Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Os plurais foram-se da língua falada no Brasil.

Há tempos a abolição dos plurais na língua falada pelos brasileiros chama minha atenção. Realmente, agrada-me bastante pensar em coisas de pouca ou nenhuma utilidade prática; assim, penso mais livremente, certo de não estar a promover coisa alguma, a propor nada.

A princípio – além de um falar feio – parecia-me a renúncia a uma possibilidade riquíssima da língua: a flexão em número. Renúncia como outras tantas, que implicam perda de precisão, algo como usar uma mesma e única chave inglesa, ainda que se disponha de todo o jogo de chaves, cada uma com sua abertura específica.

Se assim fosse, provavelmente iríamos no caminho de outras supressões, como, por exemplo, a de gênero. E nada indica isso, antes, ao contrário, a língua falada no Brasil é bastante marcada por flexões de gênero. A tal ponto que parecem mais vincos semânticos que flexões de classes de palavras, de nomes e de qualificativos de nomes.

Por outro lado, nunca me pareceu que fosse algo como um uso coloquial, ou seja, como se usam termos diferentes em locais diferentes, para chamar a mesma coisa. Mas, tem, no fundo, a mesma desimportância das diferenças de usos de termos locais. Pode ter alguma relação com os usos locais, em termos de pronúncia, da mesma forma que algumas vogais suprimem-se na língua falada.

Na enorme maioria das vezes, o falante brasileiro não flexiona o substantivo em número, mas flexiona os artigos definido e indefinido. Ou seja, há plurais, indicados pelos artigos. É comum ouvir-se as casa e os carro. Está claro que se fala de mais de uma casa e de um carro, embora os substantivos estejam no singular. Mas, também está claro que o erro é meramente normativo, formal, e, não lógico.

De certa forma, o falar coloquial inseriu uma declinação, a depender somente dos artigos. Diferentemente acontece com a ausência dos plurais nas pessoas verbais. Essa ausência, além de parecer-me ainda mais feia, suscita mais pensamento.

Eles foi é construção um pouco mais difícil de perceber como ajuste perfeitamente lógico, embora simplesmente infrator de alguma regrinha formal. Uma maneira de assemelhar as explicações seria dizer que as ações tomam-se como substantivos. Mas, isso é falso, pois as pessoas não igualam, no falar, nomes e ações. Elas usam a mesma lógica que supõe a flexão somente nos artigos para supo-la apenas nos pronomes.

Somos simplificadores ao extremo e mal educados, formalmente. Nenhum problema com isso, todavia. Nem mesmo sob perspectiva gramatical, uma vez que a cada pessoa – sujeito, terceiro, singular ou plural – só pode corresponder uma ação. Eu é, tu é, ele é, nós é, vós é, eles é, são formas logicamente possíveis. Inclusive, em algumas línguas, as flexões não têm diferenças sonoras.

Problemas surgem se quisermos falar sem pronomes e artigos, o que é possível, como pode ser percebido neste período. E, vistas por este ângulo, as supressões de plurais são, sim, um empobrecimento. São uma renúncia a possibilidades mais amplas, embora não comprometam a comunicação, nem agridam a lógica da língua.

3 Comments

  1. Davi

    Os Pronominais também…..

  2. Davi

    Andrei, acho muiito difícil falar sem pronominais…como a Globo quer, me doi ouvir: assusto. quando quero dizer que me assustei… não consigo receber isso sem me ofender….

  3. Andrei Barros Correia

    Isso que descreves é pior que a ausência aparente de plurais mesmo.

    Já percebeste o destino do verbo emprestar, nas falas de paulistas, por exemplo? Sem os pronomes e os verbos necessariamente auxiliares, tornou-se um nada semântico.

    A rigor, do jeito que falam, não se sabe quem tomou emprestado e quem emprestou.

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