Energia sendo liberada pela divisão do núcleo.
Conceptualmente, não há diferença alguma entre o número de armas nucleares suficiente para destruir o mundo, o número suficiente para destruí-lo duas vezes ou o número suficiente para realizar a obra quatro vezes. Aliás, destruir-se o mundo – na verdade, eliminar a vida humana na terra – é algo que somente pode acontecer uma vez. É simples de perceber isso, mas, não obstante, é comum falar nesses conceitos impossíveis.
A partir de um certo ponto, as diferenças quantitativas não implicam diferenças qualitativas. Então, por exemplo, se 1.000 megatons são suficientes para exterminar o bicho humano da terra, pouco importa se o estoque de energia variará entre 10.000 e 5.000 megatons. Diferenças haverá entre 1.000 megatons e nenhum, pois ai retorna-se à possibilidade de se pensar na escala qualitativa: mais ou menos destruição, porque a partir de toda destrição, ela não acontece mais.
Depois que os EUA, a então URSS, a Inglaterra, a França e a China passaram a deter um estoque de armamentos nucleares – de fissão e de fusão – suficiente para realizar a ante-sala da parúsia, resolveram encenar uma divertida peça de burla mundial chamada Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. E a platéia gostou.
A diversão consiste em proclamar que o que existe é fato consumado e não se discute. E que só existe para quem já tem, ficando os espectadores impedidos de pensar e querer ter também e – pasmem – convencidos de que isso é bom! Ora, alguém já disse que as platéias quase sempre são piores que os atores e deve ser verdade. Então, dezenas de países espectadores acorreram sofregamente aos balcões de negócios da ONU para firmar, no canto das páginas, o roteiro do espetáculo.
O texto retirou-lhes a mais pequena possibilidade de aproximar-se do palco. Por ele – o texto – a ferramenta, tanto de destruição, quanto de produção de farta energia – apenas pode ser acessada com autorização dos donos do teatro. Para fins destrutivos, na verdade, não poderia ser acessada em hipótese alguma. Para fins de geração de energia, até poderia, desde que aceitas todas as chantagens e condicionantes que o clube inicial imponha.
Não deixa de ser verdade que, uma vez atingida a capacidade para a total destruição, ninguém realmente precisa dispor do mecanismo. Mas, também é verdade que a escolha da oportunidade de começar a contagem regressiva fica em poucas mãos, o que é pouco democrático e não diminui os riscos. A pluralidade de detentores da possibilidade de fazer estourar o grande calor invisível recomenda, isso sim, muito mais cautelas recíprocas e contenções nas agressões.
Se eu detiver um revólver, por exemplo, e nenhum dos meus vizinhos detiver algo semelhante, é mais provável que eu saia distribuindo tiros em quem não os pode dar em mim, sempre que surgirem conflitos de vizinhança. Com o risco de levar de volta o que poderia distribuir, provavelmente eu pensarei mais calmamente e tentarei partir para outros modos de resolução de conflitos. Tenderei a ser menos arrogante, enfim.
Eis que, distribuído o libreto para a ele aderirem os espectadores que o não escreveram, três dos componentes da platéia saem do teatro às escondidas e ficam calados nos seus cantos. E, algum tempo depois, usando a mesma teoria do fato consumado, anunciam que detém os artefactos de destruição e as usinas de geração de energia a partir da fissão do átomo. Índia, Paquistão e Israel agiram assim e esta ação revelou-se boa para eles. Tornaram-se sócios do teatro, sem que seus nomes apareçam, situação até melhor que a dos sócios originais.
Aqui, evidencia-se outro tremendo equívoco conceptual. Não há qualquer diferença entre firmar o pacto e descumprí-lo e não o firmar porque já tem o que se quer impedir os outros de terem. Porque os cinco integrantes iniciais do clube impuseram algo que não firmaram! Um descumprimento de um pacto e uma imposição por chantagem, suborno ou força são iniquidades que se encontram no mesmo plano ontológico.
Há, porém, outro patamar de confusão conceptual, que hoje tem estado muito em evidência: a utilização das noções de propriedade intelectual para abordar situações que não se enquadram nesse âmbito. Diz-se, por exemplo, que o Irã não pode desenvolver tecnologia de geração de energia nuclear, excepto se for sob estrita tutela de quem a detém. Ora, não poderia se estivesse a copiar ilegalmente as dos outros. Mas, se está a desenvolver a sua, ou a receber as idéias consensulmente de quem as quis repassar, não há o menor problema. Com efeito, terá um país ficado impedido – pelos gostos de outros – de desenvolver uma tecnologia?
Mas, dirão os donos do teatro e um dos sócios ocultos, podem desenvolver a Bomba. Sim, claro que podem, os sócios não puderam?
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