Não se vê no canavial
nenhuma planta com nome;
nenhuma planta maria,
planta com nome de homem.
É anônimo o canavial,
sem feições, como a campina;
é como um mar sem navios,
papel em branco de escrita.
É como um grande lençol
sem dobras e sem bainha;
penugem de moça ao sol,
roupa lavada estendida.
Contudo há no canavial
oculta fisionomia:
como em pulso de relógio
há possível melodia,
ou como de um avião,
a paisagem se organiza,
ou há finos desenhos nas
pedras da praça vazia.
Se venta no canavial
estendido sob o sol
seu tecido inanimado
faz-se sensível lençol,
se muda em bandeira viva,
de cor verde sobre verde,
com estrelas verdes que
no verde nascem, se perdem.
Não lembra o canavial
então, as praças vazias:
não tem, como têm as pedras,
disciplina de milícias.
É solta sua simetria:
como a das ondas na areia
ou as ondas da multidão
lutando na praça cheia.
Então, é da praça cheia
que o canavial é a imagem:
vêem-se as mesmas correntes
que se fazem e desfazem,
voragens que se desatam,
redemoinhos iguais,
estrelas iguais àquelas
que o povo na praça faz.
“Se venta no canavial
estendido sob o sol
seu tecido inanimado
faz-se sensível lençol,
se muda em bandeira viva,
de cor verde sobre verde,
com estrelas verdes que
no verde nascem, se perdem.”
Lindo!
Parece-me perfeito. A imagem física não seria melhor dita que assim. E não é por isso que me parece perfeito, porque não me apego à idéia da arte como representação do real. Antes é o contrário.
A arte não tem como objeto apenas o real porque ele não existe assim como se entende. O verde é o quê? Um comprimento de onda. Mas é verde.
É bonito como um gato deitado, que é bonito porque é. O gato deitado é forma e matéria.
A poesia de João Cabral de Melo é forma e matéria quase perfeitamente disposta. Só não é bonita como o gato deitado porque esse não se fez.
É bonito precisamente porque não é só descrição. É poesia.