implique o expurgo de todo o direito e da suposta respeitabilidade intelectual dos juízes do tribunal.
Isso foi possível porque a imprensa televisiva, três grandes jornais diários e uma revista semanal incitaram a condenação sem provas por meio de bombardeio incessante que levou parte do público a esquecer-se de que todos são inocentes até provas em contrário.
Essa parte do público convencida da culpabilidade sem provas divide-se em partes menores. Uma delas constitui o terreno fértil para semeadura de qualquer proposta de juízo de exceção de quantos tenham trabalhado por uma melhor distribuição de rendas e por menos subserviência a interesses externos.
Outra parte dos que se convenceram da culpabilidade sem provas compõe-se das pessoas que precisam ser constantemente estimuladas pela imprensa, em clima de emergência e de escândalo. Esses arrefecem os ânimos linchadores se os estímulos cessarem.
Ocorreu, todavia, algo auspicioso, recentemente. O tribunal que encena o juízo de exceção reduziu um pouco a coleção de aberrações jurídicas que havia perpetrado e afastou uma delas: a supressão do duplo grau de jurisdição. Isto deu-se por meio de uma obviedade, que foi a aceitação de um recurso a dar aos condenados o direito à revisão do julgamento, algo a que todos têm direito.
Foi o que bastou para o pessoal do linchamento indignar-se, embora a reação fosse ela própria uma aberração, na medida em que o duplo grau é garantia constitucional que nunca se pôs em questão e fora suprimida pela primeira vez no país, sob os aplausos enfáticos de uma imprensa pueril, analfabeta e partidária.
À reação furiosa contra o puro e simples respeito a princípio jurídico antiquíssimo sobreveio algo surpreendente: dois juristas respeitados, ideologicamente de direita, insuspeitos de amizade com os réus do processo, proclamaram que houvera nada mais que condenação criminal sem provas, o que é inadmissível.
O que muitos diziam desde o princípio foi dito por pessoas alinhadas ideologicamente aos que promoveram e festejaram o expurgo político disfarçado em processo jurídico. Evidentemente que chama atenção não terem denunciado a farsa e as violações evidentes ao direito antes.
Esses dois juristas deram sinal importantíssimo de que ainda há direitistas bem educados, que receiam a subversão total do Estado de Direito e a celebração festiva e acrítica de julgamentos de exceção violadores de garantias obviamente abrigadas na constituição federal.
Que haja quem perceba a hora de cessar a espiral do linchamento é fundamental para que não seja inevitável desaguar-se no golpe e no rompimento total, ou seja, para afastar-se a lógica do tudo ou nada, tão cara aos irresponsáveis da imprensa que incensam a histeria nas camadas médias já propícias à superficialidade, à bipolaridade e à esquizofrenia.
Os mencionados direitistas alfabetizados perceberam que usar os tribunais assim de maneira a violar tão abertamente as garantias básicas, com o propósito de expurgo político seletivo, é demasiado arriscado. Realmente, esse tipo de conduta assemelha-se às guerras, que se sabe como começam, mas não como terminam.
É muito menos arriscado manter as regras jurídicas em sua aparência de isonomia e não levar os tribunais a operadores de expurgos políticos, que violar abertamente as normas mais básicas a bem de um clamor de moralismo histérico produzido sistematicamente por parte da imprensa.
http://youtu.be/RYa2FXwd5eE
Não esquecerei… Estava lá, em pé, na Avenida 9 de Julio, esquina com Corrientes, um calor tremendo, dia 31 de dezembro de 2006… Neste dia, vi a dança mais espetacular: um casal de velhos dançou tango ao lado, da maneira mais apaixonada que pode haver.
http://youtu.be/ispKtW3fxkk
Este prato tão minhoto é das coisas que me despertam imensas saudades bracarenses. Acho delicioso o arroz de pato que se come frequentemente em Braga, sendo os melhores nos restaurantes e cafés mais simples, principalmente quando é um dos pratos do dia. A carne do pato é saborosa e seu único problema é ser meio dura, o que demanda muita cocção.
