do Observatório da Imprensa, excelente texto, de Dalmo Dallari.
VAIDADE TOGADA
O vedetismo judiciário
Por Dalmo de Abreu Dallari em 02/02/2010
Vem sendo objeto de críticas, nos últimos tempos, o que se convencionou denominar ativismo judiciário, que é uma designação de intuito pejorativo usada pelos que pretendem que o Judiciário seja apenas um guardião da legalidade formal, deixando de lado a justiça e a proteção da dignidade humana. Esse legalismo foi o instrumento da proteção de privilégios econômicos e sociais, legalizados pelos representantes dos privilegiados que atuavam como legisladores.
Evidentemente, o juiz não deve desempenhar suas funções como se fosse um militante político, comprometido sobretudo com idéias e objetivos políticos, sem levar em conta os princípios e normas da Constituição e da legislação vigente. Mas, a par disso, também não deve limitar o desempenho de suas funções à simples verificação do aparente cumprimento das formalidades legais, nem deve ficar indiferente e silencioso quando os elementos constantes dos processos sob sua responsabilidade fornecem provas ou indícios de omissões ou ações ilegais.
O surgimento do Judiciário assumindo um papel ativo na busca da justiça foi proclamado pelos juízes italianos que, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, criaram o movimento denominado Magistratura Democrática, que tem exercido influência muito positiva na luta contra os vícios políticos tradicionais que comprometem a autenticidade da democracia italiana. E foi graças ao papel ativo dos juízes que se verificou, nos Estados Unidos da década de 1960, considerável avanço no sentido da proteção da liberdade e da efetivação da igualdade de direitos em benefício das mulheres, da comunidade negra e das camadas mais pobres da população.
Respeito devido
Está ocorrendo no Brasil, ultimamente, uma degradação da imagem, da autoridade e da verdadeira eficiência de órgãos do Judiciário como guarda da Constituição e instrumento da Justiça e do Estado Democrático de Direito. Essa degradação é decorrência de um grave desvio de comportamento, que pode ser identificado como vedetismo judiciário.
Afrontando as normas éticas que exigem dos magistrados um comportamento discreto e prudente, alguns membros da magistratura não conseguem disfarçar sua obsessiva necessidade de publicidade e sob qualquer pretexto buscam ficar em evidência no noticiário da imprensa, às vezes antecipando ilegalmente sua opinião sobre questões que serão ou provavelmente serão objeto de seu julgamento formal e muitas vezes manifestando sua opinião, quase sempre em tom polêmico, sobre questões jurídicas que fogem às suas competências.
A par disso, tem ficado evidente a prática de um demagógico exibicionismo, incluindo a autolouvação mal disfarçada ou o anúncio de providências inovadoras, revolucionárias, à procura de sensacionalismo. Isso é o vedetismo judiciário, gravemente prejudicial em termos do resguardo do respeito devido às instituições democráticas e que, por isso, jamais deveria ter a acolhida ou, menos ainda, a cumplicidade da imprensa.
Grave distorção
Um fato grave que deveria merecer cuidadosa observação da imprensa, que deve ser feita para alertar a opinião pública, é a notícia de que o Supremo Tribunal Federal vai gastar com comunicação social, no ano de 2010, mais de 59 milhões de reais, o que representa 11% de seu orçamento (ver, neste Observatório, do Congresso em Foco, “Orçamento da comunicação é duplicado”). Essa quantia representa praticamente o dobro do que tinha sido previsto na proposta orçamentária do Poder Executivo e tal aumento foi efetuado por decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, acolhendo pedido do Ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal.
Com essa dotação orçamentária, o gasto do STF com comunicações vai superar em quase cinco vezes o orçamento do Tribunal Superior Eleitoral, que será responsável pelas eleições nacionais que serão realizadas em outubro deste ano. Está ocorrendo aí uma distorção mais do que evidente, altamente prejudicial à eficiência e à imagem do Poder Judiciário.
Em debate ocorrido publicamente, durante sessão do Supremo Tribunal Federal, já foi denunciada a volúpia publicitária do atual presidente da mais alta corte do país. Como ele deve deixar a presidência no próximo mês de abril é preciso que a imprensa fique atenta e procure verificar de que modo se pretende usar aquela altíssima verba publicitária, num momento em que vários tribunais não podem preencher vagas existentes e melhorar o seu desempenho porque já estão no limite do gasto com pessoal permitido pela legislação vigente.
A imprensa não deve ficar omissa perante essa grave distorção e muito menos deverá ser beneficiária dela, contribuindo para o vedetismo judiciário.
Caro Andrei. Muito bom esse texto e de extrema importância. Sempre atual. O Judiciário e a sua famosa caixa preta é um tema polêmico! Trabalho em contato direto com este Poder. Diferente dos Poderes Executivo e Legislativo o Judiciário não funciona a contento para a sociedade e os privilégios são imensos. Não raro vemos coisas que não podemos nem sonhar em contar. Mas que acontecem, todos sabem e a sensação de impunidade é imensa. O CNJ? Até hoje é também feito à base de propaganda e poucas ações. Um exemplo que se soma a questão das despesas com Comunicação Social. O fato dos Juízes quando são autores de ações civeis. A tal indústria dos danos morais. O dano moral de um Juiz é 100 vezes maior (pecuniariamente falando) do que um mortal. Pois outro par o julga. E os pares são generosos entre si. Eis a questão: Quem abrirá a caixa preta? Os outros poderes são martelados, esquartejados (muito embora a corrução permaneça em tendência de alta), mas qual Jornalista atreve-se a escrever algo contra o Judiciário? Com exceção de Fausto de Sanctis (por razões óbvias) os togados são intocáveis.
É verdade, Domingos. O judiciário obteve uma espécie de imunidade a qualquer crítica. Chega a ser escandaloso.
Qualquer abordagem mais atenta e crítica, qualquer medida de abertura e transparência é tomada como um ataque contra a corporação ou contra a independência.
Até a propósito, para que eu não esqueça, essa estória de independência, no Brasil, é muito enviesada. Os poderes da república são independentes funcionalmente, ou seja, para o desempenho daquilo que lhes cabe.
Aqui, a pedra de toque é a independência administrativa e orçamental. Ou seja, o dinheiro. Todavia, essa sistemática não vigora na Europa, por exemplo.
Lá, o judiciário é independente para julgar, não para gastar à vontade com os anexos de tribunais que quiser. Em Portugal, por exemplo, o judiciário está inserido na estrutura do Ministério da Justiça.
Os juízes são totalmente livres para sua função, que é julgar. Mas a burocracia, a logística, a estrutura, são coisas iguais a qualquer outra repartição.
No Brasil é a festa…