Comentei, na semana passada, com uma colega de trabalho com quem converso bastante sobre culinária e que é muito gentil, sobre minha dificuldade de encontrar pato nesta cidade e disse-lhe que visitas a todos os mercados médios e grandes tinham resultado no encontro de nenhum pato! Ela deve ter ficado com isso na cabeça, pois trouxe-me ontem um pato inteiro!
Aconteceu desta senhora minha colega de trabalho viajar até uma pequena cidade distante, no sertão, para comparecer àlgumas audiências de julgamento. Na ocasião, ela perguntou a um e outro se era possível comprar um pato por lá. Disseram-lhe que havia uma senhora fulana, na zona rural, que criava patos. Pois ela dispôs-se a ir até ao sítio desta senhora e comprar o pato, que foi lá morto, e trazê-lo para cá. Além disso, tratou de depenar o pato em casa e mo entregou morto, depenado e sem a maioria das tripas.
Que preciso agradecer tamanha gentileza é óbvio, menos óbvio é como o farei, mas isso é outra estória.
Tomei o pato, ontem à noite, cortei-o em alguns pedaços, retirei-lhe parte da pele, deitei sal, noz moscada moída, sumo de um limão e um pouquito de vinagre branco e mandei-o à geladeira, descansar.
Busquei receitas de arroz de pato e uma delas interessou-me. Basicamente, segui esta tal receita com uma modificação. A receita sugeria refogar em panela de pressão os pedaços do pato, com alho picado e cebola e, depois de dourado, deitar na panela dois litros de água já a ferver e cozinhar por vinte e cinco minutos. Apenas deixei de fazer o refogado e de dourar os pedaços do pato na panela de pressão.
Como os pedaços da ave estavam marinando desde ontem, coloquei-os na panela de pressão diretamente para cocção, com água e meia cebola inteira, sem previamente refogar e dourá-lo no azeite. Mesmo que panela de pressão não me agrade muito, no caso do pato é recomendável para amolecer a carne.
Deixei lá por quarenta minutos e desliguei o fogo. Retirei os pedaços de pato e os desfiei com uma faca, pois estavam já bastante moles e separavam-se facilmente dos ossos. Entretanto, pus três xícaras de arroz integral, um pouco de bacon cortado em quadrados e um pouco de linguiça fumada cortada em quadrados numa caçarola grande e deitei lá a água da cocção do pato, ainda bastante quente. Isso tudo ficou no fogo baixo, a ferver, por quinze minutos.
Então, pus na panela o pato desfiado, para cozer nos últimos cinco minutos juntamente com o arroz, que já se impregnara na água do pato.
O resultado foi divino e matou pequena porção das minhas saudades culinárias minhotas!
A ação penal 470 é um embuste montado para afastar José Dirceu da política brasileira, porque ele é um traidor de classe que não se deixou cooptar pelo 01%. Os demais processados com ele estão lá apenas para que não haja um só réu e para as conveniências do enredo farsesco. Neste julgamento de fancaria, stf e ministério público agiram sob ordens da imprensa majoritária ou, no mínimo, com medo dela.
A coleção de aberrações jurídicas presentes nesta ação é enorme. Garantias do juiz natural e do duplo grau de jurisdição tiveram suas violações abertamente defendidas, como se fosse o mais normal, até por gente que diz ter frequentado a escola básica e saber ler. Inversão do ônus probatório em matéria criminal foi defendida pelo acusador e por juízes.
Deformações nas adequações típicas, como, por exemplo, suprimir a realidade e reputar ocorrido o crime de peculato de dinheiro privado. Manipulações de datas, feitas abertamente, como a que reputou ocorrido um crime de corrupção após a morte do suposto corrompido! A farsa do período anterior ocorreu para violar o princípio da irretroatividade da lei penal, porque as penas foram aumentadas por lei posterior ao falecimento do corrompido e queriam a todo custo punir os supostos corruptores com penas mais graves, mesmo que estabelecidas após o fato.
Houve momentos extraordinários em que juízes chegaram a dizer que não havia provas, mas que condenavam porque podiam fazê-lo. Tudo isso causou espanto nos mais bem instruídos e menos imbuídos do desejo linchador porque se esqueceram que juízes – independentemente do tribunal que componham – são gente vulgar, mesquinha e manipulada, como são as pessoas em geral.
Realmente, essa tolice de crer que juízes são sensatos e imparciais é tão difundida quanto infundada. Eles são profundamente sujeitos às pressões quando o caso desperta interesses políticos e mediáticos relevantes e deixam-se aprisionar pelos afagos às vaidades e pelo medo de serem atacados pela moralidade seletiva da imprensa. Nos casos pequenos, suas grandes influências são os caprichos momentâneos e o ir ou não com a cara das pessoas litigantes. A lei é algo que fica muito longe das principais motivações para decidir.
Neste caso, a imprensa resolveu antecipadamente que José Dirceu devia ser condenado, que devia ser considerado responsável pelo maior esquema de desvio de dinheiros públicos do Brasil – embora o processo fale de dinheiro privado – que devia ser linchado em praça pública sem que qualquer outra consideração fosse feita exceto nos termos da comédia novelesca que foi encenada.
E isso deu certo, a despeito da fragilidade e da vulgaridade do enredo da novela oferecida ao público. Deu certo no sentido de instilar nas pessoas da classe média em diante o espírito de linchamento alimentado por moralismo difuso e totalmente cego às violações de direitos e às supressões de fatos. Assim é porque o vulgo basicamente não pensa e facilmente defende qualquer violação de direito e ocultação de fato, desde que a imprensa diga-lhe para proceder desta maneira.
Mas, a farsa é tão grotesta que escandalizou a um e outro razoavelmente alfabetizado e desinteressado em ver sangue e entranhas expostos – são raras as pessoas localizadas neste grupo – e envergonhou timidamente um e outro integrante da corporação jurídica.
Eis que o tribunal que serve de cenário para esta novela decide se os réus de acusações etéreas poderão ter o duplo grau de jurisdição. Ou seja, decidem se uma garantia constitucional óbvia será mantida ou estuprada à luz do dia com caras sorridentes a posarem para câmaras de TVs. Está a depender do voto do juiz mais antigo do cenário, que já disse repetidas vezes que o duplo grau deve ser assegurado.
Se o recurso é admitido, uma de muitas aberrações é afastada. Conviria que as demais também fossem, para que não ficasse a parecer o estado normal de coisas a justiça servir aos desígnios de eliminação política da imprensa. Conviria que a corporação judiciária percebesse que a desonra só pode ser considerada momentânea sob a perspectiva meramente pessoal, o que destoa até mesmo do núcleo do pensamento corporativo, que anseia à conservação de privilégios.
Essa farsa, basicamente, foi o deslocamento do jogo político de seu âmbito próprio para os tapetes dos tribunais, onde se decide sem votos populares e com pessoas extraídas do que há de mais conservador. E, o que há de mais conservador no Brasil é pior que os semelhantes alhures, porque é certo dizer que o pior do Brasil são os brasileiros de classe média em diante. Não há gente mais predadora, vendida, oportunista, mentirosa, rancorosa, mal instruída, sem honra mas com moralidade e superficial.
O protótipo do comportamento dos conservadores é o menino que tem a bola de futebol, chama os outros para jogar e pelas tantas quer proibir os dribles porque não os sabe dar; depois muda as regras e por fim encerra o jogo e guarda a bola.
A encenação do processo contra Dirceu é demonstração de poder extravagante porque significa dizer claramente que a imprensa pode fazer a partir de nada ou quase nada um escândalo mobilizador das camadas médias e despertar nelas os instintos assassinos que guarda cuidadosamente nos armários. É um recado claro para os que insinuem alguma reação efetiva aos interesses dela imprensa e também aviso aos que a ela se alinharem que podem fazer o que bem quiserem.
A resposta ou reação possível dá-se em campos muito estreitos. Primeiro, convém que as pessoas alfabetizadas e não inclinadas ao linchamento sempre digam da farsa que se encena, mesmo que isso resulte imediatamente em nada. Segundo, é preciso elevar o nível da crítica técnica às violações perpetradas na encenação. Ou seja, já que escolheram o cenário jurídico para expurgar José Dirceu, que ao menos tenham algum trabalho discursivo e algum receio por suas contradições explícitas.